Ano promete boas oportunidades | Gestoras preveem que empresas te...

Edição 354

Os juros altos com a Selic em 13,75% ao ano e a perspectiva de um baixo crescimento da economia brasileira neste ano compõem o pano de fundo para um cenário que se desenha bastante aquecido para os gestores de fundos especializados no mercado de ativos estressados (distressed assets).
Também conhecidos como fundos de situações especiais (special situations), esses veículos são conhecidos por investir em ativos como carteiras de crédito inadimplentes, imóveis que não tiveram as parcelas do financiamento quitadas e disputas judiciais, além de atuar em processos de reestruturação de dívidas e prover liquidez para empresas em dificuldade financeira.
Os gestores esperam que os próximos meses sejam marcados pelo surgimento de diversas oportunidades de negócio, com uma série de empresas em apuros para rolar as dívidas contraídas em um momento em que a taxa de juros se encontrava perto das mínimas históricas e que agora se veem pressionadas pelo aumento das despesas financeiras na esteira da escalada da Selic.
Reflexo do ambiente econômico desafiador, dados da Serasa Experian mostram que, em janeiro, foram registrados 92 pedidos de recuperação judicial no país, um aumento de 37,3% na comparação com o mesmo período do ano passado e o maior patamar para o mês desde 2020. Já as falências totalizaram 72 pedidos em janeiro, alta de 56,5% em bases anuais e também o maior nível para o mês em três anos.
Oi, Light, Tok&Stok, Livraria Cultura, CVC, Marisa e Americanas são apenas algumas das empresas dos mais distintos segmentos econômicos que ganharam o noticiário pelos problemas que enfrentam por conta do volume de dívidas contraídas, e que representam apenas a ponta do iceberg de uma economia fragilizada que traz impactos negativos para um número muito maior de negócios.
Uma das maiores gestoras brasileiras de ativos estressados com cerca de R$ 15,5 bilhões em ativos, a Jive Investments investiu cerca de R$ 3,6 bilhões ao longo do ano passado, sendo uma das principais frentes de atuação a compra de carteiras de crédito em atraso de pessoas jurídicas negociadas por grandes instituições financeiras que preferem se desfazer das dívidas mesmo que com um grande desconto.
Se valendo de um robusto corpo jurídico e de cobrança, a gestora parte então em busca de recuperar o maior volume possível dos créditos, que geralmente mais do que compensa o valor despendido na compra da carteira.
Além de créditos em atraso, imóveis retomados pelos bancos e incorporadoras pela falta de pagamento de parcelas de financiamento, precatórios e disputas judiciais por heranças milionárias também fazem parte do escopo de atuação da Jive.
Sócio responsável pelas áreas de originação e estruturação de investimentos da gestora, Guilherme Ferreira prevê que, diante das oportunidades que devem surgir em função do cenário macroeconômico, o volume investido neste ano tende a superar o de 2022. “Estamos vendo um mercado talvez único nos últimos 15 anos em termos de oportunidades de investimento em ativos estressados”, diz Ferreira.
Ele lembra que, de meados de 2018 até o final de 2021, os brasileiros conviveram com um patamar de juros abaixo da média histórica, o que provocou um aumento do endividamento de empresas e famílias. A partir de 2022, contudo, a capacidade limitada de oferta das cadeias globais de suprimento, somada à guerra na Ucrânia e aos “lockdowns” na China, gerou uma forte pressão inflacionária que corroeu a lucratividade das empresas e a renda das famílias, e forçou os bancos centrais a promoverem uma abrupta reversão do quadro de afrouxamento monetário que vigorou nos anos anteriores, com o início da elevação das taxas de juros.
“Com o aumento da aversão ao risco e os bancos mais reticentes em conceder crédito novo, surgem muitas oportunidades para os gestores de ativos estressados, já que o nosso papel é justamente prover liquidez quando o mercado fica retraído, comprando com desconto aqueles ativos que ninguém quer comprar”, afirma o sócio da Jive.

Sócio-fundador da Strategi Capital, Cristian Lara afirma que é possível perceber a demanda aquecida no mercado de ativos estressados pelo volume elevado e crescente de consultas de empresas endividadas interessadas em equacionar o balanço. Lara diz que a atuação da gestora se dá em um modelo conhecido como “NPL single name”, em que, em vez de comprar uma carteira de crédito com uma série de devedores, faz o investimento em uma dívida específica, de um negócio que ele vê com maiores chances de conseguir avançar em uma recuperação bem sucedida. “Várias captações e rolagens de dívida foram feitas em um momento de juros baixos, e agora a conta chega.”
O setor de energia, que recentemente ganhou o noticiário por conta de dificuldades financeiras envolvendo a Light, é apontado pelo especialista entre os que vêm se debruçando com mais afinco para alocar capital do fundo de R$ 75 milhões levantado no final de 2021. Segundo Lara, cerca da metade dos recursos do fundo já foi investido, com a outra metade provavelmente sendo aportada até o final deste ano. “No segundo semestre devemos começar os movimentos para captar um novo fundo.”
Carlos Catraio, sócio diretor da Brasil Distressed, empresa especializada em investir em direitos de crédito “distressed” de pequenas e médias empresas do setor agro, diz que vê o Brasil hoje como um verdadeiro “playground” para o mercado de ativos estressados, com uma série de companhias que ele classifica como “zumbis”, que enfrentam grandes dificuldades de se manter financeiramente saudável ante a normalização das condições monetária e creditícia.
O sócio da Brasil Distressed diz que, embora o agronegócio seja um dos setores mais resilientes dentro da economia brasileira, sempre existem casos de agricultores que, por questões particulares da cultura em que atuam e relacionadas ao clima, estão enfrentando um momento mais adverso para tocar seus negócios e precisam de fontes alternativas de financiamento para se recuperar.
“As pessoas falam do agro como um todo, mas ele tem muitos subsetores. Alguns podem estar ganhando muito dinheiro com a soja, mas tem a usina que não está conseguindo vender álcool no preço que cubra seus custos, ou uma doença que afeta a produção leiteira ou de cacau”, diz Catraio.
Ele acrescenta que o setor do agronegócio se caracteriza pela capacidade de se reciclar em uma velocidade muito rápida. Se o agricultor percebe que é melhor plantar soja ou café do que criar gado, ele logo consegue mudar para o negócio mais rentável, o que faz com que a recuperação do crédito seja mais fácil, afirma o sócio da Brasil Distressed, que diz que pretende investir algo como R$ 40 milhões a R$ 50 milhões em dívidas em 2023, com tíquetes que variam entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão, de preferência em empresas que permanecem economicamente ativas.
“Não somos muito de entrar em compra de crédito para brigar na Justiça. A gente chega a ter um índice de acordos entre dois terços a 80% do que investimos”, afirma Catraio. “Só não faz acordo conosco o devedor que não tem a intenção de pagar. Somos muito flexíveis, aceitamos que nos paguem com outras moedas, equipamentos, tratores, terras, imóveis, precatórios ou até mesmo com outras dívidas.”

