Compras estão mais seletivas | Embora as taxas pagas por companhi...

A súbita disparada dos spreads pagos no mercado de crédito privado em março refletiu o aumento abrupto do risco de liquidez quando os ativos com melhor classificação – high grade – foram, justamente por sua elevada liquidez, os primeiros a serem resgatados. O movimento de venda foi tão exacerbado que esses papéis acabaram sendo os mais prejudicados pois a crise reduziu a oferta de crédito por parte dos bancos e dos investidores, pressionando as empresas que precisavam de maior liquidez em seus balanços naquele momento. Prêmios de CDI mais 1% ou 1,5% foram repentinamente elevados para CDI mais 5% ou até mesmo 6% em papéis de alta qualidade de crédito.
A simples notícia da PEC do Orçamento de Guerra, que permitiria ao Banco Central comprar diretamente títulos de crédito privado no mercado secundário, derrubou parcialmente os spreads em abril, que começaram a recuar mas ainda devem levar um bom tempo antes de voltarem aos patamares anteriores à crise.
“Há um evidente risco de inadimplência pois estamos entrando em recessão mas esse fator sozinho não justificaria os atuais níveis de prêmios, que estão exagerados se olharmos apenas para a questão da inadimplência. A estimativa é de que 80% desses spreads tenham sido originados pelo risco de liquidez e tendem a cair nos próximos meses, o que representa boas oportunidades de compra para as nossas carteiras no mercado secundário”, avalia o CFA da Western Asset, Marcelo Guterman. Algumas fundações e assets aproveitaram a oportunidade para comprar ativos triple A a preços bastante distorcidos. Hoje, aponta Guterman, as melhores chances de fazer bons negócios estão no segmento de ativos de crédito Investment Grade.
A alta dos spreads equivaleu a um momento notável no mercado de crédito, reconhece o diretor da BRAM, Marcelo Nantes, mas ele explica que mesmo assim o apetite por empresas em situação confortável de liquidez não foi tão elevado e o BC teve que anunciar a compra de dívidas privadas. “Estamos otimistas em relação a esse mercado mas também estamos reavaliando empresa por empresa, não saímos às compras por qualquer preço ou de qualquer maneira e temos sido bem criteriosos na análise de crédito por conta do cenário futuro da economia, preocupante”. Ele lembra que há alguns spreads capazes de pagar pelo risco e, nesse caso, as oportunidades são interessantes.
Desde a última semana de abril já começou a ocorrer um fechamento dos spreads porque alguns prêmios estavam esticados demais e também pela entrada de novos players em crédito, como os fundos multimercados e alguns fundos de ações que têm essa liberdade em seu regulamento. Isso começou a melhorar a liquidez no mercado secundário e os spreads recuaram para CDI mais 3%. A BRAM não compra créditos para seus fundos de ações e não pretende fazê-lo porque isso iria contra a filosofia de seus mandatos, mas já fez algumas posições de crédito corporativo em seus multimercados, o que representou uma mudança relevante.
A fuga dos investidores para ativos de menor risco entre março e abril levou a um movimento natural de busca de caixa e de liquidez pelas empresas, o que se refletiu nos preços do mercado secundário de crédito, reforça o sócio responsável pela área de Mercado de Capitais da RB Investimentos, Mauro Tukiyama. “O mercado secundário evoluiu nos últimos anos mas em momentos de crise a porta sempre acaba ficando estreita e os primeiros ativos realizados foram justamente os de maior liquidez”.
A situação trouxe também um efeito perverso diz Nantes, já que boa parte da indústria de fundos não estava preparada para compreender o que aconteceu e olhava para o crédito corporativo como se fosse uma alocação de renda fixa. A volatilidade de março, com as cotas negativas produzidas pela alta dos spreads e pela marcação a mercado das cotas, provocou perdas de 3% a 4% num único dia em alguns fundos.
“Quase todos os fundos abertos tiveram rentabilidade negativa em março. É preciso estabilizar o fluxo de resgates desses fundos e, pelas estatísticas de abril da Anbima, isso ainda não aconteceu, foram R$ 58 bilhões de resgates e R$ 121 bilhões acumulados em 2020, que vão para títulos públicos ou para grandes bancos considerados portos seguros de liquidez”, explica Mauro Tukiyama. Ele lembra que esse equilíbrio será lento, até porque a atual crise tem o fator saúde a ser contabilizado.
A BB DTVM, com posições bastante conservadoras em crédito, estava protegida em relação à qualidade dos emissores, diz seu diretor de Gestão de Ativos, Marcelo Pacheco. “Mas não dá para passar ileso por uma crise dessas e o mercado brasileiro estava mal acostumado pela falta de liquidez no mercado secundário, acreditava que não haveria volatilidade”. Ela existe, ainda que no momento seja atípica. A aparente falta de volatilidade durante muito tempo acostumou mal o investidor em crédito privado e à medida em que aumentam as vendas, como ocorreu agora, a volatilidade que surge é maior do que a normal. “Tínhamos margem para manobrar a liquidez sem ter que ir a mercado vender a qualquer preço e até pudemos ir para a outra ponta. Agora, com a liquidez mais confortável, podemos ir ao mercado aproveitar oportunidades que eventualmente existam”,diz Pacheco.

