Diligência nos investimentos | Amec lança código de princípios e ...

Edição 288

 

A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) lançou em outubro de 2016 um código de princípios e deveres dos investidores institucionais, que tem como um de seus pilares um conceito ainda pouco difundido no mercado local, do ‘stewardship’, que entre os investidores significa ser diligente e responsável com o dever fiduciário de zelar pelos bens de terceiros. Para que possa cumprir com essa obrigação, um dos pontos mais importantes pregados pelo código da Amec é a atuação ativa do acionista minoritário nas empresas nas quais detém participação, exercendo seu direito de voto em todas as assembleias, e monitorando o trabalho desenvolvido pela diretoria executiva da companhia e seus conselheiros.
O código conta atualmente com doze signatários, todos gestoras de recursos – BB DTVM, Aberdeen Asset, Victoire, Votorantim Asset, Itaú, Santander Asset, Leblon Equities, Teorema, Bridge Trust, Cartica, Argucia Capital e Hermes Investment. Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Amec, ressalta que tem mantido conversas com a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) para que as fundações também façam a adesão ao código durante 2017.
“Estive na comissão que desenvolveu o código de autoregulação da Abrapp, e ficou clara a total complementaridade com o código de ‘stewardship’ da Amec”, diz Cunha. “O código de autorregulação da Abrapp foca fundamentalmente nos processos internos dos fundos de pensão, como escolha de gestor, e monitoramento de conflitos, mas toca pouco na relação entre as entidades e os ativos, que é o que o código da Amec trata”, ressalta o executivo.
As duas associações perceberam essa complementaridade e, apesar do desejo de ambas de trabalharem conjuntamente, como os códigos foram lançados concomitantemente, a decisão foi de levar separadamente os trabalhos às suas associadas, para na sequência fazer uma convergência. “Temos todo interesse em explicar o código de ‘stewardship’ não só para a Abrapp mas para as fundações de uma maneira geral”, afirma o presidente da Amec, que ressalta que algumas já têm demonstrado interesse em aderir ao código.
Cunha explica que o conceito do ‘stewardship’, que norteia o código de princípios dos institucionais da Amec, e que destaca a importância do minoritário nas companhias investidas, deve ser observado tanto pelos investidores ativos, mas também, e talvez até mais, pelos passivos, que geralmente ficam mais indexados aos benchmarks. “O fundo ativo, se não gostar da empresa, vende o papel. O fundo indexado não pode fazer isso. Então é importante destacar que, sendo um investidor indexado, a obrigação de se engajar com as empresas é ainda maior do que no caso de um fundo ativo”.

Código global – Brunella Isper, gerente de investimento da Aberdeen Asset no Brasil, nota que a gestora de origem escocesa, que tem seu próprio código interno de ‘stewardship’, foi uma das que participou da elaboração do documento da Amec. O próximo passo, diz Brunella, será trabalhar no manual de implementação do código de ‘stewardship’ da Amec no Brasil, que ainda não existe. “Também iremos participar do manual de implementação. Estamos trabalhando bem próximo a Amec na criação desse código”, fala a executiva. Brunella lembra que o código de ‘stewardship’ é algo já comum em outros mercados mais desenvolvidos, que inclusive serviram como base para o produzido pela Amec no país. “Não criamos algo do zero, foi basicamente em linha com o que já existe em outros países, até porque não queremos que uma gestora global que esteja no Brasil e que já aderiu ao código internacional tenha uma camada a mais de complexidade para aderir ao código localmente”.
A gerente da Aberdeen entende que o principal objetivo do código é fazer com que o gestor cumpra seu papel de maneira diligente junto aos seus clientes. “O código prega o engajamento responsável por parte do investidor, e em contrapartida busca melhorias nas regulações do mercado, como as regras de listagem do Novo Mercado, que exige do lado das empresas as melhores práticas também”. Ela ressalta que hoje no mercado brasileiro existem diversas barreiras para que se tenha uma segurança satisfatória nos investimentos, dado o nível de governança das empresas. “Algumas são muito boas, mas algumas deixam a desejar”. A executiva avalia, contudo, que não cabe somente às empresas cumprir com um bom padrão de governança, aderindo às melhores práticas, mas também os próprios investidores.
“Os institucionais tem um papel fundamental na busca por um ambiente favorável tanto do investidor quanto da empresa para que tenham uma boa interação e para que os interesses dos minoritários sejam atendidos”. E o código recém-lançado da Amec, diz Brunella, propõe justamente um conjunto de princípios que aponte a melhor forma de atender ao dever fiduciário como investidor de uma empresa. Como exemplo ela cita o exercício do direito de voto, encontros com a empresa, pesquisas diligentes no momento do investimento, e não simplesmente olhar para o preço da ação na hora da compra, mas fazer uma análise aprofundada do negócio para realmente entender a natureza da companhia.

