Anos de buscar alpha

Edição 381

Delbem,FaygaCzerniakowski(Ita) 24mar(SM2Estudio)
O olhar da asset, que faz gestão ativa de crédito, está voltado para as empresas mais resilientes, as sobreviventes, que vão navegar bem daqui para a frente, diz Fayga Czerniakowski Delbem, da Itaú Asset Management

Se 2024 foi o ano do crédito, com forte captação e uma combinação de fatores favoráveis, a começar pela Selic alta mas não tanto a ponto de comprometer o balanço das companhias, o ano de 2025 tem sido de desafios, analisa Fayga Czerniakowski Delbem, superintendente e head da mesa de crédito core da Itaú Asset Management, que tem R$ 540 bilhões sob gestão em fundos dessa classe.

Segundo ela, embora neste ano o cenário seja parecido, com o mercado líquido e R$ 75 bilhões sendo negociados ao mês no mercado secundário, a alta da Selic tem levado os investidores a se preocupar com a saúde financeira das empresas.

“Ao contrário das crises da Covid (2020) e da Americanas (2023), que foram inesperadas, desta vez as companhias conseguiram se antecipar e ter um bom caixa, enquanto os gestores que tinham estrutura se anteciparam e começaram a vender empresas mais alavancadas que sofreriam mais com a alta do juro”, acredita. Sinal de que o crédito deixou de ser um “caixa turbinado” para ser estrutural nos portfólios.

Além disso, atualmente há maior dispersão de spreads, que oscilam de 0,91% até 10%. “Há retornos de CDI mais 0,5% até CDI mais 3% ou 4%, e o gestor com DNA de gestão mais ativa aproveita para trocar o que está mais caro”, diz. A captação segue positiva este ano, mas em velocidade menor.

Para 2026, o olhar da asset, que faz gestão ativa de crédito, está voltado para as empresas mais resilientes, as sobreviventes, que vão navegar bem daqui para a frente. “Olhamos o risco e a remuneração, fazemos a análise de crédito e a gestão de portfólio juntas. O ano passado foi de beta, mas 2025 e 2026 são de alpha e tenho que escolher ativos que vão performar bem”, diz Delben.

Para os ativos isentos, que representam R$ 50 bilhões do total de crédito gerido pela asset, o mês de outubro foi bem difícil. “Houve o mesmo ciclo de valorização com fechamento de spreads, mas por motivos diferentes. Em primeiro lugar, pela mudança no lastro de CRIs e CRAs, e neste ano pela discussão da MP 1.303 que tributaria as debêntures e os fundos de infraestrutura”, diz.

Como resultado, em setembro os investidores se anteciparam, o fluxo cresceu e o spread médio caiu. Veio o movimento técnico que elevou os spreads e alguns poucos players começaram a vender, aumentando os spreads.

O movimento mais vendedor abriu cerca de 50 pontos base nos ativos longos, desvalorizando as cotas. Os fundos “swapados”, sem inflação, renderam perto de zero ou até negativo em outubro, mas no bimestre setembro/outubro, assim como no acumulado do ano, houve forte valorização.

“Temos visto a redução do ritmo de entrada de recursos”, diz Luiz Christ, da Principal Asset

Emissões mudam perfil – Depois de um 2024 recorde em volume de novas emissões de crédito, este ano começou com a perspectiva de que viria um período fraco, mas as empresas continuaram a acessar o mercado, embora em menor escala. “Este foi o ano dos nomes famosos, como Localiza e Rede D’Or, enquanto no ano passado predominavam os novos entrantes nesse mercado”, diz Luiz Christ, gestor de crédito privado da Principal Asset Management (desde fevereiro, a nova denominação da Principal Claritas).

Com ativos de empresas já bem consolidadas, risco de crédito bem mapeado e um bom balanço, o perfil das emissões apresenta prazos mais dilatados e taxas menores. “A duration nas emissões é cada vez mais dilatada, passou de cinco para sete ou oito anos, por exemplo, porque o mercado esticou as dívidas e as últimas emissões mantiveram isso, porém não mais com tanta demanda dos investidores”, afirma Christ.

