Edição 264
O mercado de fundos de investimento foi impactado pelo anúncio que o lendário gestor da asset Pacific Investment Management (Pimco), William Gross, estava deixando a companhia. Co-fundador da asset, Gross deixa uma empresa com ativos sob gestão de US$ 1,97 trilhão, na qual esteve pelos últimos 27 anos, rumo à Janus Capital, que administra uma carteira total de US$ 167,7 bilhões.
Entre as diversas razões para a fama adquirida por Gross, de 70 anos, para o bem e para o mal, estava o fato dele ser o responsável na Pimco pela gestão do fundo de renda fixa Total Return Fund, com PL de US$ 221,6 bilhões, e que existe desde novembro de 1987. O próprio tamanho alcançado pelo fundo é apontado por especialistas como uma das causas para o brilho do gestor ter sido ofuscado nos últimos anos, ao não conseguir encontrar boas oportunidades de investimento para todo o capial que tinha para investir.
Outro problema que atrapalhou o profissional foi que, após a crise de 2008, e com as novas regulações das autoridades que reduziu a participação dos bancos no mercado, a média diária de negociação no mercado de títulos americanos caiu de US$ 1,04 trilhão em 2008 para R$ 809 bilhões em 2013.
Na nova casa, Gross irá gerir o recém-criado Janus Global Unconstrained Bond Fund, de US$ 12,9 milhões. No dia do anúncio da chegada do gestor, as ações da Janus dispararam 43% na Bolsa americana, e o fundo a ser gerido por ele já recebeu novos aportes superiores a US$ 60 milhões só em setembro, o que demonstra, ao menos em um primeiro momento, que os ganhos da Janus são bem menores do que as perdas sofridas pela Pimco com a saída de um de seus mentores.
Por ter previsto o colapso causado pelos subprimes nos Estados Unidos, e nos demais países do globo, Bill Gross, como é mais conhecido, conseguiu fazer seu fundo render 4,8% em 2008, período no qual o S&P 500 tombou 37%, o que fez com que o patrimônio do produto aumentasse substancialmente nos períodos seguintes – somente em 2009, os depósitos alcançaram US$ 50,1 bilhões.
Fama – De novembro de 2008 a outubro de 2013, o fundo da Pimco sob a gestão de Bill Gross era o maior do globo. Além dos resultados entregues efetivamente, Gross ganhou notoriedade por ser figurinha carimbada em programas de televisão, onde conseguia trabalhar com uma linguagem mais informal e conceitos com que investidores menos sofisticados ainda estavam pouco familiarizados.
Ao gestor é dado boa parte do crédito pela popularização do mercado de dívida na última década, e há quem diga que nenhum outro agente do mercado de renda fixa terá a mesma fama alcançada por Gross, até mesmo por conta de seu carisma. O gestor foi carteador profissional em Las Vegas antes de entrar no mercado financeiro, e já chegou a dizer que usa táticas e métodos de seu tempo de jogador para fazer suas análises dos ativos.
Os resgates sofridos pelo fundo da Pimco ao longo do ano passado, entretanto, fizeram com que ele fosse ultrapassado pelo fundo de índice Vanguard Total Stock Market, que atingiu US$ 251 bilhões ao final do ano precedente, contra US$ 247,9 bilhões do Total Return na ocasião.
Ainda que nos últimos 16 meses os resgates no fundo da Pimco totalizem US$ 68 bilhões, o que demonstra a perda de prestígio de Bill Gross, logo após o anúncio de sua saída da asset outros US$ 23,5 bilhoes foram sacados do fundo, o que mostra a relação de paixão e ódio dos investidores em relação ao gestor.
‘Bond King’ – Para alguns críticos, Gross, que foi apelidado de ‘bond king’, ou ‘rei dos títulos de dívida’, fez fama no mercado em períodos no qual a liquidez era abundante, e por isso não era um trabalho tão difícil obter ganhos mais expressivos. Com a mudança de cenário, quando as taxas passaram a oscilar próximas da neutralidade, e sob maior volatilidade, os resultados não corresponderam.