Abrapp – Para Guilherme Velloso Leão, diretor executivo responsável pela CTN de investimentos da Abrapp, e diretor presidente da Casfam, o código da Amec é mais uma ação que visa dar maior transparência aos investidores e tornar o mercado mais equilibrado, tentando mitigar qualquer tipo de conduta que vá em direção contrária a um ambiente que seja o mais transparente possível. Por se tratar de um código recém-lançado, com um guia que servirá como um manual de implementação dos princípios e deveres ainda a ser divulgado, o diretor da Abrapp entende que é difícil de tentar prever no momento qual será o nível de adesão das fundações ao trabalho da Amec.
“Temos primeiro que aguardar para entender o que vem no manual de implementação, para ver se é aderente às práticas atuais dos fundos de pensão, e se é possível ser implementado sem incorrer em um aumento de custos e despesas muito relevante, tendo em vista que o segmento opera com restrições de despesas muito forte”, diz Leão, que acredita que ainda é cedo para dizer qual será o nível de adesão das fundações.
Além disso, o diretor da Abrapp destaca também um ponto há ser esclarecido, tendo em vista que as fundações não são gestoras diretas de uma carteira de ações, mas sim apenas investidores em empresas de capital aberto via fundos de investimento, portanto via uma asset. “Não é que não temos responsabilidade em relação aos investimentos, mas temos que entender como o código da Amec poderá ser aplicado por um gestor que muitas vezes não tem uma relação direta com a empresa investida, já que há um fundo intermediário nessa relação”. Como exemplo, Leão cita um dos princípios do código da Amec, que diz que é dever do institucional ser ativo e diligente no exercício do direito de voto. “Se a fundação for investidora direta tudo bem, mas e se for através de um fundo? Algumas coisas ainda não consegui enxergar como seriam aplicáveis em um grande número de fundos de pensão”, pontua o diretor da Abrapp.

Custo de oportunidade – Para Mohamed Mourabet, diretor de investimentos da Victoire, o sucesso do código de ‘stewardship’ no Brasil passa por uma mudança na postura dos acionistas que detém participação relevante dentro das companhias, mesmo que na posição de minoritários. “Alongar o horizonte de investimento é muito importante para se engajar e melhorar as práticas dentro de determinada empresa, que é algo que leva muito tempo. As entidades, e até mesmo outros gestores independentes, só vao conseguir aplicar o código quando os investidores no Brasil começarem a pensar como deveriam”. A atuação focada no curto prazo trazida pelo asset alocation das fundações brasileiros tem relação direta com o custo de oportunidade, avalia Mourabet.
Quando o custo de oportunidade cair para 4%, ao invés dos atuais 14%, o horizonte de investimento tende a se alongar, prevê o especialista. “A partir desse momento os institucionais vão entender que, para gerarem mais retorno, tem de tomar mais risco, e tem de se engajar mais na empresa investida já que o custo do investimento tem de fazer sentido”. Enquanto os juros estiverem no atual patamar ainda elevado, avalia o diretor da Victoire, o horizonte de investimento não é longo o suficiente para que as entidades se engajem de maneira construtiva na melhoria das estruturas internas das companhias investidas.

Código de ‘stewardship’ da Amec

• Implementar e divulgar programa de ‘stewardship’
• Implementar e divulgar mecanismos de administração de conflito de interesses
• Considerar aspectos ASG nos seus processos de investimento e atividades de ‘stewardship’
• Monitorar os emissores de valores mobiliários investidos
• Ser ativos e diligentes no exercício dos seus direitos de voto
• Definir critérios de engajamento coletivo
• Dar transparência às suas atividades de ‘stewardship’