Edição 300
O novo arcabouço legal para investimentos no exterior chega no início de um ano de alta volatilidade no terreno doméstico, por conta do cenário eleitoral e fiscal do país. Ao mesmo tempo, o patamar mais baixo de juros exige alternativas que garantam retornos atraentes e também a mitigação dos riscos. As casas gestoras agora reforçam seus times e estruturas de negócios globais, que já vinham sendo incrementados nos últimos três a quatro anos, para atender à demanda crescente dos institucionais e oferecer soluções que abram gradualmente o leque de produtos.
O espaço de dois meses entre um conjunto de normas e outro atrasou um pouco o fluxo de investimentos das entidades, mas não chegou a prejudicar a inclusão do exterior em suas políticas de investimento para 2018, avalia o responsável pela área de Desenvolvimento de Negócios da gestora global Pimco, Luís Oliveira.
As 17 fundações que são clientes da Pimco no Brasil, e detêm R$ 300 milhões alocados em seu fundo global, estavam conversando sobre o assunto há algum tempo antes de aprovarem suas políticas e muitas delas já haviam incluído também limites específicos para carteiras de renda fixa com hedge cambial. Três entidades, inclusive, fizeram aportes na primeira quarta-feira após o anúncio dos ajustes legais (a gestora estabeleceu toda quarta-feira como data para entrar e sair de seu fundo internacional o Pimco Income). E há mais 15 fundações no pipeline da gestora. O feeder fund que aplica 100% de seus ativos no exterior, começou em 2016 com patrimônio de R$ 200 milhões e em janeiro de 2018 contabilizava patrimônio de R$ 9 bilhões.
Além disso, a gestora lançou em dezembro passado um novo fundo que busca retorno de CDI mais 5% a 6%, com volatilidade de 6% a 8%. O aprendizado das entidades com essa classe de ativos será rápido, acredita Oliveira, até porque muitas delas já vem fazendo essa lição de casa há alguns anos e estão bastante atualizadas em relação ao processo global. “O importante é saber que elas não precisam passar de um portfolio concentrado em renda fixa para um de renda variável local, o fundo internacional é um passo intermediário que reduz os riscos da renda variável porque tem baixa correlação com os mercados locais”,observa Oliveira.
A Bradesco Asset Management (Bram), que tem produtos internacionais modelados para o investidor brasileiro desde o final de 2011, quando lançou seu fundo de BDRs, ao longo dos últimos três anos passou a distribuir também uma série de outras estratégias, com cotas em reais, abrigadas sob o seu FIE global. O foco dessa família de produtos vai desde Europa e Ásia até Australásia ou apenas Japão, comprando todos os tipos de estratégias em atuação conjunta com parceiros internacionais. “Em dezembro passado o total sob gestão era de R$ 537 milhões nessas estratégias”, informa o responsável pela área de Renda Variável da Bram, Luís Guedes.
Os ajustes devem facilitar a distribuição porque abrem espaços para os fundos de pensão, lembra o diretor de Produtos da Bram, Ricardo Eleutério. Além disso, ele enfatiza a liberação, pela Susep, da vedação prevista na Resolução CMN nº 4.444, de 2015, que impedia os investimentos das entidades de previdência aberta no exterior por meio de fundos que cobrassem taxa de administração, performance ou desempenho. A liberação deve ajudar a facilitar o acesso a uma série de produtos atrativos, acredita Eleutério.
Os mandatos das fundações para 2018 ampliaram consideravelmente o alvo em equities globais, informa Luís Guedes. O mercado de crédito privado também interessa mas faltavam os ajustes legais para definir melhor essas estratégias e ampliar os produtos de renda fixa/crédito. Na Bram, o hedge cambial não é uma aposta para os produtos de equities. “Não gostamos de hedgear essas carteiras porque quem busca diversificar busca também fazer isso em moedas, até porque a variação cambial contribui bastante em momentos tensos”, afirma Guedes.
