Perspectivas 2010 – Luciane Ribeiro

Edição 211

Condição de competir vai além do câmbio

O mundo passou pela pior crise dos últimos 70 anos. Nos países desenvolvidos, sobretudo nos EUA, a crise gerou problemas estruturais significativos, como o fim da bolha de consumo financiado por dívida e o colapso do sistema bancário/financeiro, com quebras de vários bancos.
Passado o pior momento, temos observado sinais positivos de retomada do crescimento, mas que ocorre de modo modesto e sobre bases frágeis e fatores transitórios, como os fortes estímulos fiscal e monetário. O desemprego segue muito elevado (dois dígitos), e ajustes estruturais seguem necessários, como regulação do sistema financeiro, redução do grau de endividamento das famílias (e consequente aumento da poupança). Portanto, apesar de toda a coordenação e mobilização por trás da recuperação da economia norte-americana, há inúmeros obstáculos e desafios a serem superados nos próximos anos, antes que a economia volte a uma trajetória de crescimento sustentada e duradoura.
É fundamental traçarmos um paralelo da análise acima com a economia brasileira cuja situação atual é muito mais auspiciosa. Pode-se dizer que a crise não causou ao Brasil problemas estruturais, mas sim problemas cíclicos (e trata-se de uma enorme diferença). No final de 2008, passamos por um forte aperto de crédito, com queda significativa da confiança (dos empresários e dos consumidores) e consequente redução da produção e do investimento, que gerou importante contração da atividade econômica (o PIB registrou, em termos anualizados, quedas de 11% e 3%, respectivamente, no 4T08 e no 1T09, em comparação com os trimestres imediatamente anteriores).
Contudo, com a rápida e correta ação do Banco Central, provendo a liquidez necessária, tanto em moeda estrangeira quanto em moeda local, o sistema finaceiro brasileiro permaneceu intacto. Estímulos corretos do governo no sentido de estimular consumo, como as isenções de IPI, também tiveram papel importante. Assistimos, portanto, a uma rápida reação do mercado de trabalho, que criou importante circulo virtuoso. Com os bancos em plena forma e a preservação do emprego e da renda, houve recuperação do crédito, da confiança (empresários e consumidores) e, consequentemente, do consumo, implicando em aumento da produção e do emprego, e assim por diante. Portanto, podemos afirmar que a retomada da economia brasileira ocorre sobre bases sólidas, sobretudo pela expansão da demanda doméstica, resultando em um cenário prospectivo para 2010 muito favorável (a taxa de crescimento do PIB deverá superar 5,5%).
O Brasil sai da crise relativamente melhor, com a recuperação sustentada no mercado doméstico (renda doméstica preservada), acúmulo de reservas internacionais, sistema financeiro sadio e redução da percepção de risco.
Trata-se, portanto, de uma alteração permanente. Em um mundo no qual falta consumo, este diferencial do Brasil tem atraído forte fluxo de divisas, sob diversas formas, com destaque para o mercado acionário (incluindo os IPOs) e para os investimentos em ampliação de novas plantas e novos negócios, ou seja, os chamados investimentos estrangeiros diretos (IED).
De fato, esta melhora relativa é um fator indutor de apreciação permanente da taxa de câmbio.
Contudo, o melhor fundamento da economia brasileira explica apenas parte da forte apreciação do real. Fatores que podem ser considerados transitórios (e exógenos) também explicam o movimento cambial recente.
Trata-se do excesso de liquidez que há nas economias desenvolvidas. Em um mundo em que as taxa de juros nos países desenvolvidos estão muito próximas de zero, existe um apetite muito grande por ativos que remunerem o capital a taxas maiores. Portanto, os países emergentes, em melhor forma que os países desenvolvidos, tornaram-se destino certo destes investimentos. Isto levou a apreciação de grande parte das moedas de países emergente, não só do Real. De março de 2009 até meados de dezembro de 2009, o dólar australiano apreciou 43%, o rand sul-africano 40%, o Real 37%, o won sul-coreano 33%, o peso colombiano 31%, e o peso chileno 24%.