Os sinais da demanda, acredita o gestor, são de que o apetite já não é mais o mesmo para esse tipo de ativos, sinalizando uma mudança em relação aos spreads amassados. “Temos visto a redução do ritmo de entrada de recursos, mas para que haja uma reversão das taxas é preciso que dois movimentos comecem: o ciclo de corte da Selic, esperado para o início de 2025, e performances mais positivas dos ativos de risco, que despertem o apetite do investidor e retirem dinheiro do crédito”, avalia.

Ele lembra que o mercado de crédito no Brasil cresceu muito e de forma estrutural nos portfólios, e isso não vai mudar. “É um mercado interessante para todas as classes de investidores e não vai voltar a ser o que era em 2018, até porque o secundário cresceu muito. Temos dado uma esfriada tanto no mercado primário quanto no secundário este ano porque está tudo muito amassado e o nosso caixa está entre 30% e 35%, bem maior do que o padrão habitual, que era de 10%”, conta. Além disso, a asset passou a operar com prazos mais curtos, enquanto aguarda o movimento de reprecificação para aproveitar novas oportunidades.

O foco em 2025 tem sido alocar principalmente em FIDCs. “Já fazemos isso há tempos, mas os spreads amassados dos outros ativos destacaram o universo dos FIDCs, onde ainda há boas oportunidades”, avisa.

Outro aspecto essencial para aceitar ou não o risco é a qualidade da carteira do FIDC, sua pulverização, histórico de performance, níveis de inadimplência da carteira e nível de subordinação das cotas.

A Principal tem R$ 2 bilhões sob gestão em estratégias de crédito high grade, incluindo Letras Financeiras, debêntures e FIDCs, além de um fundo de bonds Latam (América Latina) de R$ 650 milhões, para explorar oportunidades em mercados como o do Chile, Brasil, México e Colômbia. “Aí temos a visão do investidor global, cujo apetite pelo risco de crédito na região aumentou dada a queda do juro nos EUA”, explica.

A gestora não tinha exposição aos papéis da Ambipar mas sim uma posição em Braskem, que machucou um pouco a rentabilidade da cota, conta Christ. A maior preocupação do mercado foi com uma eventual fuga do investidor, mas ele observa que nenhum dos fundos relevantes da indústria tinha posição elevada nesses ativos.

“Entre 2024 e 2025 houve uma desalocação dos institucionais nos ativos high grade”, diz Fábio Oliveira, da XP Asset

Spreads maiores e novos eventos – A despeito de uma pequena abertura dos spreads de crédito em dezembro do ano passado, o aumento suave das taxas que se esperava para este ano não aconteceu e, muito ao contrário, ao longo do ano os prêmios passaram por uma constante compressão que teve efeito sobre o ganho de capital nas carteiras, avalia Fábio Oliveira, gestor de renda fixa e crédito privado da XP Asset Management. “Mas para o investidor de mais longo prazo, o que mais interessa é o carrego”, observa.

Agora entre outubro e novembro, o mercado promoveu um ajuste técnico de liquidez e há o risco de exagerar no quão comprimido estão os spreads, lembra Oliveira. “Alguns livros ficaram sem preencher por causa dos spreads baixos”, diz. A maior volatilidade ocorreu nos ativos de crédito isentos, que sofreram o efeito da expectativa com a votação da MP 1.303, depois frustada. “Isso, somado ao nível de compressão e ao fato de ter havido um movimento técnico, acabou levando a uma abertura desde outubro que contaminou os ativos não isentos”, explica.

A perspectiva de abertura suave dos spreads, da ordem de 30 a 40 pontos base, acabou por ser transferida de 2025 para 2026, mas continua valendo, diz Oliveira. Além disso, o próximo ano deverá trazer novos eventos de crédito. “Mas esses eventos não irão fazer sofrer a classe como um todo, apenas os emissores. A causa será o CDI de 15% mais o spread”, estima.