No Itaú, um terço das entidades clientes da área institucional do banco estão discutindo de maneira intensa essa possibilidade, independente de terem decidido ou não fazer esse tipo de alocação já em 2018. “Isso além daquelas que já investem no exterior, porque há um número crescente de fundações interessadas no assunto, seja para fundos de renda variável, renda fixa, multimercados, com ou sem hedge cambial”, informa o diretor da área de Institucionais do Itaú, Cesar Ming. A discussão envolve todos os tipos de estratégias e os produtos estão disponíveis já há alguns anos. “Esse é um segmento relevante para a própria indústria de fundos de investimento no Brasil, dado o incremento dos multimercados, e vai destravar um gargalo importante”, avalia Ming.
A Itaú Asset Management já trouxe esse movimento para dentro do banco e os fundos de fundos para investir no exterior não são mais novidade, lembra o diretor da asset, Fernando Beyruti. Com a mudança regulatória, os volumes tendem a crescer. “Temos uma forte parceria lá fora e diversos produtos na prateleira, com expertise particular nos mercados latino-americanos”. Em Nova York, onde a instituição tem sua base global, a estrutura de operações inclui um time de 14 pessoas dedicado exclusivamente a estudar os ativos que irão compor fundos locais e no exterior, com ênfase principalmente em América Latina. “Começam a ser discutidas novas alternativas, até porque o câmbio barato e os ativos lá fora já passaram por uma apreciação grande”, diz Beyruti. Para os fundos de pensão, o mercado de equities globais continua a ser uma opção importante, de mais fácil compreensão pelas instâncias de governança que irão aprovar essas decisões. “O melhor será o mais simples e mais fácil neste momento”, acrescenta Ming.
Algumas fundações seguirão apenas com equities, que é uma maneira de diversificar riscos locais de renda variável, concorda Luís Oliveira, da Pimco. Mas a renda fixa global também pode garantir retornos consistentes. Se a bolsa brasileira sofre os efeitos da alta concentração, a alocação externa permite corrigir isso com diversas opções geográficas, setoriais e por empresas. Na renda fixa global, é possível capturar o CDI menos o custo do hedge. “Os prêmios são muito baixos no Brasil para compensar os riscos de crédito, de liquidez e de taxas de juros”.
Alocação estrutural – Apesar das preocupações em relação ao valor das ações globais e de uma eventual correção de preços, que poderia ser provocada por qualquer movimento abrupto dos juros nos EUA e Europa, os gestores da Bram também consideram o olhar sobre o mercado de equities positivo neste início de ano. “Há sincronias importantes em termos de crescimento com inflação baixa e juros ainda baixos, isso aumenta a atratividade dos ativos de risco”.
Os gestores importantes lá fora estão preocupados com uma correção de preços mas o cenário ainda é positivo e há espaço para novas valorizações, pontua Fernando Beyruti. “Até porque olhamos para o médio e longo prazos e, do ponto de vista das entidades fechadas de previdência complementar, esse será um canal fundamental para diversificar, reforça Cesar Ming.
“Historicamente, o investidor brasileiro não tem ainda uma cultura estrutural para diversificar no exterior, ele está habituado a olhar apenas renda fixa ou variável aqui dentro e só lembrar dos outros mercados em momentos mais críticos”, pondera Luís Guedes. Com as mudanças no juro interno e com o avanço regulatório, ele acredita que chegou a hora de transformar esse olhar esporádico numa parcela estrutural dos institucionais:“Essa parcela teria peso maior em momentos de risco, mas continuaria a existir de modo permanente”.
Viés doméstico – “Em qualquer parte do mundo há um home bias (tendência dos investidores de concentrarem os investimentos em seu próprio país, em detrimento do exterior) a ser superado pelos investidores, mas o Brasil é um ponto fora da curva por conta de um patamar de juros que permitia aos institucionais baterem suas metas apenas com papéis do governo, sem riscos”, frisa o diretor executivo da J.P.Morgan Asset Management para América Latina, Vital Menezes. Isso agora não é mais possível e será preciso ampliar a carteira de produtos já que a oferta local é relativamente pobre. A alta correlação dos fundos de ações locais já havia despertado o apetite pelo exterior mas essa classe de ativos tende a crescer muito mais este ano, reforça Menezes: “Todos os institucionais terão exterior em sua carteira, depois de um período normal de aprendizado, então o home bias vai continuar existindo mas as entidades fechadas de previdência já estão procurando alternativas”.
