Edição 124
A indústria de asset está passando por uma mudança profunda, cuja face mais visível é o grande número de vagas fechadas nos últimos meses. Alguns profissionais que têm sido a cara desse setor por mais de uma década estão sendo dispensados (ver pág. 23), como resultado de várias transformações que estão moldando o novo perfil da indústria de asset. Entre outras coisas, deve tornar-se uma indústria mais enxuta, mais especializada e mais técnica.
A mudança começou a se desenhar no final da década passada, depois que várias assets de pequeno porte, tanto nacionais quanto estrangeiras, começaram a tomar consciência da importância que a escala tinha adquirido. Naqueles anos, começou-se a falar timidamente que uma asset com menos de R$ 3 bilhões sob gestão não se pagava. Logo depois esse volume subia para R$ 5 bilhões e hoje já fala-se que são necessários pelo menos de R$ 10 bilhões para que ela seja viável.
Como resultado, várias assets de menor porte se fundiram ou venderam suas carteiras para gestores maiores nos últimos anos (ver quadro). “Muita gente que achava que estava no negócio para ficar, começou a ver que poderia nunca chegar aos R$ 10 bilhões”, reflete o diretor de institucionais do Itaú, Alexandre Zákia. “Então, ou deixaram o negócio ou reduziram os serviços oferecidos”.
Claro que algumas incorporações fizeram parte de uma consolidação global do setor financeiro, como foi o caso da incorporação do CCF pelo HSBC no Brasil. A maioria, entretanto, foi mesmo ditada pelas necessidades do mercado local. Mas, embora a consolidação avançasse, parecia que a cada momento o número mágico da viabilidade ficava mais distante, pois as taxas de administração caiam quase na mesma proporção e os clientes passavam a exigir cada vez mais serviços adicionais, como relatórios, controles etc.
A queda das taxas de administração caminhou de forma paralela à das consolidações da indústria, pois as aquisições e fusões visavam justamente obter volume para poder reduzir as taxas e ganhar mais escala. A cada passo desse processo as taxas caíam mais e mais, porém os gestores tinham a expectativa de que, em algum momento, com um número menor de concorrentes, a queda poderia ser estancada e o volume obtido compensaria.
O que aconteceu foi o contrário. Sentindo que a indústria estava disposta a guerrear entre si, no início de 2001 a então secretária de Previdência Complementar (SPC), Solange Paiva Vieira, abriu uma concorrência entre as assets para gestão de uma carteira de fundos de pensão sob intervenção. Ganharam a concorrência o Itaú, o HSBC e o BNP, com taxas de 0,1% para renda fixa e 0,2% para renda variável.
“No momento em que a indústria aceitou o nível das taxas de administração da SPC, no começo do ano passado, para administrar aquela carteira das fundações sob intervenção, aquilo virou a referência para todo o sistema”, relembra Ailton Garcia, que deixou a UAM recentemente. “A partir daquele momento, ninguém queria pagar acima daquele patamar e quem pagava começou a chamar as assets para negociar”.
Para o atual secretário da SPC, José Roberto Savóia, que na época era adjunto de Solange, a argumentação de que a concorrência do regulador ajudou a puxar as taxas para baixo não se sustenta. “A queda das taxas aconteceria de qualquer jeito”, diz ele. Segundo Savóia, as quedas das taxas vinham ocorrendo em razão das consolidações não apenas da indústria de asset mas do setor financeiro como um todo, em busca de escala, de novos mercados e de novos clientes.
Inversão – Entretanto, o ambiente que tinha originado o movimento das consolidações começou a mudar a partir de 2001. Deixou de ser um ambiente de crescimento da indústria, de novos fluxos de capitais para gestão, para ser um ambiente de retração. “Muitos investidores externos começaram a deixar o país, as bolsas caíram, os aplicadores domésticos também se retraíram”, lembra Savóia. “O fluxo passou a ser negativo, e contra fluxo negativo não há argumentos”.
Nesse novo ambiente, a concorrência entre as assets acirrou-se. Hoje, as taxas praticadas para os clientes institucionais estão em níveis considerados impraticáveis pelos gestores. “Fui chamado por um fundo de pensão, recentemente, para participar de uma concorrência de pouco mais de R$ 10 milhões com uma taxa de administração de 0,08%”, conta Zákia. “Desistimos, informamos ao fundo que não tínhamos interesse na carteira”.
Segundo ele, em razão desse novo ambiente as assets entraram em um regime de corte de despesas, que dependendo da empresa pode incluir desde a redução dos serviços oferecidos aos clientes até uma desistência de carteiras menos rentáveis. “As fundações esticaram demais a corda e, a partir de um determinado momento, a qualidade dos serviços da indústria como um todo pode começar a cair”, diz Zákia.
De acordo com o diretor comercial do BMG Asset Management, Bruno Amadei, “tivemos que cortar tudo que não era essencial”. Entre outras coisas, a asset do BMG reduziu o número de eventos que costumava realizar para os clientes institucionais e as viagens para outras praças. “Passamos de cinco eventos anuais para apenas dois, e se antes fazíamos uma viagem toda semana para visitar os clientes fora de São Paulo passamos a fazer uma viagem a cada 20 dias”, conta Amadei.
