Edição 235
Os estrangeiros estão de volta. Depois do susto com a crise internacional, importantes casas de gestão de recursos do exterior voltam a perscrutar o mercado brasileiro em busca de parcerias ou aquisições de independentes. O mais recente caso foi o da Claritas, uma das pioneiras da gestão independente no Brasil, cujo controle foi comprado no fim de fevereiro pela Principal, uma das maiores empresas de administração de recursos dos Estados Unidos. A Principal já circulava no mercado brasileiro desde 1999 de braços dados com a Brasilprev, empresa de previdência privada do Banco do Brasil. Agora, deverá ampliar sua presença para a gestão de fundos multimercados e de ações.
E outros estão a caminho, afirma Maria Helena Valio Icó, que dirigiu a representação do hedge fund austríaco Superfund no Brasil e hoje estrutura a RVI Investimentos, uma casa especializada em gestores internacionais. “Este começo de ano foi agitado, tive reuniões com um grande gestor americano e mais dois me procuraram para conversar sobre o mercado brasileiro”, afirma. Segundo ela, quase todos os grandes grupos estrangeiros querem saber como funciona o mercado de gestão aqui. Todos estão de olho no processo de internacionalização do mercado de investimentos brasileiro, que começa a dar seus primeiros passos.
Um novo impulso deve vir em breve da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que estuda mudar a regra dos fundos que aplicam 100% dos recursos no exterior e hoje exigem aplicação mínima de R$ 1 milhão. A proposta em análise, segundo fontes do mercado, seria fazer uma regra parecida com a dos investidores qualificados, que podem aplicar qualquer valor em carteiras mais sofisticadas desde que comprovem ter pelo menos R$ 300 mil em investimentos. Com a mudança, o investidor que comprovasse ter R$ 1 milhão em investimentos também poderia direcionar qualquer quantia aos fundos voltados para o mercado internacional, sem a exigência de um mínimo de R$ 1 milhão. Consultada, a CVM confirmou que está estudando a mudança. “Existem conversas preliminares com entidades do mercado sobre este assunto”, informou a CVM. “Isso facilitaria muito a entrada de pessoas físicas nesses fundos e permitiria uma diversificação muito maior, pois hoje quem tem R$ 1 milhão para aplicar em um fundo só aplica direto no exterior, não precisa de um fundo aqui”, afirma um gestor que pediu para não ser identificado.
O desembarque dos estrangeiros no setor de gestão de recursos brasileiro começou antes da crise, com a aquisição da ARX pela BNY Mellon em janeiro de 2008 e a compra de 40% da GAP pela Prudential em julho do mesmo ano. Em outubro de 2010, foi a vez de o JP Morgan comprar o controle da Gávea, do ex-Banco Central Armínio Fraga. E, no ano passado, a Quest fez um acordo para distribuir fundos na Europa por meio do banco Nordea. “O mercado de gestão no Brasil é gigante, o sexto do mundo, isso considerando Irlanda e Luxemburgo, que são mais centros de registro dos fundos por suas vantagens fiscais e operacionais”, diz George Wachsmann, sócio da Bawm Investimentos. “Isso explica o interesse dos estrangeiros”, acrescenta. O Brasil é também importante como opção de investimento, o que atrai as grandes casas internacionais. “O gestor internacional começa criando uma área de pesquisa aqui, para ajudar na gestão dos fundos lá fora, e em algum momento resolve ter um escritório comercial ou uma gestora, para ter receita também”, afirma Wachsmann.
A preferência é por empresas que já tenham algum tipo de distribuição, e não apenas a gestão, explica Alexandre Zakia Albert, sócio da Cultinvest Investimentos. “A distribuição de fundos no Brasil ainda é muito concentrada em grandes bancos, e ter uma estrutura para oferecer as carteiras já agrega bastante valor ao independente aos olhos do estrangeiro”, afirma Zakia.
Desenvolvimento – Para os gestores independentes a chegada dos estrangeiros representa também uma nova fase de desenvolvimento. No caso da Claritas, a empresa viu a oportunidade de agregar tecnologia de gestão, capacidade de distribuição internacional e a placa de uma das maiores empresas independentes do mundo, explica Carlos Eduardo Ambrósio, sócio e agora presidente executivo (CEO, na sigla em inglês) da nova empresa. Os sócios brasileiros da Claritas continuarão com a gestão, contando com o suporte da equipe internacional da Principal. E dividirão o conselho da empresa com os novos controladores.