Este ano, os eventos de crédito fizeram gestores e investidores precificar os ativos mas sem penalizar o mercado como um todo. “Isso tem muito a ver com a maior capacidade analítica que foi desenvolvida nos últimos anos, porque a indústria do crédito privado cresceu e aumentou sua necessidade de fazer pesquisa e análise. Na gestão de carteiras você pode até usar agências de rating mas no crédito é preciso ter capacidade analítica própria”, avisa.

Até podem ocorrer eventos sistêmicos (como foi o da Americanas em 2024) mas no caso da Ambipar o efeito foi restrito e bem menos controverso em crédito. “Havia muitos gestores com exposição – nós não tínhamos – e, no episódio da Braskem, o impacto foi menor e a maior parte da emissão estava concentrada”, lembra o gestor.

Na XP Asset, com R$ 35 bilhões sob gestão apenas na parcela de crédito high grade, 15% desse passivo é de institucionais. A carteira tem poucos ativos cíclicos. “Mesmo nas carteiras mistas (que combinam créditos bancários e corporativos), há mais papéis financeiros. Entre os corporativos, os destaques são para o setor de saneamento, que tem escala e rentabilidade; elétrico e de rodovias pedagiadas, para poder pagar os credores com tranquilidade”, afirma Oliveira.

Para o investidor institucional, o perfil é de longo prazo mas o risco do crédito está pregado na taxa de um dia, que é o CDI, então ele corre o risco de liquidez, ele está preso no overnight, diz o gestor. “Entre 2024 e 2025, houve uma desalocação desse investidor nos ativos high grade e menor apetite em geral devido aos prêmios baixos demais para garantir a liquidez até o vencimento”, explica.

Alguns deles decidiram trocar o high grade pelo high yield, alocar em coisas mais arriscadas, e outros foram para opções de maior risco em NTN-B ou para a alocação internacional. “Não vi ninguém manter posição relevante em crédito high grade”, diz.

Disciplina da indústria – Já Marcelo Peixoto, gestor de crédito privado da Trígono Capital, diz que o impacto da Ambipar e da Braskem foi acentuado pelo movimento oportunístico dos players no mercado internacional de bonds, uma vez que as duas companhias têm ativos negociados lá fora. “Os investidores ficaram ressabiados porque a deterioração foi rápida e machucou muita gente, então os internacionais venderam muito em outubro, num movimento até exagerado” diz.

A queda atingiu outras empresas brasileiras que emitem bonds e, como os spreads aqui já estavam muito comprimidos, os players locais provocaram uma abertura das taxas, mas nada disruptivo. “Foi decorrência de um movimento oportunístico, técnico, que tem efeito durante um tempo limitado, impacta o mercado por algum tempo e depois acaba”, diz.

Outro fator que amplificou o impacto é que lá fora o gestor pode “shortear” os bonds, ou seja vender a descoberto para recomprar depois, uma operação que não é viável no Brasil”, explica Peixoto. Na asset, ele observa que os fundos ficaram fora desses eventos e escaparam de todos os problemas ocorridos no high grade.

Apesar da turbulência, ele vê um efeito importante para o mercado. “Ficou claro que a indústria aqui é muito disciplinada e fomos imediatamente avaliar os casos, nada parecidos com o que ocorreu em janeiro de 2024. Foi muito bom ver isso na indústria”, diz.

Para o gestor, a profundidade do mercado de crédito brasileiro afasta o risco de uma migração massiva de recursos por conta da queda da Selic e da concorrência de ativos de maior risco, como a bolsa e os fundos multimercados. “Não acredito que haja uma fuga do crédito. O juro vai seguir elevado ainda por algum tempo, mesmo com o início da redução da Selic, e os fundos de crédito vão continuar a entregar desempenho nominal atraente em CDI mais. Daqui para a frente vamos ter maior moderação no fluxo de recursos e nas emissões, que devem ter um bom patamar”, diz.