Edição 381

O mercado de crédito privado chega ao final de 2025 na expectativa de uma reversão do ciclo de spreads ultra “amassados” que prevaleceu ao longo deste ano. Atentos ao movimento de correção que começou em outubro, com a queda da rentabilidade das cotas e a desconfiança dos investidores quanto à saúde das companhias, os gestores mantêm o caixa elevado.
Na avaliação de Daniela Gamboa, CIO de crédito privado e imobiliário da Sul América Investimentos, o ajuste dos spreads em outubro foi técnico, o que se refletiu na continuidade da captação positiva no mês. “Mas estamos acompanhando de perto para saber se o ajuste já terminou ou não. Os retornos ficaram menores em outubro e isso poderá ter efeito sobre os resgates na indústria, o que levaria a outro tipo de remarcação”, ressalta.
Para enfrentar esse momento, a casa transformou seus fundos para ter posições maiores de caixa. “Em todos os produtos trabalhamos com bandas que refletem uma visão mais pessimista ou mais otimista, e estamos no menor nível de risco que costumamos operar, com possibilidade de atingir 30% a 35% de caixa. Os fundos que têm menos caixa atualmente estão com 20%”, diz.
Ela lembra que esse aumento de caixa já vinha ocorrendo e que a casa também deixou de participar de operações porque os spreads haviam fechado e a remuneração não compensava o risco. Papéis ofertados em outubro não foram colocados e ficaram encarteirados pelos bancos coordenadores, enquanto os bons nomes foram colocados e encontraram novos patamares, algumas vezes dez ou 15 vezes acima da emissão.
A Hapvida foi uma das companhias que tiveram debêntures encarteiradas e voltou ao mercado com preços muito superiores aos da emissão anunciada no início de outubro. A pressão sobre os bons nomes, porém, já está refluindo em novembro, observa a gestora.
A SulAmérica, que tem o crédito privado como um de seus carros-chefe, está com R$ 27 bilhões em ativos de crédito sob gestão dentro de um AuM total de R$ 85 bilhões. Os investimentos em debêntures incentivadas somam R$ 1 bilhão. “Os fundos de infraestrutura são a nossa estratégia da vez, um segmento que vimos crescer muito em 2024 e também este ano, concentrado no benchmark em CDI”, afirma Gamboa.
Em 2025, o mercado de crédito privado está muito técnico e os spreads têm caminhado em função do fluxo de recursos, mas, apesar dos prêmios baixos, o ano tem sido de captação positiva. “O dinheiro continuou entrando, embora o ano não esteja tão bom quanto 2024, que foi recorde também em emissões. O desempenho do ano passado foi transformacional, com a abertura pontual dos spreads logo nos primeiros meses por causa do efeito Americanas”, diz.
O crédito tradicional em CDI (não incentivado) sofreu uma queda em 2025, mas ainda está positivo. O mercado de debêntures incentivadas seguiu forte no secundário e com muitas ofertas, um ambiente saudável. Isso só mudou em outubro, quando os spreads voltaram a abrir.
Em setembro, o IDA (índice de debêntures da Anbima) registrou alta de 1,27% e teve valorização de 1,43% em outubro, movimento que não decorreu diretamente do caso Ambipar. “Esses eventos foram apenas o gatilho para o ajuste”, afirma Gamboa. Ela lembra que chega um momento em que o ativo cai a tal percentual do valor de par que deixa de pesar no índice; no caso da Ambipar, chegou a 15%.
O principal impacto de Ambipar e Braskem foi o aumento da preocupação dos investidores com a saúde das companhias. “Os COEs emitidos viram seu valor cair abaixo do trigger e o investidor ficou receoso. CSN abriu muito, assim como Raízen, nesse caso devido a problemas operacionais, e também a Cosan”, explica.
Para os institucionais, especialmente os fundos de pensão, a demanda mais forte tem sido por fundos de crédito tradicional em CDI e pelos fundos rotulados como ESG, que atraem o apetite das fundações locais e globais. “Os RPPS têm um percentual pequeno permitido devido às restrições regulatórias, mas os fundos de pensão continuam grandes clientes”, afirma.