Quando a crise bateu mais forte, os fundos de crédito de condomínio aberto indexados ao CDI exigiram uma reavaliação de risco/retorno, então saímos de todos porque havia outras alternativas na renda fixa, na ponta longa dos juros, e compramos papéis indexados em IMA-B5 e IMA B geral, foi um movimento acertado porque o prêmio de risco era bom”, explica o gerente de Renda Fixa, Imóveis e Empréstimos da Forluz, Tiago Franco Martins. Boa parte dos recursos tirados do crédito privado foi para compor reservas de caixa e para títulos com risco soberano, decisão que levou em conta a incerteza de curto prazo. Os resgates aconteceram nos fundos abertos e com liquidez, mas nos créditos indexados ao IPCA mais juros, em fundos exclusivos, a entidade passou a a fazer um monitoramento mais minucioso e avaliou um por um dos emissores que estavam na carteira, conta Martins.
A intenção é acompanhar de perto a situação de caixa das empresas e saber como estão lidando com as perspectivas para os próximos meses, o que inclui conversas com equipes de Relacionamento com Investidores de todas as empresas. “Não identificamos nada que indicasse risco muito alto a ponto de termos que pensar em desmonte das carteiras, até porque a Forluz sempre foi muito conservadora em suas carteiras de ativos finais, só aplicando na categoria high grade”. Um dos planos de benefícios da entidade tem 8% dos ativos alocados em crédito e outro deles tem 10%, em carteira própria e fundos exclusivos.

