Edição 275
Com a economia dependente da crise política entre o governo e o Congresso e dos desdobramentos da Operação Lava Jato tornou-se lugar comum pensar que o que está ruim hoje pode ser pior amanhã. Depois do rebaixamento pela Standard & Poor’s essa é a mensagem que tem sido transmitida pelo mercado nos preços dos ativos brasileiros, que passaram por um desconto excessivo, o que levou alguns gestores a acreditar que um segundo downgrade já foi precificado.
A possibilidade de mais uma perda do grau de investimento levaria a uma saída adicional de recursos dos fundos de pensão que têm com regra investir somente em países com grau de investimento de duas agências. Isso geraria a saída de bilhões de dólares, segundo estimativas.
Alguns gestores aproveitam para comprar ações de boas companhias a preços baixos ou mantê-las em carteira, mas com a atenção voltada para o desfecho das incertezas que pairam sobre o país.
Quem faz parte desse grupo é Mark Mobius, presidente executivo de mercados emergentes da Franklin Templeton, que diz que as situações caóticas sempre apresentam oportunidades. Os investimentos do fundo de mercados emergentes da gestora têm de mais de US$ 1 bilhão no Brasil. Segundo ele, desde o dia 30 de junho, o fundo mantém na carteira as ações de Itaú Unibanco, Itaúsa, Bradesco, Ambev, Walmart México, Lojas Americanas, Bradespar, BM&FBovespa e Localiza.
O executivo avalia que ainda há boas oportunidades no Brasil, mesmo com as dificuldades do momento, porque há excelentes empresas e gestores. “A desvalorização da moeda, além da queda nos preços das ações, oferece oportunidades para investidores astutos, dispostos a ser pacientes e corajosos”, avaliou.
Para Mobius, mesmo assim existe pouca confiança sobre como o governo fará mudanças nas políticas, quer seja pela redução de despesas públicas, ou pelo aumento de impostos. “Será difícil elevar as receitas sem o aumento de impostos, o que desestimula o investimento”, disse.
Na opinião do executivo, a maneira de parar as perspectivas negativas é iniciando um amplo programa de reforma governamental para acabar com a corrupção. “Além disso, um programa de privatização de empresas públicas iniciaria um longo caminho para obter financiamentos para o governo e aumentar a produtividade da economia”, reforçou.
James Gulbrandsen, sócio gestor da NCH Capital, especializada em mercados emergentes, afirma que está aproveitando oportunidades e comprando ações do Itaú, Bradesco e BB Seguridade. “O setor financeiro sofreu demais desde o rebaixamento da nota soberana e isso é natural. Só que agora os bancos brasileiros estão sendo precificados como bolivianos. É uma oportunidade única para comprar as ações das instituições mais bem gerenciadas do país”, disse. A NCH tem R$ 13 bilhões de reais sob gestão em três fundos, dos quais R$ 150 milhões no Brasil.
O gestor diz que a queda no preço foi maior não só por causa do rebaixamento e sim pela crise política. Por isso, diz acreditar que até o fim deste ano a bolsa suba 20% em dólares.
Gulbrandsen avalia que os preços dos ativos brasileiros estão em fire sale, ou seja, com desconto sobre desconto. “O rebaixamento foi precificado a R$ 3,50 e todo o resto, como o dólar que ultrapassou R$ 4,10, é culpa do caos em Brasília. Precificamos tudo o que pode dar de errado e não há ninguém precificando o que pode dar certo. A crise política está sequestrando a economia”, afirmou.
Gulbrandsen disse, ainda, que há hedge funds que estão realizando operações short (jargão de mercado para vendas a descoberto) e fazendo sucesso com o Brasil. O principal ETF (Exchange Traded Funds) negociado em Nova York com ações brasileiras é o iShares MSCI Brazil Capped, que tem cerca de 80 milhões de ações emitidas, das quais 60 milhões em short. “Estão fazendo isso à vontade no mercado brasileiro e cada vez que a crise piora, os abutres tiram proveito”, comentou.
A precificação não está deslocada só na taxa de câmbio. Para o gestor da NCH, o CDS (Credit Default Swap, prêmio de risco) brasileiro chegou a 450 pontos, 100 a mais do que a Rússia, ou seja, além do real risco de calote da dívida brasileira. “A estatística mostra que a probabilidade de calote da dívida brasileira é menor que 1%”, afirmou.
No entanto, cita outra estatística: o país aumenta a chance de 5% a 10% de ver sua dívida interna deteriorar e precisar recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional) em um prazo de cinco a dez anos, caso opte pelo populismo nos moldes da Argentina.
Para conter esse ataque especulativo, ele diz que o Banco Central deveria adequar a taxa Selic à curva de juros futura, que estava então em 17%. “Vender a reserva de dólar não seria a melhor opção. Aumentar os juros exige coragem, tal como a Rússia fez”, disse.
Fundações estrangeiras – Após o rebaixamento pela S&P, é difícil precisar com exatidão quantos fundos de pensão do exterior já deixaram o país, já que cada um tem um regulamento próprio e um comportamento de investimento.
João Marcelo Barros Leal Carvalho, diretor de Operações e Previdência da Gama Consultores Associados, diz que muitos já podem ter deixado o país. De forma geral, a saída de dólares do país começou em maio e continuou após a decisão da S&P.
“Nos primeiros oito dias úteis de setembro, as retiradas superaram a entrada de divisas em US$ 417 milhões. Em agosto, houve entrada de US$ 4,11 bilhões”, disse.
Cesar Luiz Danieli, diretor de Previdência, Saúde e Seguros da Gama, destacou que o investidor estrangeiro estava aproveitando a queda do preço em dólares na bolsa de valores vendendo mas também comprando. Segundo o diretor, até o dia 25 de setembro, as vendas foram maiores, totalizando R$ 69,363 bilhões ante R$ 69,166 bilhões em compras.