O primeiro passo será basicamente de equities globais sem proteção cambial, reforça o diretor da área de Institucionais da J.P. Morgan, André Cobianchi. Em 2015 o câmbio ajudou e em 2016, ao contrário, atrapalhou os retornos, mas em 2017 quem estava hedgeado voltou a ganhar tração em renda variável, em multimercados e renda fixa.
“A quantidade de entidades fechadas que tem alguma exposição em exterior é significativa, embora os percentuais sejam pequenos em relação ao seu patrimônio, mas elas foram aprendendo aos poucos e no ano passado tiveram retornos acima das metas atuariais nesse segmento”, diz Cobianchi. Os ajustes na legislação permitirão que os fundos de pensão voltem a tomar decisões sobre essas estratégias. “O investment grade não fazia sentido para os fundos lá fora, assim como a concentração máxima de 5% por emissor”.
Em 2017, as fundações mostraram interesse por renda fixa e multimercados globais com proteção cambial, mas também houve alta expressiva na alocação nos produtos originais de renda variável sem hedge. “Esses fundos garantiram retornos importantes mas as dúvidas sobre a valuation da bolsa nos EUA em 2018 acabaram por trazer um certo questionamento, ainda que as perspectivas sigam positivas no cenário internacional”, pondera Cobianchi.
De todo modo, a exposição cambial deve tornar interessante essa opção novamente em 2018, por conta da alta volatilidade, o que garante espaço para os fundos de equities. Na J.P. Morgan, a posição em renda variável global não hedgeada feita pelos fundos de pensão brasileiros em 2017 teve alta de 50% no patrimônio sobre 2016. Ao todo, a instituição mantém US$ 1,7 trilhão sob gestão em fundos globais.
Denominador comum – Na avaliação de Daniel Celano, diretor presidente da Schroders no Brasil, as novas regras para investimentos no exterior são satisfatórias e resultaram de um debate que foi travado pelas gestoras no âmbito da Anbima e assim como no Consulado Britânico, especificamente no que se refere à Schroders. O denominador a que se chegou responde tanto à preocupação do regulador com as salvaguardas prudenciais quanto às características dos produtos oferecidos por esse mercado. “Isso tornou possível uma discussão mais enriquecedora e de alto nível com as fundações para montar carteiras que já tragam resultados e discutir soluções customizadas”, avalia Celano.
O investimento continua limitado a um máximo de 10% do patrimônio das fundações, mas esse percentual ainda está longe de ser atingido. “Considerando os ativos totais de RS 700 bilhões do sistema de previdência complementar fechada, a alocação no exterior não chega a 0,5%, então o potencial de crescimento é significativo”, lembra o gestor. Um dos dificultadores era a restrição regulatória, que agora está alinhada ao espírito da Resolução CVM nº 555 e compatível com a realidade do juro mais baixo.
Os fundos de pensão, que estavam subalocados em renda variável, destaca Celano, agora enfrentam desafios simultâneos: “Ainda há uma preocupação com a situação fiscal do Brasil e com a possibilidade de manter o juro abaixo de 10% ao ano de modo sustentável, mas o caminho é o da diversificação e as carteiras de investimento das entidades precisarão ser mais eficientes”.
O apetite das fundações está surpreendendo os gestores globais, conta Marc Forster, da Western. “Diversificação é a palavra de ordem para garantir retornos e mitigar riscos num ambiente de juro menor, e no mercado local os instrumentos ainda são limitados, o mercado de crédito é muito raso e a bolsa, embora tenha volumes altos, tem poucos setores e empresas listados”.
Os fundos multimercados locais, lembram os gestores, padecem do mal de uma altíssima correlação entre si, como ficou claro em maio de 2017 durante o episódio do escândalo da JBS.“Na época do caso JBS, quando os fundos aqui tiveram queda de 3% a 4% nominais, o Pimco Income rodou a 202% do CDI naquele mês”, ilustra Luís Oliveira.
