Edição 300
Após o recorde de captação registrado pela indústria de fundos em 2017, quando foram aportados R$ 263,75 bilhões pelos investidores, o mercado espera por um novo ano de fluxos importantes diante do cenário de retomada da economia e com inflação sob controle, o que deve manter os juros próximos da mínima histórica até o final do ano.
A renda fixa, que em 2017 recebeu aportes de R$ 59,53 bilhões, deve perder apelo diante do nível baixo dos juros, enquanto os multimercados, que registraram entradas líquidas de R$ 96,86 bilhões, devem manter o bom desempenho. Já os fundos de ações, que obtiveram captação de R$ 27,61 bilhões, devem ter um incremento da demanda à medida que os investidores têm aumentado a procura por produtos de maior valor agregado.
Em contraste com a forte captação da indústria em 2017, a participação dos fundos de pensão foi tímida. Segundo os dados da Anbima, as entidades fechadas de patrocinio público aportaram R$ 2,32 bilhões, enquanto as de patrocínio privado resgataram R$ 11,25 bilhões – muitas aproveitaram os prêmios suficientemente altos dos títulos públicos para aquisição via carteira própria. Com a redução dos prêmios, esse público deve voltar a aportar na indústria de fundos.
“Como os fundos de pensão podem comprar títulos via carteira própria eles não precisaram recorrer tanto aos fundos”, afirma Jorge Simino, membro do comitê de investimentos da Abrapp e diretor da Funcesp. Além disso, investidores pessoas físicas, beneficiados pela popularização das plataformas abertas, que oferecem uma infinidade de fundos até então inacessíveis para muitos, também contribuiu para relativizar a participação das fundações. “São investidores que tomam uma decisão de investimento em um tempo muito menor do que os fundos de pensão”, diz Simino.
Já para 2018, com os prêmios na renda fixa abaixo dos 5%, a compra dos títulos públicos pelas fundações por meio de suas carteiras próprias deixa de ser uma opção, o que deve fazer com que esse público tenha uma atuação mais importante dentro da indústria de fundos, prevê o especialista. “O desafio para 2018, seja para fundações, assets, family offices ou pessoa física será buscar uma relação risco retorno interessante à medida que temos uma Selic de 7% com uma inflação de 4%”.
O CEO da AZ Quest, Walter Maciel, lembra que“há uma série de títulos nas carteiras dos institucionais programados para vencer em 2018, e dificilmente eles irão utilizar esses recursos, ao menos em sua totalidade, para reinvestir em títulos”.
Para o diretor da Funcesp, mesmo os produtos mais tradicionais de renda fixa, como os fundos DI, não devem perder totalmente o apelo junto aos investidores. “Os investidores não aplicam em fundos desse tipo apenas pela rentabilidade, mas também pela liquidez e facilidade. Por essa razão não espero resgates elevados de fundos do tipo”, aponta o dirigente, que faz um alerta sobre a alta recente da Bovespa. “Quando sobe muito rápido, com uma alta de quase 10% só em janeiro, é preciso ficar atento”, diz. Apesar disso, Simino destaca que o movimento recente de valorização não é fato isolado da bolsa brasileira, e tampouco se deve somente a fatores domésticos. “As condições do ambiente externo são muito favoráveis, e o apetite por risco dos estrangeiros continua impressionante”, observa.
Exterior – Carlos André, diretor de gestão da BB DTVM e vice-presidente da Anbima, nota que o mercado deve se manter positivo em termos de entrada de recursos na indústria, como resultado da aceleração do crescimento do País e da inflação sob controle, condições que devem permitir a manutenção dos juros próximos da mínima histórica alcançada no final do ano passado. “Temos perspectivas de ter novamente em 2018 um número de captação que surpreenda positivamente”, afirma o diretor da BB DTVM.