Co-CEO da gestora de assessoria financeira e investimentos em situações especiais Starboard Restructuring Partners, Warley Pimentel afirma que não trabalha com um cenário-base de crise sistêmica no mercado de crédito, embora reconheça que os juros altos, aliados ao fraco crescimento econômico, deve se refletir em muitas oportunidades de negócio, com uma série de empresas que possui bons fundamentos, mas que necessita de uma injeção de capital para voltar aos trilhos.
Cálculos do especialista apontam para um valor em torno de R$ 700 bilhões em dívidas que terão de passar por algum tipo de reestruturação, com cerca de 70% das empresas no mercado sem capacidade de geração de caixa suficiente para quitar os juros das dívidas.
Pimentel afirma que, no cenário de juros baixos que vigorava até alguns meses atrás, quando a pandemia se fazia mais presente, o mercado de capitais se encontrava em um momento bastante aquecido, com diversas empresas se valendo de emissões de ações na Bolsa ou de títulos de dívida para se capitalizar e expandir as operações.
Com o aumento no rendimento da Selic e a redução no interesse dos investidores em financiar novos negócios, essas mesmas empresas agora precisam encontrar novas opções, com fundos como da Starboard se apresentando como uma alternativa, diz o co-CEO da gestora.
O executivo estima desembolar um valor de até R$ 2 bilhões no biênio 2023/2024 destinados a empresas que precisam de liquidez e que não encontram os canais mais tradicionais abertos por causa da retração na concessão de crédito pelos grandes bancos. “Empresas de varejo e infraestrutura desenharam planos de negócios prevendo o pagamento das dívidas em um cenário de crescimento econômico e juros baixos, só que o que aconteceu foi o contrário, sem crescimento e com os juros lá em cima. É preciso fazer ajustes.”
Usinas termoelétricas, rodovias e o setor imobiliário e o de óleo e gás são apontados entre os negócios no radar da Starboard. As estratégias incluem ainda a atuação no ramo de catálogos musicais, em que a gestora adquire os royalties que lhe dão o direito de pagamento a cada música reproduzida em rádios e plataformas de streaming e shows realizados por artistas conhecidos do público. Sucessos de compositores como Carlinhos Brown e Vanessa da Mata e hits populares entre os jovens como o funk “Tubarão Te Amo” estão entre os investimentos realizados.

O sócio co-fundador da gestora focada em “special situations” Vinci SPS, Marcelo Mifano cita a Renova Energia, João Fortes Engenharia e Grupo Odilon Santos entre as empresas que entraram em recuperação judicial nos últimos anos e que foram alvo de investimentos realizados pelo grupo, cujos aportes contribuíram para que os negócios voltassem a ser lucrativos. “Procuramos soluções ganha-ganha. Quando vamos emprestar dinheiro para uma empresa em recuperação judicial, gostamos de formatar modelos que ajudem a recuperar a companhia e que, ao mesmo tempo, também sejam vantajosos para os investidores e os credores”, afirma.
Mifano diz que, durante a pandemia, as empresas em dificuldade e os pedidos de recuperação judicial e falência ficaram em patamares relativamente comportados, com a postura dos bancos de renegociar as dívidas frente ao cenário de isolamento social que forçou diversos negócios a fechar as portas. Mas com o pior momento em relação ao coronavírus tendo, aparentemente, ficado para trás, e com a alta da Selic e o mercado de crédito retornando ao seu funcionamento pré-pandemia, as empresas deixaram de usufruir de um ambiente propício e benevolente à tomada de crédito. Nesse novo cenário as recuperações judiciais e falências voltaram a aumentar, diz o sócio da SPS, que atuava como head da área de “corporate special situations” no BTG Pactual antes de sair para montar a gestora em 2017, que em 2022 foi adquirida pela Vinci Partners.
“Os bancos estão fechando a torneira do crédito, reduzindo a propensão a tomar risco e dar novos empréstimos ou até fazer a rolagem das dívidas, e são nesses momentos que fundos como os da SPS aparecem para ocupar o espaço”, afirma Mifano. Ele acrescenta que empresas que não necessariamente tem uma alavancagem tão grande, mas com um alto volume de vencimento de dívidas no curto prazo, são as que mais têm batido à porta da gestora em busca de recursos que lhe tragam algum alívio financeiro.