Há projeções de mercado que apontam para a saída de US$ 8 a US$ 20 bilhões de investidores internacionais, de forma geral, caso o Brasil passe por um novo downgrade, desta vez, pela agência Moody’s. Por esta agência, o rating do país está a um passo do grau especulativo.
Um relatório da gestora britânica Ashmore estima que essa fuga adicional de capital seria de US$ 8 bilhões, provenientes de carteiras de gestão passiva em grau de investimento, que teriam de sair de forma automática do Brasil em caso de um segundo downgrade. Os analistas consideram que muitos fundos, porém, fazem a gestão ativa das carteiras e já teriam desmontado a posição. Por isso, o valor de saída estimado corresponde à metade dos US$ 16 bilhões em ativos brasileiros que estão relacionados aos índices JP Morgan EMBI Investment Grade, JP Morgan CEMBI Investment Grade, Barclays US Aggregate e Barclays Global Aggregate Indices.
Até o fechamento desta edição, as estatísticas do mês de setembro em relação à saída de dólares, posições de estrangeiros em bolsa e na dívida pública não estavam consolidadas. Mas ao comentar os resultados de agosto, o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, José Franco de Morais, disse que o rebaixamento pela S&P não afetou o interesse de estrangeiros nos títulos da dívida interna brasileira. Ele afirmou ter notado um interesse pelos papéis brasileiros por causa do dólar e dos juros altos, e uma troca de títulos longos por curtos.
Para Valentin Carril, economista chefe para a América Latina da Principal Financial Group, também é difícil estimar um valor para a fuga de capitais, mas ele acredita que seria em torno de US$ 20 bilhões. “Isso inclui fundos dedicados ao Brasil, outros fundos em atividade (América Latina e Mercados Emergentes) mais fundos passivos”, disse.
Uma pesquisa conduzida pelo Bank of America Merryl Linch (BofA) mostra que 90% dos investidores internacionais acreditam em um segundo rebaixamento da nota do Brasil – um percentual tão alto assim havia sido atingido apenas em abril, quando 70% esperavam pelo primeiro rebaixamento. A pesquisa ouviu 109 investidores que tem mais de US$ 320 bilhões em mercados emergentes entre os dias 14 e 16 de setembro.
Carril diz que é comum que rebaixamentos ocorram em série, o que torna provável que outra agência também retire o grau de investimento do Brasil. Mais um downgrade traria, assim, consequências semelhantes às já sofridas pelo primeiro, com a queda de investimentos e nos preços dos ativos. “Simplesmente o declínio no valor do real já tem este efeito sobre a maioria, se não em todos os ativos brasileiros, da perspectiva do investidor internacional. Então, agora há oportunidades, talvez mais arriscadas do que antes, mas potencialmente mais gratificantes”, afirmou.
Nesse cenário, diz, a posição dos fundos estrangeiros tem sido no Brasil de carregar menos por algum tempo, em antecipação dos problemas atuais. “Não houve grandes ajustes dado o cenário”.
Everaldo Guedes de Azevedo França, fundador da PPS Portfólio e Performance, acredita que um segundo downgrade deve mudar pouco os preços dos ativos, que estão se deteriorando independentemente.
No entanto, a saída de recursos seria relevante porque a maioria dos fundos de pensão tem na política de investimento a regra de sair de países sem grau de investimento de duas agências, o que geraria uma venda adicional.
Dólar a R$ 5,20 – “Cada fundação tem seus limites, e pode haver uma redução da exposição sem zerá-la, com vendas graduais. Estive no Canadá com fundos de pensão da América do Norte e o interesse pelo Brasil está baixo, apesar do tamanho da economia e da escala. Um deles disse que o dólar facilmente chega a R$ 5 ou R$ 5,20 e que o cupom da NTN-B pode atingir 11%. Então, observam empresas boas para comprar, mas querem esperar antes de entrar porque acham que não está barato o suficiente”, disse França.
Para Mauricio Wanderley, diretor de investimentos da Valia, nesse cenário, as fundações com títulos longos precificados a mercado acabam sofrendo uma volatilidade grande nos ativos. “Isso não deveria ser uma preocupação, já que a maioria tem intenção de levar ao vencimento e carregam os títulos na curva quando não há restrição interna. No curto prazo, a foto mostrada pelo balanço da fundação tende a ser ruim e acabar impactando em questões relacionadas à solvência”, explicou.
As fundações locais, nesse cenário, devem aproveitar oportunidades de longo prazo, segundo Wanderley. Ele considera que se o movimento de fluxo de saída for forte, há possibilidade de realocar em ativos com expectativa de retorno acima da média, seja em renda fixa ou renda variável.
Com R$ 19 bilhões de patrimônio em agosto, a fundação observou rentabilidade com o investimento em ações no exterior. Com 5% da carteira dos planos de BD (Benefício Definido) alocadas nesses ativos, obteve um retorno de 36% no ano até agosto.
Wanderley disse que espera uma normalização da crise na economia no longo prazo, e não vê o risco de ruptura da dívida pública e nem do câmbio.
João Carvalho, da Gama, destaca que a conjuntura de investimento é ruim para o fundo de pensão local no curto prazo, já que muitos estão atrelados ao CDI e sob pressão de uma inflação alta, perto de 10% em 12 meses. “A rentabilidade real é pequena e quem precisa entregar a meta de 5% ao ano pode ter déficit. O que sugerimos é fazer uma estratégia de NTN-B, mas contabilizar os valores na curva, mesmo que seja um plano CD (Contribuição Definida)”, conclui.