Correção de rumos – A captação dos fundos que investem mais de 10% das carteiras em crédito privado recuou frente a 2024 — de R$ 30 bilhões ao mês para R$ 20 bilhões — mas segue forte, especialmente nas debêntures incentivadas, avalia Ana Luísa Rodela, CIO da Bradesco Asset Management. “As incentivadas tiveram mais de R$ 80 bilhões de captação, mais da metade do total da classe no ano, que chega a R$ 150 bilhões”, diz.
As discussões sobre a MP 1.303, que tratava da tributação dos investimentos e foi retirada da pauta da Câmara, atraíram ainda mais recursos, com investidores buscando alocações isentas antes da possível mudança. “Caiu a MP, mas não vimos saída de recursos; houve apenas redução da entrada de novos aportes, mas ainda assim o fluxo seguiu positivo”, lembra.
O fechamento dos spreads atingiu tanto os investimentos tradicionais em CDI quanto as debêntures incentivadas. Com o receio da tributação afastado, o mercado passou a corrigir o fechamento exagerado, e os 20 bps de abertura já trazem a taxa de volta a um nível considerado interessante.
Nesse movimento, papéis de melhor qualidade reduziram taxas, enquanto os mais arriscados abriram bastante. O índice agregado mostra fechamento de 40 bps no ano, lembra Rodela, mas quem tinha riscos de crédito mais frágeis sofreu com a abertura.
Nos ativos incentivados, não houve eventos de crédito, porque os problemas ocorreram no universo do crédito tradicional. “Era de se esperar, já que os emissores de incentivados têm maior geração de caixa e suportam melhor a Selic elevada”, diz. Já no CDI houve emissões em condições diferenciadas desde o primeiro semestre, o que gerou maior sensibilidade aos eventos.
Na Bradesco Asset, a exposição em Braskem era pequena, R$ 20 milhões, o que permitiu evitar maiores perdas. “Mas depois do ajuste ficamos muito cautelosos diante do fechamento abrupto dos spreads no segmento de CDI.”
A queda nos spreads fez com que a indústria entregasse rentabilidade atípica no ano, o que pode provocar resgates caso o investidor espere desempenho semelhante. “Por isso ficamos mais cautelosos e com caixa preparado para uma correção que de fato aconteceu, porque hoje o spread voltou a ficar atrativo”, explica Rodela. Ela lembra que, embora o ajuste tenha sido técnico, em outubro a indústria já registrou cotas ruins por causa da abertura.
“Os fundos estão com bastante caixa, mas não sabemos se haverá resgates em novembro e qual será a dimensão dessa saída. O CDI teve alguma correção, mas não deve ocorrer grande fluxo de resgates porque é pós-fixado e tende a entregar boa rentabilidade”, pondera.
O retorno, contudo, não deve repetir o de 2024, e com ativos de risco performando melhor no final do ano, o investidor pode querer rebalancear suas carteiras ao longo de 2026. Ainda assim, uma parte da alocação deve permanecer, já que a exposição ao crédito era historicamente baixa. “Há quatro anos, essa alocação era sub-ótima”, diz.
Para os institucionais, que têm preferido as debêntures padrão em CDI, já se percebe redução, ainda marginal, da alocação em crédito nas políticas de investimento para 2026.
A Bradesco Asset tem R$ 486 bilhões em fundos de crédito, quase metade de seu AuM total de R$ 1 trilhão. A marca foi atingida com o crescimento da classe, cujo patrimônio dobrou desde 2022. “Ganhamos mais um pouco de market share este ano por aproveitar bem os movimentos e por ficarmos fora dos eventos de crédito”, afirma.
Dos R$ 217 bilhões em ativos de crédito que a asset compra, R$ 10 bilhões estão em FIDCs. “Essa indústria cresceu muito desde 2023, com R$ 700 bilhões em patrimônio líquido, e reflete a tendência global de desintermediação bancária”, explica.
“É um crescimento sem volta. Quanto mais o investidor final adquirir sofisticação, mais essa indústria crescerá. No Brasil, poucos FIDCs tiveram problemas e todos respeitaram a estrutura, preservando o investidor sênior”, diz Rodela. Ao mesmo tempo, é um produto mais complexo.

A ‘revolução’ dos recebíveis – Com R$ 13,5 bilhões sob gestão em 140 fundos, quase cem deles FIDCs, a Ouro Preto Investimentos vê o mercado em meio a uma “revolução”, afirma João Peixoto Neto, fundador e CEO. A indústria está migrando do crédito bancário para operações de securitização de recebíveis. Atualmente, o mercado de capitais representa 24% das operações totais e pode ultrapassar o crédito bancário em cinco anos, chegando a 70% em dez anos.
Ele estima que o FIDC tem potencial para ser a segunda classe mais relevante de fundos no Brasil, atrás apenas da renda fixa. Os FIDCs já superaram ações e fundos imobiliários em patrimônio e estão próximos de ultrapassar os FIPs e multimercados. A asset espera duplicar seu AuM em 2026, com o lançamento de quase um novo FIDC por dia – mais de 200 planejados.
O crédito consignado – tanto público quanto privado – deve ter crescimento importante, impulsionado pela concorrência das fintechs. “A carteira do consignado público nos bancos é da ordem de R$ 600 bilhões, a segunda maior do País”, lembra Peixoto. A asset analisa várias operações para entrar com força no segmento. No consignado privado, ainda novo no Brasil, já opera um fundo de R$ 350 milhões, que cresceu antes mesmo da nova legislação atualizada pela Lei 15.179/2025.
Em 2026, consignado público e privado, créditos comerciais e financiamento imobiliário devem ganhar peso nas carteiras. Mas o principal gatilho para os ativos de crédito, especialmente FIDCs, será a redução da Selic para níveis considerados “civilizados”. “Quando isso acontecer, o FIDC será ainda mais competitivo, porque a estrutura torna o crédito mais seguro e poderá pagar o triplo da remuneração dos títulos públicos”, afirma.
Os eventos de crédito recentes não mudam a perspectiva favorável. “O mercado tem mais de 3.700 FIDCs, então é natural que ocorram alguns problemas por ano”, diz. Casos desde 2024 mostraram que qualquer papel privado precisa ser avaliado com atenção, como ficou claro com as debêntures AAA da Americanas.
A pulverização de carteiras ajuda a enfrentar esses momentos. “Os fundos pulverizam também o número de devedores, porque sempre haverá alguns que não pagarão, mas isso é fácil de ajustar desde que não haja concentração excessiva”, observa Peixoto.