A operação acontece no momento em que a Claritas completa seu 13º aniversário. A empresa foi criada em 1999 por quatro amigos, Marcelo Karvelis, Helder Soares, Ambrósio e Renato Abucham, que deixou a empresa há um ano. Eles se conheceram no Matrix, um dos principais bancos de investimento brasileiros da década de 1990. Mas a amizade de Ambrósio e Karvelis era mais antiga. Ambos trabalharam na tesouraria do Citibank 12 anos antes de fundar a Claritas. “Depois fomos fazer gestão de fundos no Matrix, em 1993”, lembra Ambrósio.
Naquele tempo, os bancos de investimento dominavam o mercado brasileiro, com as tesourarias girando furiosamente milhões e milhões diariamente em vários mercados e ganhando fortunas. Era o tempo das grandes casas como Icatu, Garantia, Pactual e Matrix que, por seu forte peso em todos os negócios, ganhou o apelido de IGPM, uma ironia com o índice de inflação que volta e meia tumultuava os mercados. “Os clientes queriam ser sócios dos bancos para ganhar também”, lembra Ambrósio. Foi então que os amigos, trabalhando na gestão de carteiras do Matrix, perceberam a oportunidade de criar fundos com esse perfil de tesouraria, que atendessem essa demanda por aplicações de maior risco e valor agregado.
Assim, em 1999, Karvelis e Abucham criaram a Claritas, que começou com um multimercado macro e a visão de tesouraria dos sócios. “Como gestora, tínhamos a vantagem de não sermos banco, e portanto não possuíamos carteira própria, o que eliminava o conflito de interesses”, recorda Ambrósio. O fato de os próprios gestores aplicarem nos fundos era outra prova da confiança no negócio.
Apesar de todas essas vantagens, o começo da gestora não foi fácil, lembra Ambrósio. “Tínhamos de ganhar a confiança dos clientes e explicar, por exemplo, que era uma aplicação segura, que o dinheiro não ficava na nossa mão, mas no fundo, e que não havia risco de crédito, apenas o das perdas de mercado”, afirma. Além disso, não havia fornecedores de serviços como de administração e cálculo das cotas, controles de risco ou de custódia. Tudo era feito internamente. “Tivemos de sentar com algumas empresas e ajudar a criar os serviços de que precisávamos”, revela. Assim, a Claritas começou em 1999 com R$ 400 mil, e em 2001 chegou a R$ 30 milhões. “Acho que seria difícil hoje criar uma empresa como a nossa, ela teria de ser mais encorpada”, admite Ambrósio.
Independente – Um forte estímulo aos independentes veio a partir de 2002, quando os grandes bancos passaram a abrir suas plataformas de private banking e gestão de fortunas para outras gestoras, criando a chamada “arquitetura aberta”. Surgiu assim um fluxo de investimentos importante para os independentes, que cresceram. O movimento atraiu outros profissionais do mercado, que se lançaram no segmento de gestão. “Entre 2003 e 2004 surgiu um grande aumento no número de gestores independentes, e o segmento foi ganhando importância”, diz Ambrósio.
A Claritas sempre foi uma casa com personalidade forte, tanto em suas estratégias de gestão quanto em sua atuação no mercado. Tanto que foi uma das líderes do movimento que articulou a criação de uma entidade de representação dos independentes. A articulação fez a poderosa Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), antes dominada pelos grandes bancos, abrir espaço para os pequenos. “Era preciso ter representação e ajudar a estruturar o setor de independentes”, afirma Ambrósio. Além disso, a casa participou da revisão da regulamentação do setor de fundos a partir da discussão com a Comissão de Valores Mobiliários da Instrução 409.
A ousadia da gestora aparece também em seu pioneirismo em traçar cenários e fazer operações no exterior para seus fundos, o que ajudou a diferenciá-la do restante do mercado. Foi assim na crise argentina, em 2002, quando os fundos da casa ganharam apostando contra papéis do país cuja economia desmoronava. O fundo Claritas Hedge acumulou naquele ano ganho de 36%, quase o dobro do CDI do período. Em 2008, investiu contra a euforia do mercado imobiliário nos Estados Unidos, prevendo o débâcle da bolha do subprime. “Desde cedo, vimos que não devíamos olhar só o mercado local, mas aproveitar as oportunidades lá fora para ganhar mais ou se proteger das crises aqui”, diz Ambrósio. A Claritas foi pioneira também em abrir um escritório em Londres, ainda em 2007, para dar suporte às operações internacionais.