Treinamento – Embora haja uma oferta variada de produtos disponíveis, nesse primeiro momento de expansão as fundações deverão procurar mais os fundos de ações globais, as carteiras de equity no mercado americano e fundos de infraestrutura, acredita o responsável pela distribuição de fundos da Legg Mason no Brasil, Roberto Teperman. Num segundo momento, a tendência é de que sejam incorporados small caps, crédito alternativo e fundos long/short para comprar e vender ativos de países diferentes.
“Estamos nos preparando para oferecer treinamento aos representantes das fundações e às consultorias de investimentos, para que eles possam compreender como funciona essa classe de ativos, ver como os fundos de previdência internacionais tem áreas de investimento habituadas a alocar recursos em 30 ou 50 países diferentes”, informa Teperman.
Durante esse período inicial, será crucial contar com produtos adequados às demandas dos investidores institucionais. As fundações querem aprender mas ao mesmo tempo querem começar a experimentar os produtos e essa experiência precisa ser positiva.
Os fundos de previdência do Chile são apontados como uma plataforma clássica de aprendizado na América Latina, já que eles estrearam no exterior na década de 1980, com resultados considerados importantes e hoje 40% dos ativos das fundações chilenas estão aplicados no mercado global. Vale lembrar, porém, que os fundos chilenos foram levados a buscar alternativas internacionais diante das limitações de seu mercado doméstico, bastante estreito em termos de ativos.
Já no Brasil, os mercados locais de equities e de dívida tendem a se ampliar gradualmente, observa Luís Oliveira. Ele vê uma perspectiva de desenvolvimento firme para esses mercados, mas os prêmios de risco continuarão baixos por algum tempo. “Aqui há muitos compradores e poucos emissores, então a remuneração é pequena diante dos riscos, eu costumo dizer que o investidor brasileiro, no mercado local, acaba recebendo apenas CDI mais um “prêmio de consolação”.
A trajetória aberta pela queda dos juros deverá produzir um primeiro momento de migração para a renda variável local com diversificação global e um pouco de renda fixa hedgeada. Só depois virá uma etapa de estratégias diferenciadas lá fora, avalia Celano. “A renda fixa tem a vantagem de oferecer maior transparência de preços e um mercado mais forte de crédito, mas traz também maior volatilidade cambial, então os fundos com hedge deverão ser mais atrativos ”.
Não há espaço para muito mais do que isso, acredita Celano, até pela volatilidade que o cenário eleitoral inspira e exige cautela. “Aos poucos, o leque será aberto e virão os hedge funds, os fundos imobiliários e private equity globais e a partir daí o céu é o limite”. No Chile, uma modalidade bastante usada é a dos fundos convertible, que compram renda fixa mas com opção em equities e fazem um balanço entre os dois mercados dependendo dos resultados das empresas. “Esse ainda não é um produto disponível no Brasil mas poderá ser lançado dentro de seis meses ou um ano”.
A tendência é de que o juro local (CDI) perca importância como referencial das carteiras, diz Celano. “Hoje isso já começa a ficar visível pois um retorno de 150% do CDI já não é mais tão atrativo e os gestores precisam começar a buscar resultados mais efetivos para ganhar da inflação a longo prazo”. Caso o juro doméstico consiga ficar abaixo de 10% ao ano durante três ou quatro anos, é provável que a regulação volte a ser flexibilizada para permitir que as fundações apliquem em percentuais acima dos atuais 10%. “A CVM 555 já permite que os produtos destinados a investidores de varejo apliquem 20% em multimercados lá fora, então esse limite poderá convergir no futuro para atender também as fundações”.
Na Schroders, que oferece hoje 13 estratégias diferentes em fundos globais com retorno absoluto, a baixa correlação com os fundos locais tem garantido resultados importantes e seu fundo de equities, lançado em 2013 no Brasil, acumula retorno de 114%, sendo 30% em 2017, conta Celano. “Há também baixa correlação com os fundos internacionais já disponíveis aqui e com a bolsa lá fora”.