Oportunidade na crise | Fundo da Socopa foi lançado em 2013, quan...

Edição 292

 

Quando, em 2008, os investidores do mundo inteiro começaram a desconfiar que os balanços financeiros do Lehman Brothers, carregados de créditos hipotecários de clientes com pouca ou nenhuma capacidade real de pagamento, eram uma peça de pura ficção e tentaram resgatar as suas aplicações que, evidentemente, o Lehman não tinha capacidade de honrar, a crise dos sub-prime estourou. Em poucos dias ficou claro que aqueles créditos hipotecários sub-prime eram ativos podres que jamais seriam pagos pelos que assinaram as hipotecas, até porque os valores das casas, apartamentos, galpões etc que serviam de lastro aos empréstimos despencaram e os devedores entenderam que era melhor entregar os imóveis do que tentar pagar as dívidas.
Quando o mercado foi inundado com imóveis devolvidos pelos clientes insolventes às instituições financeiras, os preços despencaram rapidamente. Casas e apartamentos que tinham sido financiados poucos meses antes por US$ 1 milhão começaram a retornar aos bancos e a ser ofertados de volta ao mercado, inicialmente pela metade do preço e, nos meses seguintes, por até um terço ou menos do seu valor original. Bem, como sempre, onde há crise há também oportunidades para quem sabe farejar bons lucros. É o caso do herdeiro do Banco Paulista e da Corretora Socopa, Álvaro Augusto de Freitas Vidigal, que em 2010 começou a se interessar por aquele estoque de imóveis baratos nos Estados Unidos.
Ele já morava lá e conhecia bem o mercado financeiro norte-americano. Tinha aberto, em 2005, uma corretora de valores em Nova Yorque para operar nos mercados de futuro, ações e títulos principalmente para clientes latino-americanos. Por conta do perfil dos seus clientes, grande parte com residência fixa ou temporária na Flórida, resolveu transferir a sede da corretora para Miami, em 2008. Com a crise dos sub-prime, em pouco tempo começaram a aparecer anúncios de imóveis à venda naquele estado por preços muito abaixo do que de fato valiam, e Vidigal resolveu investir nesse segmento como pessoa física e não através da sua corretora. “Comprava barato, arrumava um pouco e vendia mais caro”, diz. “Comecei a ganhar dinheiro com isso”.
No final de 2012 ele recebeu uma oferta da INTL FCStone, uma grande casa de investimentos dos Estados Unidos, para vender sua corretora. “Ela queria entrar naquele nicho que eu operava, de clientes latino-americanos da Flórida, então me fizeram uma boa oferta e eu vendi”, resume. Com o dinheiro, ele resolveu alavancar o negócio que estava operando até então na pessoa física e em fevereiro de 2013 deu início a um fundo de hipotecas sub-prime nos Estados Unidos. “Naquela altura, como as pechinchas estavam acabando e os ganhos com a compra e a venda de imóveis estavam diminuindo, eu achei que seria uma boa idéia passar a oferecer financiamento imobiliário para americanos com rating de crédito ruim, os sub-prime”, diz. “Esse mercado estava praticamente abandonado pelos bancos americanos desde que novas regras, aprovadas após a crise, passaram a exigir provisionamentos imensos dos bancos para operações de financiamento a esse mercado”.
Segundo Vidigal, as novas regras não afetavam instituições como a Tradewire Group (TWG), uma gestora que ele mantinha inativa na Flórida há alguns anos e que resolveu dinamizar para lançar o Mortgage Fund. O fundo atuaria exclusivamente no mercado de créditos sub-prime para imóveis baratos, com algumas regras simples para diminuir o risco de inadimplência, como por exemplo nunca financiar 100% do imóvel. “Decidimos financiar só 80% do valor dos imóveis, o cliente teria que ter 20% para dar de entrada, assim se deixasse de pagar perdia o que tinha colocado como capital próprio”. Além disso, só atuaria na Flórida, um mercado que ele conhecia. Fez acordos com corretores autônomos para prospectar os clientes e com uma empresa do ramo do “servicing”, chamada Bright Capital, que se encarregaria de contabilizar as operações, emitir os boletos e executar judicialmente eventuais clientes inadimplentes. De acordo com Vidigal, desde que foi lançado em fevereiro de 2013 ainda não houve nenhum caso de casa devolvida.