O regime espartano da asset do BMG tem sido a regra na indústria como um todo. “Também cortamos os nossos custos, reduzimos o número de eventos, as viagens e até a verba para divulgação”, diz Zákia. “Com as margens atuais fica cada vez mais difícil trabalhar, o que pode acabar acontecendo é uma queda na qualidade dos serviços da indústria”, afirma o diretor comercial da Bradesco Asset Management (Bram), José Roberto Castro Santos.
Marcação a mercado – Se a concorrência acirrada entre as assets já tinha dado motivos para que elas começassem a enxugar os seus custos, as recentes perdas que a indústria como um todo teve com a marcação a mercado fez desse processo algo irreversível. A indústria de asset como um todo perdeu quase R$ 60 bilhões em aplicações de clientes desde o início do ano, e foram saques feitos principalmente por clientes do varejo, onde se concentram as mais apetitosas taxas de administração.
As perdas no mercado de varejo, que levaram as assets a tomar a dura decisão que há anos adiavam, de enxugar custos e demitir, colocaram em pauta uma nova discussão. É valido praticar-se uma espécie de subsídio cruzado na indústria de gestão de recursos, fazendo com que um tipo de cliente subsidie outro? Enquanto o varejo pagava taxas de 1,5% e 2% ao ano, os institucionais estão sendo premiados com taxas inferiores a 0,1%. Claro que o volume de recursos aplicados por um e por outro é diferente, justificando taxas diferenciadas, mas a desproporção atual é muito grande, analisa Castro Santos, da Bram.
Para Savóia, essa política de subsídios cruzados tende a perder força a partir daqui, com os prejuízos decorrentes da marcação a mercado. “Existia, realmente, um tipo de subsídio cruzado entre vários produtos e entre vários clientes”, diz Savóia. “Mas, a partir de agora, acho que as assets vão passar a olhar produto a produto, cliente a cliente, buscando rentabilizar cada um”.
Outra realidade apontada pela crise da marcação a mercado, e que ainda está sendo digerida pelas assets, tem a ver com a política de ganhar escala a qualquer custo que vinha sendo seguida desde o final dos anos 90. As perdas resultantes da marcação foram democraticamente divididas entre a maioria dos gestores, tanto grandes quanto pequenos, mostrando que “tamanho não é documento”. Baixada a poeira, muitas assets começaram a analisar que as perdas tiveram mais a ver com suas estratégias e políticas de gestão do que com seus volumes.
Nesse sentido, o mito da escala saiu fortemente arranhado. É provável que pouca gente se disponha a sair comprando carteiras, como fez até recentemente, apenas para agregar volume sob gestão. O ABN AMRO, que há um mês da marcação a mercado tinha comprado a carteira de quase R$ 3 bilhões do Dresdner, não foi em nada beneficiado com isso. “A partir de agora, as compras de carteiras deverão levar em conta principalmente a sua lucratividade e não tanto o seu volume”, diz o diretor comercial da asset do ABN AMRO, Fernando Meibak.
No mercado, comenta-se sobre a intenção do BNL de desfazer-se de sua carteira de fundos, desativando a área no Brasil. As recentes mudanças da conjuntura, no entanto, transformaram essa que deveria ser uma disputa entre as assets em torno de uma noiva numa oferta de casamento sem pretendentes. Ressabiadas com as perdas recentes, nenhuma asset teria mostrado interesse na carteira de pouco mais de R$ 500 milhões do BNL.
Reflexão – A verdade é que a indústria de asset está passando por um momento de reflexão. “O modelo que temos hoje, construído ao longo dos últimos 20 anos, está ultrapassado”, diz Meibak. “A forte competição na indústria de investimentos exige hoje um novo modelo, baseado no valor agregado pelos portfólios, na rentabilização de cada carteira e de cada cliente, na formação técnica dos profissionais, em compliance e na transparência dos produtos”, complementa.
Para ele, as perdas da marcação a mercado também levarão os clientes a relativizar a importância dos rendimentos passados e a valorizar mais o preparo e as estratégias do gestor. “Veja, nessa crise da marcação a mercado quem estava no over foi quem se saiu melhor, teve uma performance excelente, mas será que isso é bom para o cliente de longo prazo?”, pergunta Meibak. “Acho que os clientes vão passar a olhar menos para trás e mais para a frente, a fazer simulações de rentabilidade futura etc”.
Em comum, os gestores têm praticamente a mesma opinião sobre um aspecto da nova cara da indústria de asset, que acham terá um mix de produtos e clientes mais equilibrado em termos de rentabilidade, menos subsídios cruzados e será mais técnica daqui para a frente. Além de ter uma tendência de recomposição das taxas de administração do atacado. “Acredito que taxas dos institucionais tendem a subir, não tem sentido praticar taxas de 0,07% ou 0,08%”, diz Meibak.