Alta virá junto com volatilidade | Gestoras se posicionam para po...

Edição 359

O curto rali do Ibovespa, principal índice da B3, no segundo trimestre deste ano colocou a classe de fundo de ações no radar dos investidores mais uma vez. Os resgates do produto, que no ano passado somaram R$ 27,1 bilhões e continuavam no primeiro semestre em uma média mensal de R$ 6,3 bilhões, chegaram a desacelerar para R$ 261 milhões em junho de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).
Na sequência, contudo, agosto trouxe um recorde de quedas consecutivas do Ibovespa, algo que não se via desde 1970, que acabou pesando na decisão dos investidores de voltarem a resgatar. Dados parciais da Anbima mostravam que os saques da classe de ações somavam R$ 1,8 bilhão no mês, até o dia 28.
Enquanto os investidores ainda parecem receosos em relação à bolsa de valores, as gestoras de renda variável vislumbram um cenário positivo para a B3 e esperam um fluxo favorável aos seus produtos. “É interessante observar que agosto é o primeiro mês positivo de captação da indústria como um todo nos últimos meses. Achamos que isso é uma tendência agora. A bolsa está começando a ter uma performance melhor, apesar de ter caído durante vários pregões consecutivos em agosto”, diz Alexandre Moreira, chefe de pesquisa de ações da Schroders no Brasil. “A queda foi pequena e o Ibovespa ainda está positivo no ano. Acreditamos que, com a Selic caindo, começa a ter um fluxo positivo para ações, que provavelmente aumentará quando os juros atingirem um patamar menor do que 12%”.
Segundo o relatório Focus, do Banco Central, o horizonte abaixo de 12% é projetado para o final deste ano. De acordo com o levantamento do BC, a Selic projetada pelo mercado para o final de 2023 é de 1,75%, e para o final de 2024 é de 9%.
O tom mais otimista também é compartilhado por Paulo Weickert, sócio-fundador da Apex Capital, que vê um timing oportuno para a bolsa. “Ainda estamos no início do ciclo de corte de juros, o que é positivo para as empresas. No primeiro momento, cai o custo da dívida ou a despesa financeira diminui. Isso é revisão de lucro para cima. O juro para baixo também diminui a taxa de desconto que se coloca nos modelos para precificar as ações, então também deveria ser mais um vetor positivo para as ações. A queda de juros, em algum momento lá na frente, também vai estimular a economia e deve ajudar na linha de receita das empresas. Achamos que o ambiente doméstico aqui continua sendo bastante favorável para o mercado de ações apesar da queda recente. É um bom ponto de entrada, um bom ponto de compra em bolsa”, afirma Weickert.
Obviamente, ninguém espera um caminho livre de volatilidade – seja por consequência de eventos locais ou internacionais. Foram as notícias externas, aliás, que pesaram na recente queda do Ibovespa. O aumento do rendimento dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de dez anos, que escalou para níveis máximos em 15 anos, derrubou o mercado de ações globalmente já que, nesse caso, os investidores geralmente recalibram suas posições para as Treasuries.
A economia norte-americana, cujo Federal Reserve segue no ciclo de aperto monetário, deverá continuar como foco principal de possíveis gatilhos negativos ou positivos no exterior, assim como a China. “Eu estou no mercado de renda variável há 26 anos. Política no Brasil, principalmente em época de eleição, Fed e China sempre foram os três temas que fizeram preço na bolsa”, observa Isabel Lemos, gestora de renda variável da Fator Administração de Recursos. “São temas recorrentes sobre os quais falamos mesmo quando está tudo tranquilo. Eles são impactantes, sempre vai ter um questionamento sobre eles. China é extremamente impactante em relação ao minério e grãos. É uma grande importadora a qual parece estar desacelerando. De fato, agora, o questionamento é que o Fed está subindo juros e vamos ver se vai parar”, diz a gestora.
Na última semana de agosto, a ferramenta FedWatch, do CME Group, apontava uma maior probabilidade de manutenção da taxa básica de juros nos Estados Unidos nas próximas reuniões do Federal Open Market Commitee (Fomc, o comitê de política monetária do país). A possibilidade de um corte era cogitada a partir de maio de 2024.