Além disso, algumas apostas errôneas por parte de Gross, como apostar numa alta prematura dos treasures, que não se confirmou, somadas a seu temperamento pouco usual – ganhou notoriedade uma apresentação feita por ele a investidores em junho passado na qual não tirou seus óculos de sol em nenhum momento, ou tecer comentários sobre a morte de seu gato de estimação em carta aos investidores e clientes da asset –, fizeram o gestor ter seu cargo colocado em xeque dentro da própria Pimco, o que teria levado a seu pedido de demissão, antes que fosse mandado embora.
Na lâmina de junho de 2014, o fundo Total Return Fund apresentava uma performance, já descontadas as taxas, de 7,94% desde seu início, contra 6,86% do benchmark Barclays U.S. Aggregate Index. Em 10 anos, o fundo da Pimco performou 6,37%, contra 4,93% do índice de referência. Não se tratam de retornos absurdamente altos, mas sólidos, que deram a Gross o título de gestor de renda fixa da década, no período de 2000 a 2009, pela consultoria Morningstar.
O tamanho alcançado pelo Total Return Fund também gerava questionamentos quanto à capacidade de uma pessoa ficar sozinha à frente de tamanho gigantesco – com a saída de Gross, a Pimco nomeou três executivos que a partir de agora ficarão responsáveis pelo fundo.
“Espero ansiosamente em retornar todo meu foco ao mercado de renda fixa, deixando de lado muitas das complexidades que tinha ao gerir uma grande e complicada organização”, disse Gross, no comunicado de sua saída.
Assets – Com Gross fora da Pimco, mas com seu prestígio desgastado, apenas uma pequena parte dos investidores que sacaram do fundo Total Return migraram para o fundo da Janus. Quem tem se beneficiado com esse fluxo de capitais no mercado é a BlackRock. O fundo de pensão do Estado da Florida, por exemplo, sacou US$ 3 bilhões da Pimco, sendo US$ 535 milhões no Total Return, para colocar em dois fundos de renda fixa da BlackRock.
Já o ETF da maior gestora do globo, o iShares Core U.S. Aggregate Bond Fund, o segundo maior do mercado, registrou aportes da ordem de US$ 752 milhões nos dois dias seguintes ao anúncio da saída de Bill Gross da Pimco. O maior ETF do mercado, o Total Bond Market ETF, da Vanguard, teve entradas maciças de US$ 2,1 bilhões no mês passado.
Comando – Os desgastes internos entre os executivos do alto escalão da Pimco não são de hoje. Em janeiro, o então CEO da companhia, Mohamed El-Erian, pediu demissão, o que causou tanto espanto no mercado quanto o anúncio de Gross. Na época, uma disputa de poder entre El-Erian e Gross foi apontada como razão para a saída do executivo, ainda que ele tenha alegado que tomou a decisão para passar mais tempo ao lado da família. El-Erian segue como consultor econômico do grupo Allianz, que adquiriu a Pimco no ano 2000 por US$ 3 bilhões.
El-Erian entrou na Pimco em 1999, como membro sênior do grupo de investimentos e estratégias, saiu em 2006 para assumir o cargo de CEO na Harvard Management Co., e logo em 2007 retornou a Pimco à convite de Gross. El-Erian era visto como um possível sucessor ao posto de Gross na Pimco.
Brasil – A Pimco anunciou a abertura de um escritório no Brasil em setembro de 2012, mas nunca teve uma atuação de destaque na região. No final do ano passado, Bill Gross disse que diminuiu a exposição ao mercado brasileiro, e que esperava por uma desvalorização do real ante o dólar, movimento que se confirmou alguns meses depois. Na época, o gestor se mostrou incomodado com a falta de habilidade do governo em adotar medidas capazes de fazer a economia brasileira voltar à rota de crescimento.
Ainda assim, poucos meses após as críticas, Mark Kiesel, CIO da Pimco, que foi promovido de cargo com a saída de El-Erian, falou que a depreciação no valor dos ativos no mercado brasileiro, além de exagerada, os tinha colocado em patamares atrativos novamente. “Nossa conclusão [após visita ao país] foi a de que o sentimento era tão negativo que os mercados exageraram, e poderiam melhorar a partir de níveis tão baixos”, escreveu Kiesel em carta aos investidores. (Com agências internacionais)