Edição 223
por Jarbas de Biagi, presidente do Banesprev
A primeira década do ano 2000 trouxe muitas alegrias ao sistema dos fundos de pensão. Entre elas, uma das principais foi a criação do Instituidor. Trata-se de figura nova, que através da proteção previdenciária estreita ainda mais os vínculos associativos e profissionais. Somente o sistema OABPREVs caminha rapidamente para 100 mil participantes, com estimadas 300 mil pessoas protegidas. Neste artigo, faço algumas reflexões sobre alguns temas relevantes da década, que merecem comemoração:
Contrato de longo prazo – Para os fundos de pensão, o contrato previdenciário vislumbra a concessão de benefícios. Embora haja alternativas de saída (p.ex. resgate e probabilidade), o objetivo final é a concessão de benefícios, extensível, na maioria dos casos, aos dependentes. Estamos contratando proteção previdenciária para 50/80 anos, sendo 30 a 40 anos de acumulação e 30 a 40 anos de benefícios.
Porém, apesar desse quadro de longo prazo no qual trabalhamos, o sistema ainda é novo, tendo sido instituído em 1977 através da Lei 6.435/77. Tivemos avanços posteriormente, como a Lei Complementar 109 de 2001, que criou o instituto do autopatrocínio, o benefício proporcional diferido, a portabilidade e o resgate. A figura do Instituidor, conforme já comentada acima, trouxe para o cenário da previdência complementar os sindicatos, que passam a incluir nas suas bandeiras de defesa dos interesses dos trabalhadores a questão da poupança previdenciária.
Regras tributárias – O Estado definiu, nessa década, o papel de fomentar o regime de previdência privada. Isso decorre, principalmente, de regras tributárias claras e que permitem as patrocinadoras, instituidores e participantes pouparem no presente para obter mais valia no futuro.
Exemplos bem sucedidos de outros países demonstram que o diferimento tributário é uma boa opção de fomento para a previdência privada.
No Brasil tivemos um primeiro momento em que o tratamento tributário foi o da imunidade, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal no ano 2000. O sistema transitou então por um Regime Especial de Tributação até chegar, através da Lei 11.053, ao diferimento tributário no ano de 2004. Além disso, regras anteriores e que foram mantidas asseguram incentivo nos aportes efetuados pelos participantes que têm renda tributada anualmente.
Hoje temos um regime tributário dos mais avançados do mundo. Aos participantes é oferecida a possibilidade de adoção de tabela regressiva de imposto de renda, podendo chegar a 10% da renda oriunda dos benefícios previdenciários.
Evolução do sistema – A legislação do sistema evoluiu em termos de fiscalização e de transparência, trazendo a obrigatoriedade de indicar participantes aos Conselhos das Entidades (no mínimo um terço nas patrocinadas por empresas privadas e no mínimo 50% nas patrocinadas por empresas estatais). Posteriormente, a Resolução CGPC 13, de 1º de outubro de 2004, trouxe para aos conselheiros fiscais dos fundos de pensão responsabilidades que não são observadas em nenhuma outra pessoa jurídica, nem mesmo das instituições financeiras. Esse aspecto é positivo, e tem funcionado muito bem nos fundos de pensão. Não é incomum termos estatutos que exigem que todos os membros dos colegiados sejam participantes da Entidade.
A certificação/qualificação dos dirigentes, trazidas como exigência na Resolução 3.792 do Conselho Monetário Nacional, também é outra norma elogiável.
Segurança jurídica – Os contratos previdenciários procuram ter regras claras e os planos, por sua vez, somente podem ser oferecidos a potenciais participantes após autorização prévia do órgão fiscalizador (Previc). Ou seja, existe segurança na formalização desse documento. Além disso, a relação entre fiscalização e entidades está cada vez mais profissional, imperando o respeito nessa relação. Pensamos que esse é o caminho. Um Estado fiscalizador, porém, sem deixar de ser preventivo e solidário. A própria supervisão baseada em riscos, ora em implementação, é prova da maturidade dessa relação.
Já no caso dos investimentos, ainda que tenhamos suspiros cada vez mais esporádicos, os títulos públicos não voltarão a oferecer rentabilidade com taxas atuariais de 6% a.a. + indexador. Como a quase totalidade dos planos de benefícios oferecem um indexador para correção anual dos benefícios, as fundações necessitam correr mais risco para atingir suas metas. Nesse sentido, a segurança jurídica tem início nas Resoluções do Conselho Monetário Nacional (atual 3792), prosseguindo na exigência da elaboração de Políticas de Investimentos e na observância de instrumentos como o ALM. Não há dúvida que os fundos de pensão passaram a ter maiores custos, mas isso tem com o bem maior que é a entrega do benefício ao participante ou aos seus dependentes.
As decisões judiciais, entretanto, não deixam de ser motivo de preocupação para um sistema em formação. O sistema tem enfrentado decisões do Poder Judiciário que contraria toda a doutrina e até mesmo as normas que disciplinam a relação patrocinadores/entidades/participantes.
No momento que o Poder Judiciário arbitra uma questão contrariando o entendimento da entidade, que é a administradora e executora do plano de benefícios, esse paradoxo traz insegurança para o sistema. Por exemplo, quando o Poder Judiciário determina a inclusão de verba não prevista no regulamento do plano de benefícios (p.ex. auxílio-cesta alimentação) isso traz insegurança para a entidade e também para o patrocinador.
Tais decisões nos levam a refletir sobre a organização do Estado, pois se de um lado temos um plano de benefícios autorizado pelo Poder Executivo, de outro temos outro Poder do Estado (Judiciário) concedendo liminares e até mesmo alterando essas mesmas regras. Nesse particular cabe a questão: Que País é esse?
Complementariedade – O crescimento econômico está resultando em mudanças no sistema de previdência complementar. Não há crescimento da previdência privada sem crescimento de renda. Nesse sentido, começamos a sentir os reflexos da melhoria de renda da população. Os indicadores são nesse sentido.
Perspectivas e conclusão – As perspectivas para os fundos de pensão são excelentes. Parece claro que para os futuros servidores públicos o melhor regime será o de capitalização. Melhor para o País, mas também para o servidor. Assim, o Projeto da Lei que cria o Fundo de Pensão dos Servidores Públicos tramita junto ao Congresso Nacional.
A educação previdenciária caminha a passos largos visando fomento da cultura do brasileiro, contribuindo para que a longevidade não seja um problema mas uma nova etapa da vida do participante e que deve ser vivida em toda a sua plenitude. A população com plano de previdência privada é significativa em números absolutos, porém, quando comparada com a população brasileira fica claro que ainda há muito por fazer e milhões de planos a contratar.
Os números da década, ilustrados nos quadros desta página, embora sejam positivos pois crescemos em número de planos, instituidores, patrocinadores e assistidos, não demonstram realmente o que ocorreu no período. Com relação ao número de participantes, houve um tímido crescimento. A base do sistema foi aperfeiçoada e modernizada. Agora é trabalharmos ainda mais na ampliação da cultura previdenciária, na desoneração do processo de governança e na ampliação do leque de produtos. Afinal, há uma grande janela de oportunidades que se abre com as positivas perspectivas sociais e econômicas do nosso País.
Tal como uma construção, tenho convicção que os alicerces do sistema dos fundos de pensão estão prontos. Mas, como toda estrutura, ajustes serão sempre necessários.