Emergentes – Em meio às dúvidas sobre a velocidade do pouso da economia americana e da desaceleração da economia chinesa, a questão é como isso pode afetar os países emergentes. Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial Investimentos, observa que, no segundo trimestre, o apetite por risco dos investidores estrangeiros aumentou com os bancos centrais globais conduzindo suas políticas monetárias de modo que a inflação parecia estar cedendo sem grande impacto nas economias e com uma temporada de balanços um pouco mais otimista (cenário “goldilocks”, isto é, nem quente, nem frio). “Quando você olha para a cesta de emergentes, você tem a China com perspectivas mais negativas, a Rússia em guerra, a Índia cara, a África do Sul sem bons fundamentos. Então a melhor posicionada era a bolsa brasileira. Diante desse fato, vimos ações globais subindo com destaque para o Brasil”, diz Villegas. O cenário mais construtivo para os emergentes, contudo, deu uma virada em agosto, com a renda fixa americana rendendo mais e a China com dados econômicos decepcionantes. “O investidor global questiona o seu posicionamento em países emergentes e o Brasil sofre nesse sentido. Não por menos, nós estamos observando uma saída de fluxo de capital estrangeiro da bolsa brasileira”, ressalta o estrategista.
A entrada com força dos estrangeiros, que respondem por mais de 50% no volume de negócios da B3, assim como dos investidores locais, depende também de fatores em âmbito doméstico. No início do ano, o mercado se assustou com o discurso mais expansionista de gastos do novo governo, empurrando o Ibovespa, que chegou a recuar abaixo da marca de 100.000 pontos, em março.
“Todo mundo achava que o Lula era uma pessoa pragmática, que entraria no governo com uma responsabilidade fiscal maior, criando espaço para, eventualmente, gastar mais na frente. O discurso não foi esse. A pauta inicial não foi essa e acho que isso trouxe um pouco de medo no mercado”, relata Augusto Lange, gestor de ações da Neo Investimentos. Depois desse “susto inicial”, a apresentação de um arcabouço fiscal, embora criticado, deu parâmetros ao mercado, indicando uma trajetória fiscal não explosiva para frente. O pessimismo diminuiu e deu espaço a um otimismo cauteloso, mas que ajudou a trazer o Ibovespa para cima – em julho, chegou a ultrapassar os 120.000 pontos.
O principal catalizador, internamente, para a retomada do mercado de ações é o movimento da queda da taxa de juros e a velocidade desses cortes – a primeira redução de 0,5 ponto percentual da Selic foi feita no início de agosto após estacionar quase um ano no patamar de 13,75%.
“Começamos o afrouxo monetário, então daqui pra frente você vai ter todas as consequências disso. Desde menos despesa financeira nas empresas, o que vai fazer com que os lucros melhorem, até, eventualmente, mais capacidade de investimento, mais consumo e mais negócios. Com uma acomodação da inflação, talvez as margens das empresas melhorem, porque, depois de um choque inflacionário tão grande, nem todas conseguiram, de uma forma dinâmica, ajustar preços e custos para manter a margem”, pontua Lange, da Neo.

Selic baixa – Moreira, da Schroders, destaca que o nível da Selic abaixo de dois dígitos, historicamente, sempre foi acompanhado de uma maior alocação para bolsa brasileira. “Hoje, a alocação para bolsa brasileira, tanto de fundos de pensão quanto de fundos multimercados e estrangeiros, está abaixo da média histórica. Acreditamos que essa queda de juros deve levar a uma saída de dinheiro da renda fixa e uma ida desse capital para bolsa”, prevê o executivo.
Esse movimento, no entanto, não deve ser imediato. A análise é que muitos investidores preferem entrar na bolsa com o Ibovespa já engrenado e com uma clareza em termos de direção – mas esses pegam, consequentemente, parte menor do upside. Há quem já queira estar com o pé na bolsa para participar de maior parte da retomada.
Por isso as gestoras estão a postos com produtos nas prateleiras e movimentam suas carteiras. Na Neo, estão na mira setores ligados à atividade local que podem se beneficiar da queda de juros nos próximos 12 meses, seja porque estão alavancados ou porque devem ter seus negócios impulsionados com a redução do custo do dinheiro – papéis de empresas de distribuição de combustível, por exemplo.
Weickert, da Apex, enxerga uma bolsa ainda barata e com boas oportunidades de compra. “Gostamos do setor financeiro, principalmente, não bancos. XP e BTG são bons investimentos nesse cenário. Gostamos também do setor de utilities que oferece, nesse momento, uma taxa interna de retorno muito elevada, muito acima da NTN-B, mesmo quando olhamos em níveis históricos. Também gostamos do setor de saúde. Essas seriam nossas principais alocações ou apostas aqui na bolsa”, diz.
Ações domésticas de construção civil, varejo e tecnologia estão no radar da Genial, mas a gestora está cautelosa. “Essas escolhas devem ser bem feitas olhando para empresas que, historicamente, acabam entregando resultados mesmo dentro de um cenário desafiador. Estaríamos dispostos a ter esse posicionamento em ações brasileiras, mas fazendo esse filtro de qualidade, olhando para o micro dessas companhias. Um ponto que eu quero ressaltar é que nós não estaríamos de peito aberto. A bolsa está barata, a queda da Selic favorece um aumento das ações, temos um posicionamento em ações, mas, ao mesmo tempo, com proteções via opções diante de possíveis eventos de cauda que possam acontecer”, salienta Villegas.
Embora otimista com a renda variável no médio e longo prazo, a Fator também adota um tom mais ponderado. “Acho que existem grandes oportunidades na bolsa, porém não gostamos de todas as empresas. Nem todas que caíram vão, necessariamente, subir. É importante lembrar que a empresa de 2020, às vezes, não é mais a empresa que está agora em 2023. Ela pode estar melhor ou pior. Apesar de terem passado pelo mesmo movimento de pandemia e juros mais altos, algumas conseguiram ficar mais fortes e podem aproveitar essa melhora. Outras ficaram mais fracas e podem acabar perdendo um pouco o mercado”, comenta Isabel.
As small caps, ações de empresas de menor capitalização na bolsa, são outro foco de atenção nas gestoras. Moreira, da Schroders, conta que o time de análise da casa foi reforçado com novas contratações a fim de encontrar papéis com potencial de crescimento. “Small caps, com certeza, podem ser uma oportunidade alfa para os fundos”, diz. Até o dia 31 de agosto, o SMLL, índice de small caps da B3, acumulava no ano uma alta de 8,11%, enquanto o Ibovespa subia 5,47%.