Preços médios – Outro fator que explica a ausência de inadimplência são os preços médios dos imóveis, que caíram desde o auge do boom imobiliário para um patamar compatível com a capacidade de pagamento das famílias americanas. Hoje, o Mortgage Fund financia cerca de 250 casas, com valor médio de US$ 200 mil cada, todas na Flórida. Auditado pela Grant Thornton, o fundo possui um patrimônio líquido de US$ 50 milhões, sendo que dois terços desse valor são aportes de investidores latino-americanos que operam nos Estados Unidos e um terço são aportes do fundo de cotas Mortgage Multimercado Investimentos no Exterior, operado no Brasil pela Socopa Gestão.
O Mortgage Multimercado IE investe 100% no fundo dos EUA. Ele fechou abril com um patrimônio líquido de R$ 55 milhões, dos quais 70% são de recursos próprios e 30% de clientes institucionais. “Acreditamos que esse fundo tem grande atratividade para os clientes institucionais brasileiros”, diz Vidigal. Segundo ele, o fundo tem tido um retorno consistente ao longo dos anos, acumulando rentabilidade de 91,19% entre fevereiro de 2013 e março de 2017, contra um CDI de 58,28% no período. Nos doze meses de 2015 a rentabilidade acumulada ficou em 26,46% contra CDI de 13,24% e em 2016 rentabilidade acumulada foi de 17,66% contra CDI de 14%.
A Socopa Gestão pretende ampliar a presença de institucionais nesse fundo, até o limite de R$ 100 milhões, quando deve encerrar suas captações e criar um espelho com a mesma estratégia de investir 100% no Mortagage Fund dos Estados Unidos, mas com uma diferença. Enquanto o fundo atual é aberto e tem resgate em D+30, o novo será fechado com resgate apenas no seu encerramento. “A partir de um determinado volume a liquidez pode prejudicar a performance, pois é difícil ter que vender um imóvel antes do prazo para fazer frente à um pedido de resgate”, explica Vidigal.
Segundo o consultor da Aditus, Nathan Batista, os fundos de investimento imobiliário devem se tornar interessantes para os investidores brasileiros a partir do final deste ano, quando a taxa de juros cai para cerca de 8.5%. De acordo com ele, existe um montante estimado em cerca de R$ 45 bilhões vencendo no primeiro semestre e parte desse valor deve buscar aplicações de maior rentabilidade como os fundos imobiliários, multimercados estruturados e private equity. “Mas numa velocidade mais lenta do que ocorreu entre 2012 e 2013, quando os juros reais caíram para a casa de 2%”, diz (ver box).

Separação – A Socopa Gestão surgiu no início deste ano, depois que os dois principais sócios da Riviera Investimentos, a Socopa Corretora e André Barbieri, decidiram encerrar a parceria que tinham iniciado três anos antes. Com a separação, André Barbieri manteve a marca Riviera Investimentos e segue com alguns fundos estruturados e de renda fixa enquanto a Socopa criou a Socopa Gestão para gerir, além do Mortgage, alguns fundos abertos de crédito privado e de renda fixa e outros fundos fechados e exclusivos. As atividades do grupo englobam, além de R$ 7,5 bilhões geridos pela Socopa Gestão, também R$ 25 bilhões em administração fiduciária sob a Socopa Administração de Ativos e R$ 30 bilhões em custódia sob o Banco Paulista.
Além de apostar no crescimento do Mortgage, a Socopa Gestão tem no pipeline o lançamento de um FIC de FIDCs, para alocar em fundos de direitos creditórios de terceiros. Segundo Vidigal, a maior parte dos R$ 25 bilhões que o grupo tem sob administração fiduciária é de recursos de FIDCs, um segmento que conhece bem. “Temos a fotografia dos bons gestores desse segmento”, diz. Além disso, a gestora estuda o lançamento de FICs para renda fixa e multimercados e até um fundo de precatórios, mas esse não será oferecido aos institucionais, porque a legislação do segmento não permite. “Não queremos ter famílias muito grande de fundos, mas atuar forte nos segmentos que conhecemos bem”, explica Vidigal.

 

Ativos estruturados voltam a despertar interesse

Para o consultor da Aditus, Nathan Batista, a queda da taxa de juros para um patamar de cerca de 8,5% no final deste ano deve levar a uma maior procura por ativos estruturados, incluindo as classes de fundos imobiliários, os multimercados estruturados e os fundos de private equity. Nas contas da consultoria, com a Selic rodando na casa dos 8,5% no final do ano e a inflação em 4,5%, o investidor terá um juro real de cerca de 4% que será insuficiente para cobrir sua meta atuarial, que hoje gira em torno de 5,5% atualmente. “A saída será buscar outras classes de ativos, de mais risco, que permitam cobrir essa diferença”, analisa Batista. “Os fundos imobiliários são uma das possibilidades interessantes”.
De acordo com ele, os mercados estão hoje mais amadurecidos e os investidores não devem ir com tanta sede ao pote quanto foram entre 2012 e 2013, quando os juros reais caíram para a casa de 2%. “Hoje os institucionais entendem que a avaliação dos investimentos estruturados é particular e única, devendo ser feita caso a acaso”, diz Batista. “Os investidores vão analisar melhor o que está sendo ofertado e impor mais condições antes de investir nesse tipo de ativo, para evitar a situação de quatro anos atrás quando investiram em fundos de gestores sem histórico e que acabaram não entregando o prometido”.
Segundo Batista, nesse novo momento de juros baixos os investidores devem exigir dos gestores que o fundo tenha histórico, que tenha equipe de gestão especializada e que mostre alinhamento de interesses com o cotista. “Sem isso, não acho que o investidor irá se interessar”.