De acordo com o executivo, além dos juros baixos e da necessidade de diversificação, as alterações promovidas na legislação dos fundos de pensão que tratam dos investimentos no exterior devem facilitar uma migração mais rápida de parte dos recursos locais para outros mercados.
“Temos notado muita procura por ativos internacionais, seja em bolsa, renda fixa ou multimercados”, afirma Guilherme Benites, consultor da Aditus, que acrescenta que um movimento mais forte e maciço ao exterior ainda não foi materializado justamente porque os investidores aguardavam as mudanças regulatórias que flexibilizaram o investimento.
Incertezas – Segundo Paula Teixeira, diretora executiva da BB DTVM, embora as perspectivas para a indústria brasileira de fundos de investimento sejam de fato positivas, a incerteza sobre o processo eleitoral pode gerar dúvidas nos investidores e volatilidade nos mercados nos próximos meses em comparação ao observado em 2017. “Não temos em 2018 um cenário tão bem definido como tivemos no ano anterior”, pondera Paula, que lembra que anos eleitorais são por tradição atípicos para as assets do mercado. “Em períodos assim os gestores precisam buscar uma proteção adequada às suas carteiras, sem a adoção de estratégias muito direcionais”.
Ainda assim, a diretora da BB DTVM nota que, se por um lado a volatilidade acentuada prejudica a visibilidade à frente, por outro ela também pode gerar boas oportunidades a serem aproveitadas por gestores e investidores.
Segundo a especialista, mesmo a renda fixa, apesar dos juros próximos das mínimas históricas, ainda podem oferecer rendimentos interessantes entre os ativos pré-fixados e atrelados aos índices de preços, principalmente em momentos de estresse do mercado quando geralmente há um aumento dos prêmios. “Para que essas oportunidades possam ser capturadas será necessário que os gestores acompanhem com muita proximidade a curva de juros, principalmente entre os contratos intermediários, já que nos longos o risco será mais acentuado”, afirma a diretora.
Apesar da constatação, a executiva admite que para a maior parte dos investidores a renda fixa realmente perdeu apelo. Segundo ela, esse movimento começou a ser observado já nos últimos meses de 2017, com produtos de maior valor agregado como multimercados e fundos de ações passando a figurar como as principais opções na busca de retornos condizentes com os objetivos dos investidores. “Essa é uma tendência que deve prosseguir”, prevê a especialista.
A diretora da BB DTVM destaca ainda que a perspectiva positiva se deve também ao quadro externo favorável. Ela lembra que o bom rendimento apresentado pela Bovespa no início de 2018 tem forte relação com o ambiente internacional, devido ao crescimento das principais economias, mas sem grande pressão inflacionária, o que permite uma elevação muito gradual dos juros nos mercados desenvolvidos. Além disso, os temores sobre uma possível desaceleração forte da economia chinesa aparentemente arrefeceram. “O cenário global favorece a busca dos investidores estrangeiros por rendimentos maiores nos mercados emergentes”.
Somente em janeiro os aportes de estrangeiros na bolsa brasileira superaram a casa dos R$ 9 bilhões. “Com o rebaixamento do rating do país esse fluxo de estrangeiros para a Bovespa pode parecer contraditório, mas ao analisarmos o cenário global como um todo vemos que ele ainda é positivo para os emergentes”.
Maciel, da AZ Quest nota que, embora a bolsa esteja renovando suas máximas históricas quase diariamente, o mercado vem paulatinamente revisando para cima suas projeções para o crescimento da economia, o que impacta diretamente nas estimativas para os preços das ações. “Papéis que os investidores entendiam estar caros passam a ser considerados baratos”, afirma o CEO da gestora.
O especialista lembra que, além dos juros elevados, no passado recente a indústria de fundos também teve a concorrência dos produtos isentos, como as letras de crédito imobiliário e do agronegócio e as debêntures incentivadas. “Com a redução esperada desses incentivos, os investidores terão de ir em busca de mais risco nos fundos”, prevê Maciel.