Edição 223
por Silvio Renato Rangel Silveira, superintendente da Fibra – Fundação Itaipu
Desde 1997, quando ingressei no sistema de previdência complementar como dirigente de fundo de pensão, tenho enfrentado muitos e diferentes desafios. Desde aqueles relacionados a questões internas e operacionais, como externas e estratégicas. Recordo que, ainda no primeiro ano de atividade, num batismo de fogo, pude contemplar o acionamento por três vezes do circuit-break recentemente introduzido na bolsa de valores. Após treze anos e várias crises, vejo o sistema como evoluído e maduro não só em seu arcabouço regulatório, mas principalmente na qualificação técnica das equipes e dos dirigentes, na governança e na transparência de gestão.
Entretanto, os inúmeros avanços do passado não são maiores do que os desafios que o futuro nos reserva. A intenção desse artigo é apenas pontuar alguns destes desafios, de forma a estimular o debate sobre as formas de sua superação. Assim, escolhi aqueles que julgo ser os mais proeminentes para 2011.
Prover segurança num mundo inseguro – Este é o desafio do dirigente de fundo de pensão. A previdência complementar está ancorada na capitalização, cuja premissa básica é a obtenção de rentabilidades reais elevadas ao longo dos anos para reduzir a necessidade de contribuição que faça jus a determinado benefício. No Brasil, durante algumas décadas, os títulos federais ancorados pelas elevadas taxas de juros e um baixo risco, foram as melhores opções de investimentos. Mas o ciclo parece que chegou ao fim.
A medida em que estas taxas se reduzem e o “porto-seguro” da renda fixa não é mais suficiente para atender as necessidades do sistema, surge o primeiro paradoxo. Para oferecer segurança aos seus participantes os fundos de pensão precisarão correr mais riscos e buscar rentabilidades em outros segmentos de mercado. Ademais, tais riscos precisam ser adequadamente avaliados e compreendidos não apenas pelos dirigentes, mas por seus colegiados e, principalmente, participantes. Esta não é, entretanto, a única alternativa. É possível não correr riscos adicionais desde que estejamos cientes de que uma rentabilidade menor precisará ser contrabalanceada pela majoração das contribuições e/ou redução de benefícios. Como podemos ver, não há escolhas fáceis pois ambas alternativas trazem perdas implícitas, ou à segurança ou ao nível de contribuição e de benefício.
Mais ou menos riscos? – Pressionados de um lado pela obrigação institucional de exposição a riscos a fim de obter maiores rentabilidades, os dirigentes dos fundos de pensão se veem, por outro lado, premidos pela necessidade de minimizar sua exposição pessoal a riscos, especialmente em face das responsabilidades civil, penal e administrativa previstas pela rigorosa legislação e sujeição ao entendimento da fiscalização nos termos previstos na LC 109/01, no Decreto 4942/2003 e na Resolução CGPC 13/2004. Neste caso parece caracterizado o chamado “conflito de agência”, onde os incentivos regulatórios desestimulam a assunção de riscos pelo dirigente enquanto as necessidades técnicas direcionam para o risco.
Mais ou menos custos? – Num contexto mais complexo para obtenção de rentabilidades é necessário que as competências técnicas sejam reforçadas; que haja melhorias no nível de informações; além de maiores investimentos em ferramentas de análise. Tudo isto implica em maiores custos operacionais. Mas a redução da rentabilidade nominal decorrente da diminuição dos juros pressiona no sentido oposto, pela diminuição dos custos operacionais. Tal situação exigirá dos dirigentes uma reflexão mais profunda sobre os modelos de gestão da carteira de investimentos adequados ao porte, à cultura, ao expertise e às necessidades de cada entidade, avaliando a utilização das alternativas de gestão de investimentos própria, terceirizada ou mista, ou até mesmo, em casos extremos, a alternativa de opção por entidades multipatrocinadas.
Precificar Ativos e Passivos – A gestão de um fundo de pensão envolve várias ciências, cada qual com suas bases teóricas: economia, atuária, contabilidade. No caso de precificação de ativos e passivos há um crescente debate sobre os métodos atualmente adotados, uma vez que os modelos de precificação dos ativos (campo dominado pelos economistas) nem sempre coincidem com os modelos de precificação dos passivos (dominado pelos atuários), o que reduz a suficiência dos resultados contábeis para avaliação do equilíbrio do Plano de Benefícios. Este debate tende a se acirrar, especialmente diante do impacto da redução das taxas de desconto atuarial sobre as reservas e os custos dos planos de benefícios, e sobre o valor das concessões de benefícios.
Fases diferentes – Não são poucos os especialistas que, ao classificar os investidores em perfis conservador, moderado e agressivo, recomendam que os mais novos adotem perfis mais agressivos e os mais próximos da aposentadoria perfis mais conservadores. Mas, sendo os fundos de pensão integrados por participantes de diferentes faixas etárias, qual a melhor política de investimentos? A administração de uma política de investimentos única para participantes de diferentes faixas etárias é um ponto a ser reavaliado pelos dirigentes dos fundos de pensão, estudando alternativas, como a segregação da política de investimentos para reservas de benefícios concedidos e a conceder (no caso dos planos BD) ou a adoção de perfis de investimentos (no caso de planos CD) ou ainda planos do tipo “life cicle”.
Risco Jurídico – As crescentes demandas de participantes em face dos fundos de pensão ampliam o risco jurídico dos planos. As advocacias trabalhista e previdenciária têm, ultimamente, dedicado mais atenção para o Regime Complementar de Previdência, produzindo teses, doutrina e jurisprudência que podem inviabilizar a sustentabilidade da previdência complementar fechada. Questões básicas, como a definição da competência trabalhista ou cível para julgamento das lides, da natureza do contrato previdenciário, da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, entre outras, precisarão ser enfrentadas.
A voz do participante – Num contexto de riscos e desafios crescentes, comunicação e relacionamento com os participantes se tornarão mais relevantes, assegurando sua inserção no debate sobre alternativas para manutenção do equilíbrio dos planos de benefícios.