Edição 269
Para enfrentar a alta volatilidade dos mercados doméstico e internacional e conviver com as perspectivas de baixo crescimento do país, os fundos de pensão promoveram uma mudança no perfil de suas carteiras em 2014 e início de 2015. As duas principais alterações foram o início dos investimentos no exterior, tema que tem sido tratado em diversas matérias nas últimas edições, e a concentração das aplicações na renda fixa. A predominância na renda fixa, na verdade, não é um fato novo, ao contrário, é uma política muito conhecida das fundações, mas que voltou com mais força desde o final de 2013. E o processo não deve parar por aí, pois o cenário de alta volatilidade deve persistir por mais tempo, indo até o final deste ano e entrando no ano seguinte.
O mundo da renda fixa para os fundos de pensão e para os gestores de recursos que atuam nesse mercado, é o foco desse Especial, no qual os especialistas analisam os cenários e perspectivas para os investimentos dos institucionais. Muito mais que isso, esse especial mostra o que os dirigentes de fundações estão fazendo para adaptar suas carteiras tanto de planos de benefício definido, quanto de contribuição definida e variável, às oportunidades da renda fixa. E dentro da renda fixa, que engloba um conjunto de opções e estratégias bastante variadas, o Especial traz ainda as opções para uma gestão mais ativa, além das opções de estratégias passivas mais tradicionais.
Rodrigo Noel, especialista de carteiras da Itaú Asset, explica que depois de um período de maior crescimento da economia brasileira, entre 2002 e 2012, agora o cenário mudou completamente. Se a partir de 2011 e no ano seguinte, o Banco Central promoveu um importante ciclo de corte nos juros (Selic), agora a política monetária está em direção oposta. “Estamos de volta a um cenário de baixo crescimento econômico e de juros reais mais altos que deve persistir por um longo tempo”, prevê Noel. Diferente do período anterior, em que o Brasil se beneficiou do preço externo das commodities e do aumento dos gastos públicos para impulsionar o crescimento, agora a economia do país está mergulhado em uma situação de inflação mais alta e perspectiva negativa para o PIB. “Dificilmente vamos voltar tão cedo a um cenário de juros mais baixos como os verificados em 2011 e 2012”, prevê o especialista da Itaú Asset.
Diante desse cenário, os fundos de pensão vieram promovendo uma redução gradual da exposição à renda variável, principalmente nos planos de benefício definido (BD) desde 2013. “Vimos um aumento das estratégias voltadas para cobrir o passivo, sobretudo dos planos BD, com estudos de cash flow matching e redução da exposição a ativos de maior risco”, diz Luiz Mário de Farias, consultor chefe de investimentos da Towers Watson. O especialista faz referência ao aumento das carteiras de títulos marcadas na curva (ou a vencimento) que aproveitaram a elevação das taxas principalmente das NTN-Bs. Os planos CDs com escolha de perfis de investimentos pelos participantes também tiveram migração para carteiras mais conservadoras atreladas à renda fixa. Esse processo foi realizado por escolha do próprio participante, que vem escolhendo com maior predominância os perfis com menor exposição à bolsa.
Já nos planos CD sem escolha de perfil, a redução dos ativos de renda variável, depende mais do gestor. Nestes casos, não se verifica necessariamente uma redução da exposição de bolsa, mas em grande parte das carteiras, uma mudança do perfil da gestão. As carteiras de ações atreladas aos índices mais tradicionais como o IBr‑X 100, cedem lugar para uma gestão de valor ou de combinação de índices, como de dividendos, governança e small caps. Dos clientes da Towers Watson, que totalizam 45 fundos de pensão, a maior parte de multinacionais ou empresas privadas nacionais de grande porte, a alocação estava 86,5% concentrada em renda fixa em dezembro de 2014, e apenas 11% em renda variável. Outros 2,5% estavam alocados em investimentos no exterior e multimercados estruturados. Nos anos anteriores, a renda variável variava entre 13% e 14%.
Segundo dados da Abrapp, a carteira total de fundos de pensão saiu de 60,4% em dezembro de 2013, para 62,5% em setembro de 2014. Já a carteira de renda variável, caiu de 29% para 26,8% no mesmo período. Em dezembro de 2007, a concentração era de 57% na renda fixa, e 36,7% na renda variável. A principal diferença entre os dados da Abrapp e da Towers, é que a primeira engloba os grandes fundos de pensão de estatais, como a Previ e a Petros e, por isso, apresenta uma exposição muito maior à renda variável, por causa das carteiras de controle acionário presente das maiores entidades.
A consultora sênior de investimentos da Mercer, Cecília Cabanas confirma a tendência da redução da renda variável doméstica e migração para a renda fixa. Ela afirma que tem verificado também uma migração inicial para a renda variável internacional, mas ainda em processo inicial. “Alguns fundos de pensão estão procurando substituir a renda variável doméstica pela internacional, motivadas pela questão cambial, de desvalorização do real frente a outras moedas como dólar e euro”, diz Cecília. Em nenhum caso de seus clientes, a consultora percebeu um movimento de aumento dos estruturados nas políticas de investimentos.