E o cenário para 2010? – Identificados os dois principais fatores que explicam a apreciação do Real, podemos discutir as suas principais tendências. Devemos iniciar 2010 com um cenário muito favorável para o crescimento da economia, o que, como discutido anteriormente, é uma das razões que explica a apreciação cambial. Mas o maior ritmo de crescimento econômico doméstico exigirá aumento expressivo das importações, seja de insumos, bens de capital ou bens de consumo. Também, neste ambiente, observaremos aumento significativo das remessas de lucros e dividendos, bem como uma maior demanda por serviços externos, com destaque para viagens internacionais. Enfim, a absorção doméstica crescerá mais rápido do que o PIB, o que causará ao longo de 2010 uma forte deterioração do nosso déficit em conta corrente, que poderá ultrapassar 3% do PIB no final do ano. Ademais, não há perspectiva de interrupção do aumento do déficit para 2011. Isto tende a minimizar o espaço para apreciação adicional da taxa de câmbio.
Por ora, as estratégias de saída, incluindo a elevação da taxa de juros norte-americana, continuam apenas em discussão, o que mantém a liquidez farta. Mas o mais provável é que alguma medida efetiva seja tomada no 2S10 ou no início de 2011. O mercado está (e continuará) de olho neste movimento, que poderá determinar a redução do excesso de liquidez. Na realidade, basta os investidores anteciparem alguma ação do Federal Reserve para gerar impactos significativos nos ativos de risco, sobretudo moedas dos emergentes.
Em resumo, há elementos que sugerem que o espaço para apreciação adicional é limitado em 2010. Por ora, a tendência segue de apreciação, porém a piora do déficit em conta corrente e a possibilidade de intensificação das discussões sobre as estratégias de saída deverão, no mínimo, limitar o espaço para apreciação do real. A depender da magnitude da redução da liquidez mundial, que poderá ficar para 2011, podemos até observar alguma depreciação do real.

O problema não é o regime de câmbio flutuante, mas sim a (baixa) competitividade – Em algumas situações, não existe um caminho mais curto, ou um atalho. Só resta o caminho mais longo. Dado que o regime de câmbio flutuante é, comprovadamente, o mais adequado para a economia brasileira, não nos cabe tentar alterar sua natureza, mas sim nos preparar para seus movimentos. Neste sentido, emerge a discussão sobre como aumentar a competitividade da nossa economia, sobretudo do setor exportador.
Em primeiro lugar, é fundamental a manutenção de um ambiente de estabilidade econômica. Tão importante quanto o câmbio para que as empresas brasileiras sejam competitivas no mercado internacional, é uma política econômica de manutenção da estabilidade macroeconômica, com menor volatilidade e nível das taxas reais de juros. A instabilidade macroeconômica impõe um elevado custo para as empresas brasileiras, tanto em termos financeiros, de captação de recursos e de capital de giro, como na dificuldade de planejamento e de decisões de investimentos em um horizonte mais longo. Uma das peças fundamentais dessa estabilidade é a politica fiscal e as reformas necessárias (previdenciária, tributária, etc.) para a manutenção do equilíbrio da dívida pública.
Em segundo, ao invés de políticas cambiais ativas e/ou intervencionistas, são necessárias medidas que facilitem o acesso das empresas brasileiras no mercado externo, com a finalidade de orientar as empresas brasileiras com relação às particularidades de cada mercado, principalmente sobre legislação e normas, para facilitar os contatos com representantes e distribuidores. Também são fundamentais medidas no sentido de facilitar a logística do processo exportador, de modo a reduzir custos (financeiro, tempo, logística, etc) para as empresas que querem exportar. Em terceiro, é preciso tomar medidas para reduzir o custo das exportações, como redução da carga tributária (com o objetivo de aumentar a eficiência e reduzir a complexidade do sistema, com fim dos tributos cumulativos), redução dos custos do trabalho e estímulo a importação de bens de capital, via redução das tarifas de importação. Cabe ressaltar que o barateamento de bens de capital permite a importação de tecnologia e aumenta a produtividade da economia, inclusive do setor exportador.
Por fim, é absolutamente necessário ao país avançar na sua agenda de médio prazo, que inclui reformas estruturais (tributária, previdenciária, trabalhista, etc) e investimentos em infraestrutura, pesquisa & desenvolvimento e educação, para aumentar a produtividade total dos fatores, não só do setor exportador.

Considerações finais – Não é só a taxa de câmbio que determina a competividade da economia e do setor exportador. Existem outras variáveis tão relevantes quanto a taxa de câmbio. Se fosse possível, controlar a taxa de câmbio seria o caminho mais curto (o atalho). Como não é, nos resta o caminho mais longo (factível), que é aumentar nossa competividade via manutenção da estabilidade econômica, políticas de auxílio ao setor exportador (informação, legislação, logística, etc), redução dos custos de exportação (carga tributária, custos relacionados ao trabalho, tecnologia) e promover agenda de médio prazo que busque aumentar a produtividade da economia brasileira.

Luciane Ribeiro, diretora executiva da asset do Santander