As dificuldades foram também ensinando a Claritas e outros gestores independentes que era preciso diversificar os negócios. Ambrósio lembra que o segmento era muito concentrado em fundos multimercados macro até 2007. E esse tipo de aplicação sofreu muito quando, em 2006, o Banco Central puxou as taxas de juros para combater um surto inflacionário. A concorrência dos juros altos sem risco provocou uma forte saída de investidores dos multimercados de uma hora para outra. “Em 2007, decidimos diversificar nossa atuação e trouxemos mais profissionais de outras áreas para montar produtos estruturados”, recorda Ambrósio. “As dificuldades com os multimercados mostraram que precisávamos nos diversificar, e assim teríamos condições de mitigar a volatilidade das aplicações dos investidores e reter os talentos da casa”, acrescenta.
Diversificação – Com isso, a Claritas passou a ter várias estratégias, como carteiras de baixa volatilidade e de arbitragem (long/short), além de diversos tipos de fundos de ações. Além disso, criou uma área de clientes institucionais e outra de produtos estruturados, que lançou o primeiro fundo de ativos florestais no Brasil. Dessa área surgiram ainda fundos de direitos creditórios (Fidcs). Agora, está lançando seus primeiros fundos imobiliários.
Outra diversificação foi a criação da área de gestão de fortunas, ou wealth management. Para evitar conflitos com a gestora, a área monta fundos e carteiras para famílias que aplicam em ativos finais, não em fundos, explica Ambrósio. A estrutura de distribuição foi reforçada com parcerias com áreas private de bancos e com gestores de patrimônio independentes, os chamados family offices.
Ambrósio esclarece que a Claritas não sucumbiu ao primeiro assédio internacional. “Havia visitas constantes de estrangeiros antes da crise, dos mais diversos tipos de instituição, mas sempre procuramos um negócio que fizesse sentido para nossa estratégia”, afirma. O interesse diminuiu com a crise internacional, mas voltou no ano passado. “Fomos procurados no segundo semestre de 2011 pela Principal e identificamos muitos pontos em comum, o que nos levou a fechar o negócio”, diz. “Fazia todo sentido, pois a Principal é uma casa pura de gestão, muito grande, com parceiros ao redor do mundo e que passaram por crescimento forte após a associação”, enumera. Segundo Ambrósio, o interesse de estrangeiros por gestoras locais continua. “Eles voltaram com força a olhar para o Brasil após a crise”, aponta.
Institucionais –A Principal deve trazer para a Claritas diversas ferramentas de infraestrutura e suporte, retaguarda e análise de mercados, além de um grande conhecimento de gestão. E permitirá à gestora brasileira atingir o mercado de investidores internacionais, ao mesmo tempo que abrirá uma janela para brasileiros aplicarem no exterior. “Hoje, apesar das estratégias de alguns fundos, não temos nenhuma carteira que aplique apenas lá fora, mas pode ser uma coisa a pensar”, sinaliza Ambrósio. Ele acredita muito no segmento de ações e de créditos estruturados, como fundos imobilários. “Mas os fundos multimercados sempre terão espaço, apesar das volatilidades.”
A Principal tem hoje US$ 335 bilhões em ativos de 18 milhões de clientes, entre os quais estão 15 dos 25 maiores investidores institucionais americanos, informa Fernando Torres, chefe de desenvolvimento de negócios para a América Latina. “O Principal Financial Group tem um compromisso importante com o Brasil”, afirma Torres. “Nosso foco é concentrar esforços nos negócios de fundos de investimento, asset management e previdência com os parceiros que temos”, acrescenta.
Ambrósio, da Claritas, lembra que há muita procura de investidores institucionais americanos por aplicações na América Latina e que a Principal, que já estava presente no Chile e no México, passa agora a ter capacidade de gestão nos principais mercados da região. “Os três países representam mais de 90% do índice MSCI de ações da América Latina, o que torna viável criar um fundo dedicado à região, por exemplo, mas não temos nada combinado ainda”, ressalva.
A Claritas tem hoje R$ 3,2 bilhões, dos quais R$ 900 milhões de institucionais. Os fundos multimercados e de ações possuem R$ 1,8 bilhão, e o R$ 1,4 bilhão restante está distribuído igualmente entre carteiras estruturadas e o wealth management.
Ambrósio evita falar sobre o impacto da associação sobre outro negócio polêmico da Claritas, a parceria com a americana Bats Global Markets. Fechada em fevereiro do ano passado, a associação prevê a criação de uma bolsa de valores no Brasil alternativa à Bovespa, com serviços de clearing e custódia de ativos. Segundo fontes da gestora brasileira, a parceria da Bats é uma iniciativa dos sócios da Claritas, que não teria nada a ver com a venda do controle para a Principal. “São coisas separadas”, diz uma fonte da Claritas.