Edição 270
A Jive Asset, gestora de recursos focada em veículos estruturados e, principalmente, fundos de crédito inadimplententes (distressed), quer crescer no segmento de fundos de pensão, passando a oferecer o serviço de recuperação de ativos para entidades. A gestora, nos últimos seis meses, já participou de três processos de seleção para recuperação de créditos em default nas carteiras de três fundações. Entre elas, a Petros. No final do ano passado, a entidade escolheu a Brasil Plural para a estruturação de um fundo que concentrará diversos ativos em default a serem recuperados.
A Jive recebeu carta-convite do fundo de pensão dos funcionários da Petrobras e enviou sua proposta. Não foi selecionada desta vez. Mas aguarda o resultado de outras concorrências, cujas entidades não foram reveladas. A asset participou ainda no ano passado de processos de seleção para substituir os gestores de fundos de recebíveis (Fidcs) do BVA. Também não foi desta vez. Novamente, a Brasil Plural ganhou a disputa.
Mesmo sem ter conquistado uma entidade de previdência como cliente para o serviço de recuperação de ativos até o momento, a Jive enxerga este mercado como bastante promissor. Afinal, exemplos não faltam de grandes fundações que, mesmo possuindo equipes grandes e políticas rígidas de avaliação de investimentos, tomaram decisões equivocadas no passado e agora correm atrás do prejuízo. Além dos atuais clientes potenciais, com a desaceleração da economia a tendência é que o pool de ativos inadimplentes cresça, gerando futuras oportunidades de negócios para gestoras especializadas em “caça aos devedores”.
“Os institucionais não são clientes de créditos problemáticos por escolha. A expansão do mercado de recebíveis, há alguns anos, e a necessidade de bater metas muito altas acabaram levando os fundos de pensão a tomarem mais risco do que imaginavam na época”, explica Guilherme Ferreira, diretor da Jive. A falência de vários bancos originadores de créditos podres, como Cruzeiro do Sul, Trendbank, BVA e Rural, levou os órgãos reguladores a fazer sérias mudanças nas normas de Fidcs, mas ainda traz consequências para o balanço das entidades, que têm enorme dificuldade em reaver os valores aplicados.
Há dois anos, esse cenário levou diversos fundos de pensão a mercado, em busca de gestoras capazes de fazer um trabalho mais apurado do que os tradicionais escritórios de advocacia. No caso da Petros, a concorrência aberta no ano passado era para a gestão de uma carteira de fundos exclusivos, recheados de ativos problemáticos. “Nossa proposta era de bancar sozinhos com o custo da operação de recuperação enquanto ela ainda não estivesse gerando frutos. Mas não saímos vencedores desta vez”, afirma.
À espreita – O trabalho de recuperação de ativos em default que a Jive pretende desenvolver com os fundos de pensão envolve duas frentes: a primeira é mais tradicional, de substituição, por iniciativa dos próprios cotistas, dos gestores de carteiras problemáticas. Já o segundo é o de se tornar gestor de um fundo estruturado, que investe em ativos “podres” de propósito. A ideia é comprar créditos inadimplentes do mercado, geralmente de bancos, e unir esses ativos numa carteira. A aquisição é por volta de 10% a 20% do valor de face do ativo e o retorno está justamente em recuperar uma margem bem superior ao valor de aquisição.
A Jive tem tradição nesse tipo de veículo, apelidado de “fundo abutre” pelo mercado. Também neste nicho ainda não possui nenhum cliente fundo de pensão. Regimes próprios de previdência estão proibidos por lei de investir em Fidcs não padronizados, mas as fundações encontram essa opção em uma espécie de “zona cinzenta” regulatória. A resolução dos fundos de pensão (3792) não proíbe explicitamente a aplicação em veículos não padronizados. Mas, para garantir que não seriam autuadas caso passassem a investir nesse produto, algumas fundações chegaram a se consultar com a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
A Previc confirma que vem sendo procurada por algumas entidades, e que não tem apresentado objeção a esse produto. Em nota oficial, a superintendência ressalta que os Fidcs não padronizados são regulamentados pela Instrução CVM 444, de 2006, e que não são “invariavelmente” mais arriscados do que os outros tipos de Fidcs. “Nessa linha é necessário que a entidade de previdência tenha condições de avaliar e quantificar os riscos envolvidos nesses instrumentos e somente adquiri-los quando verificar a existência de uma relação compensatória entre o retorno e o risco adicional desses ativos frente a ativos de baixo risco de crédito”, afirmou.