Na Funcesp, o mercado de crédito privado segue sob observação por conta da abertura das taxas e foram definidos critérios específicos para aproveitar oportunidades de compra, conta o diretor de Investimentos e Patrimônio, Jorge Simino. “Fizemos apenas duas operações porque fomos muito rigorosos nas exigências, só compramos ativos triple A – em situações normais compramos papéis duplo A – e as taxas teriam que ser no mínimo de 5,25% qe é a nossa meta atuarial”. Além disso, a Funcesp exige um prazo mínimo de dez anos e passa os papéis pelo crivo de um modelo proprietário de risco de crédito. Desse processo seletivo surgiram dez nomes que ficaram sob atenção até que surgisse alguma chance de compra em condições interessantes. “Há muita incerteza porque uma empresa que parece redonda hoje pode não estar bem daqui a seis meses, então só fizemos duas operações bottom up, pequenas, de R$ 20 milhões, apenas para aproveitar as oportunidades e porque cumpriram as exigências de robustez financeira e liderança de mercado”, diz Simino.
O modelo de risco de crédito usado pela Funcesp é bastante sofisticado, explica Simino, e leva em conta três janelas de tempo, de um, três e cinco anos, olhando para trás e fazendo uma projeção adiante. Daqui para a frente, já não será tão simples para a entidade encontrar oportunidades dentro de seus critérios de seleção, uma vez que o anúncio da operação do BC no mercado já derrubou as taxas e, embora elas não tenham voltado ao que eram antes da crise, já estão abaixo do mínimo de 5,25% fixado pela Funcesp. “Agora as taxas estão no máximo em IPCA mais 4% ou 4,5% e, nesta conjuntura, é preciso ter muito estômago para aceitar esse spread”.
O problema dos ativos atrelados ao IPCA, diz o sócio da RB, Mauro Tukiyama, está no risco de deflação no curto prazo, que vai afetar o carrego desses papéis, uma variável que traz mais complexidade ao cenário.
Para a Valia, que também adota uma estratégia bastante conservadora na seleção de crédito privado, o corte é para ativos com Investment Grade em carteira própria. “Estamos aguardando para ver como o mercado se ajusta para saber se pode vir a fazer sentido esse tipo de alocação mais adiante. Aproveitamos um pouco a abertura dos prêmios agora mas em posições muito pequenas porque preferimos só acompanhar o mercado por enquanto”, diz o diretor de Investimentos da entidade, Maurício Wanderley.

Focado exclusivamente em crédito privado high grade, principalmente em ativos duplo A e triple A, a BNP Paribas Asset Management avalia que todo o mercado sofrerá perda de receitas e impacto do fluxo de caixa. “As grandes empresas vão ter problemas momentâneos de caixa mas não vemos problemas de solvência ainda que este evento da pandemia demore um pouco mais”, diz o head de Renda Fixa e Multimercados da asset, Gilberto Kfouri. Quando o nível desce um pouco, para os papéis high yeld, aí algumas empresas poderão ter dificuldades de caixa e de pagamentos.
Depois do movimento de alta dos prêmios entre o final de fevereiro e início de março, o mercado está em processo de retomada que oferece oportunidades para os investidores institucionais, reforça Kfouri. “Hoje os papéis high grade já devolveram parte do aumento e estão com prêmios abaixo de CDI mais 3% mas ainda há oportunidades para os fundos de pensão no segmento, seletivamente e com boa análise de crédito”, afirma o gestor.
Daqui em diante, ele acredita que a tendência será de novas emissões em prazos mais curtos e taxas maiores do que havia no pré-crise, ao menos até que a visibilidade dos cenários melhore. “As emissões que tinham prazos de dez anos, ou até mais do que isso no caso de infraestrutura, serão encurtadas para prazos máximos de três anos. Só empresas de muita qualidade conseguirão emitir acima de três anos”, diz Kfouri.

A entrada efetiva do BC no mercado secundário poderá acelerar a volta dos prêmios para um patamar mais baixo, mas as taxas não retornarão a CDI mais 1% ou 1,5%, analisa o CEO da Schroders no Brasil, Daniel Celano. “A falta de visibilidade das empresas e a aversão ao risco devem fazer com que esses spreads fiquem na metade ou um terço da máxima que atingiram”. Para o cotista isso pode ser interessante e garantiria a chance das EFPC comprarem papéis triple A a preços ainda atraentes, desde que sejam muito seletivas.
É preciso examinar muito bem as garantias e covenants oferecidos pelas empresas porque algumas poderão ter problemas. Na Schroders, quase não há FIDCs e não há operações de FIDCs multi-cedentes ou multi-sacados porque nessas modalidades não há suficiente visibilidade das condições dos créditos, explica o gestor.
Alguns recebíveis de consumo e varejo vão sofrer mais, mas não serão todos eles. Os recebíveis não performados deverão ser os mais atingidos pela crise e bastarão 30 ou 60 dias para que sejam sentidos os inadimplementos, então por enquanto há oportunidades mas as fundações não devem considerar qualquer oportunidade porque pode haver soluços pela frente. “O crédito privado simplesmente não é a bola da vez”, avisa Celano.