Edição 146
A partir deste mês, os administradores de fundos de pensão têm um forte motivo para executarem uma gestão idônea e transparente: o risco de passar até oito anos atrás das grades, caso não o façam. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o Projeto de Lei 6.822/02 que responsabiliza penalmente os administradores de entidades fechadas de previdência complementar que cometerem atos fraudulentos contra suas entidades. O texto prevê de cinco a oito anos de prisão, mais multa, se houver por parte do administrador intenção de obter algum benefício, e de dois a cinco anos de prisão, mais multa, se houver apenas imprudência, negligência ou imperícia. As punições também valem para os conselheiros, atuários, auditores independentes ou qualquer outro profissional ou empresa que preste serviços à entidade, que tenham, de alguma maneira, contribuído para a fraude.
Até então, pelo artigo 63 da Lei Complementar 109, os administradores respondiam apenas civilmente por danos ou prejuízos que causassem à entidade. Em outras palavras, podiam perder seu patrimônio pessoal. Além da prisão, a Lei 109 também prevê multa, que varia de R$ 2 mil a R$ 1 milhão; suspensão do exercício de atividades em entidades de previdência complementar por até 180 dias; e, em casos mais graves, até a inabilitação de exercer algum cargo em qualquer entidade, por um prazo de dois a dez anos.
Na visão dos advogados, o Projeto de Lei 6.822 é um grande progresso, pois cria uma regra específica sobre crime em entidade de previdência privada, facilitando a comprovação da fraude. Até agora, um administrador de fundo de pensão que cometesse uma irregularidade só iria para cadeia se o crime se configurasse como estelionato (Artigo 171 do Código Penal). “É muito difícil provar que o profissional é estelionatário”, diz Eduardo Boulos, sócio do escritório Levy & Salomão. O setor bancário, por exemplo, desde 1986, tem a lei 7.492, que define os crimes contra o sistema financeiro e prevê de três a doze anos de cadeia aos administradores que fraudarem os bancos. “Realmente faltava uma regra similar à previdência privada complementar, que é tão ou mais importante que o setor bancário, dado o seu caráter social ao trabalhador brasileiro”, diz o advogado.
Para o especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Tozzini Freire Teixeira e Silva Advogados, Marcelo Gômara, a nova regra aumenta o grau de comprometimento dos administradores das fundações. Ele acredita que, para aqueles que já executam o trabalho com responsabilidade, o Projeto de Lei não muda a vida em nada. “Quem é correto não tem motivo para perder o sono”, completa Gômara.
O diretor de investimentos da Fundação Cesp, Martin Glogowsky, acredita que a 6.822 torna a legislação do setor mais completa e coíbe abusos, sem inibir a gestão por causa disso. “Os gestores são passíveis de erros. O que não pode acontecer são erros por má-fé, e são esses que a regra vem punir”, diz Glogowsky.
Faca de dois gumes – Porém, nem todos acreditam que o aumento da punição será positivo. Para alguns, com risco maiores os profissionais devem começar a pensar duas vezes antes de aceitar cargos em fundos de pensão. “A Lei é importante, mas o tiro pode sair pela culatra e começar a faltar mão-de-obra disposta a trabalhar nas fundações”, diz o diretor da Mercer Human Resource Consulting, Lauro Araújo.
Esta dificuldade de encontrar profissionais, segundo Araújo, deve acontecer principalmente nas pequenas fundações (com patrimônio até R$ 150 milhões), nas quais os administradores, geralmente, são profissionais da patrocinadora. Eles acumulam as duas funções e não ganham nada a mais por isso, ou, no máximo, um valor adicional ao salário que recebem da empresa. “É muito risco, para pouco retorno”, diz Araújo.
Mesmo sendo uma espécie de funcionário “emprestado” da patrocinadora, os administradores das pequenas fundações estão sujeitos a todas as punições (civis e, agora, penais) que existem para o segmento. Nessas pequenas fundações, geralmente a gestão dos recursos é terceirizada, o que torna os administradores da fundação muito mais fiscalizadores dessa prestação de serviços do que realmente alguém responsável pelo dia-a-dia do fundo. “Isso não elimina o risco de esse administrador ir para a cadeia. Pelo contrário, requer cuidado redobrado, uma vez que a gestão dos recursos está na mão de outras pessoas”, insiste Araújo.
Nesses casos, há também o conflito de interesses. Ao mesmo tempo em que o profissional é diretor financeiro da patrocinadora, por exemplo, é também o superintendente da fundação. Em alguns momentos torna-se muito difícil conciliar essas duas funções, principalmente numa disputa de interesses entre fundação e patrocinadora. Ele pode acontecer, principalmente, em questões envolvendo a definição de benefícios e contribuições. O diretor financeiro da patrocinadora deve defender que sejam os menores possíveis, enquanto o dirigente da fundação deve maximizar os direitos dos participantes.
Maiores salários – Diferente do que ocorre nas pequenas fundações, nas de maior porte os administradores são profissionais de mercado, com remuneração definida e que não exercem outros cargos na patrocinadora. Segundo Joaquim Pato, diretor da área de remuneração da Mercer, nessas fundações a conseqüência do Projeto de Lei 6.822 deve ser o aumento nos salários dos profissionais. “Os administradores vão reivindicar salários proporcionais aos riscos que correm”, diz Pato.
Ele afirma, no entanto, que hoje o contracheque dos diretores das grandes fundações já são compatíveis com a remuneração dos executivos com as mesmas funções em grandes companhias abertas e bancos, por exemplo. “A previdência privada vem num processo de profissionalização, e isso tem preço”, diz Pato. Ele acredita que as novas penalidades devem, inclusive, servir para acelerar esse processo.
Apesar de estarem engajados nesse processo de profissionalização, a indicação dos diretores dos fundos de pensão de estatais ainda tem um grande peso político. Para Pato, da Mercer, com essa quantidade de regras e penalidades, o caráter político deve cada vez mais ceder espaço para a capacidade dos executivos. “A patrocinadora (mesmo as estatais) está aprendendo que é mais importante ter bons administradores na fundação do que apenas pessoas de confiança. Se os gestores não forem competentes, isso vai doer no bolso da empresa”, lembra Pato.
O que o Projeto de Lei acrescenta ao Código Penal
Obter o administrador de entidade de previdência complementar, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo da entidade.
Pena – reclusão de cinco a oito anos, e multa.
Incorrem nas mesmas penas os procuradores com poderes de gestão, os membros de conselhos estatutários, o interventor, o liquidante, os administradores dos patrocinadores ou instituidores, os atuários, os auditores independentes, os avaliadores de gestão, e outros profissionais que prestem serviços técnicos à entidade diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada, que tenham concorrido para a prática do crime.
Se o crime é culposo:
Pena – reclusão de dois a cinco anos, e multa.