Na mesma nota, contudo, a Previc ponderou que, “de fato, adota uma postura de prudência com relação a esses fundos de investimentos, em função das peculiaridades inerentes a eles, que resultam em dificuldade de se quantificar os riscos envolvidos”.
Conforme a Investidor Institucional apurou, a Sabesprev foi uma das fundações que procurou a Previc para consultar sobre a possibilidade de investir em fundos “abutres”. Entretanto, a resposta recebida do órgão teria reduzido o interesse pelo produto. Procurada pela reportagem, a fundação não quis se pronunciar oficialmente.
Segundo o diretor da Jive, havendo demanda das fundações, a asset “está pronta para oferecer fundos não padronizados”, captando recursos e selecionando ativos podres do mercado para compor a carteira. “Este ano já visitamos duas fundações interessadas num fundo distressed, por intermédio de uma distribuidora que percebeu essa demanda no mercado”, afirma Ferreira. Entretanto, a maior dificuldade está no trabalho de convencimento. “Não é fácil para um diretor de fundo de pensão explicar para os participantes que está comprando um ativo inadimplente de propósito, mesmo quando a rentabilidade é bem alta”, avalia. A mesma dificuldade surge quando a Jive vai atrás das fundações para comprar ativos podres de seus fundos. “Embora seja um mercado possível para nós, ainda não conseguimos deslanchar nisso. É quase impossível para um diretor de uma fundação explicar para os participantes que está vendendo um ativo muito abaixo de seu valor de face. Aí acaba sendo mais fácil gastar muito dinheiro com advogados para recuperar os créditos, mesmo quando esta não é a forma mais eficiente de reaver os investimentos”, complementa.
Atualmente, a Jive Asset possui R$ 3 bilhões (valor de face) em ativos ilíquidos, compostos em maioria por Fidcs podres. O patrimônio líquido desses fundos, contudo, soma R$ 110 milhões atualmente. Já em fundos líquidos, compostos por multimercados agressivos, que fazem praticamente “day trade”, a gestora possui R$ 50 milhões em patrimônio.
As vantagens de investir em ativos “podres” está na falta de correlação que esses papéis possuem em relação aos demais do mercado. “Quando a economia vai mal, tudo vai mal ao mesmo tempo: bolsa, imóveis, valor de empresas que nem estão listadas, commodities e outros. Ativos de crédito em default não têm relação com nada disso”, explica Ferreira. Outro ponto forte da categoria está no fato de que os Fidcs tradicionais vêm perdendo força entre os institucionais. “Com os títulos públicos gerando rentabilidade acima da meta atuarial, os Fidcs perderam atratividade visto o risco do crédito. Já os Fidcs não padronizados podem gerar rentabilidade de 30% a 35% do valor de face. Um retorno invejável”, complementa.
Instagram – Os gastos também são altos. “O trabalho de recuperação de crédito pode custar uns 10% do valor que se paga por um Fidc problemático. Há gastos com advogados, com viagens, com pesquisa de campo, negociação. Leva tempo e recursos, mas compensa”, destaca Ferreira.
Cada caso é tratado em duplas: um advogado e um gestor de ativos, que poderá trazer soluções ‘fora da caixa’ na recuperação do crédito”, diz. A criatividade é a base do projeto. Segundo explica Ferreira, a equipe corre atrás de informações extra-oficiais até em redes sociais dos devedores – a Jive conta com cerca de 60 profissionais atualmente. Por meio de fotos do instagram a gestora já conseguiu mapear a rota de viagens de férias de um devedor e consultar imóveis que ele possuía na região, mesmo que em nome de empresas laranjas.
“Caçamos patrimônio para abater da dívida. Mas é preciso ter estrutura, pois já recebemos vários ativos ilíquidos, como quadros, carros, máquinas de ginástica e até cabeças de gado. E, obviamente, não é fácil achar espaço para 400 bois antes de um leilão”, conta.