Mas a preferência predominante é mesmo pela renda fixa. A Mercer verificou aumento da demanda por estudos de análise de fluxo, chamados de ALM ou LDI. “Os fundos de pensão pediram mais estudos para casamento do ativo com passivo e aproveitaram as taxas dos títulos públicos de inflação e prêmios acima de 6% ao ano”, explica a consultora da Mercer. Cecília esclarece, porém, que os estudos de análise de fluxo estiveram mais concentados, no caso de sua consultoria, aos planos BD. No caso de planos CD, a consultora explica que é necessário adotar muita cautela na tomada de decisão de marcação dos ativos na curva.
“A marcação na curva faz todo sentido para planos BD, mas para planos CD ou CV é preciso tomar muito cuidado. Precisa elaborar um estudo muito detalhado”, recomenda Cecília. Ela alerta que tem percebido alguns dirigentes de fundos de pensão que passam a marcar uma parte da carteira dos planos CD na curva sem a realização de tal estudo e isso pode gerar o problema da transferência de riqueza em caso de resgates de recursos pelos participantes.
Benchmark híbrido – Para os planos CD e CV, a consultora da Mercer tem percebido maior preferência pela adoção de um benchmark hídrido na carteira de renda fixa. Os fundos de pensão tem reduzido a exposição ao IMA-B5+ (formado por ativos de duration mais longa), por uma combinação entre o IMA-B5 e a Selic, e em alguns casos, com uma parcela da carteira em crédito privado e outra, em pré-fixado IRFM. “Ao invés de concentrarem no IMA-B, estão dando mais preferência ao IMA-B5 combinado com uma parte de pós-fixado para fugir da forte volatilidade registrada pelos ativos mais longos”, diz Cecília.
A consultora indica ainda uma tendência de surgimento de carteiras super-conservadoras em alguns planos que oferecem escolha do perfil pelo participante. São planos atrelados ao CDI, que não oferecem quase nenhum susto ao participante, e são recomendados para aqueles que estão mais próximas da aposentadoria.
Luiz Mário Farias, da Towers, também verifica tal tendência de combinação de índices na renda fixa. “Temos percebido uma tendência de construção de benchmarks customizados também na renda fixa, não concentrando apenas no IMA-B. Muitas carteiras estão destrinchando o índice, com uma mescla de pré e pós-fixados, com tendência de redução da duration”, diz Farias.
Gestores – Os gestores de recursos confirmam a tendência de maior preferência por títulos indexados à inflação por parte dos fundos de pensão e também de uma combinação de benchmarks para direcionar a carteira de renda fixa. “Nos fundos exclusivos para fundações temos percebido uma preferência pela combinação entre CDI, IRFM e IMA-B. A dosagem entre os índices depende do tipo de marcação das carteiras dos planos”, diz Eduardo Castro, superintendente executivo de investimentos da Santander Asset Management. O gestor explica que no caso da marcação a mercado, predominam os papeis mais curtos, que permitem maior ganho na pressão inflacionária, verificada nos últimos meses.
Já os papeis mais longos são evitados pelos gestores, pois a volatilidade das NTN-Bs mais longas tem sido muito alta nos últimos meses. O gestor da asset do Santander prevê que a tendência da política dos fundos de pensão deve continuar a mesma em 2015, pois a pressão inflacionária deve continuar forte. Com isso, o ciclo de aperto monetário deve continuar nas próximas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária). Ainda que o ciclo de aumento da Selic possa ser interrompida antes do final de 2015, ainda assim, a inflação acima do teto da meta deve resistir até o final do ano. Por isso, os papeis mais curtos indexados à inflação devem continuar gerando bons retornos.
Marco Brill, gestor de renda fixa da Mongeral Aegon, confirma a preferência pelas NTN-Bs mais curtas, com vencimento por exemplo, já em 2016, com retorno de 5,80% o final do ano passado acima do IPCA. Estes papeis já deram retorno de mais de 4% no primeiro trimestre de 2015, bem acima do CDI, que deu 2,5%. “Como estávamos prevendo aumento da pressão inflacionária no curto prazo, priorizamos os papeis também de menor prazo em que a inflação tem impacto positivo muito maior que as próprias taxas”, diz Brill.
O gestor da asset da Mongeral Aegon prevê que um novo ciclo de corte da Selic não deve chegar em 2015, apenas no ano que vem. “A tendência deve permanecer até final do ano, devido ao dólar mais forte e a pressão inflacionária que continuará intensa”, diz o gestor da Mongeral Aegon. Já para os planos com marcação na curva, há espaço para títulos mais longos, porém o gestor explica que mesmo para esse planos, a marcação nunca atinge 100% dos ativos. “Como não é possível marcar 100% dos ativos na curva, mesmo para os planos BD, é importante manter uma gestão mais ativa na renda fixa”, recomenda Brill. A diversificação de estratégias e opções de gestão na renda fixa é abordada em matéria nas próximas páginas.