Edição 149
A captação privada no mercado interno começa a sair da marcha lenta em que caminhou durante todo o ano de 2003 e promete ultrapassar as emissões em moeda estrangeira. Grande parte das empresas que têm vencimento em dólar até o final deste ano pretende liquidar integralmente essas operações e só voltar a se financiar se for em real – à exceção das companhias com o chamado hedge (proteção) natural, como ocorre com as exportadoras.
A Telesp Celular Participações (TCP) é um exemplo dessa inversão no endividamento. A empresa pretende emitir R$ 2 bilhões em debêntures para quitar a dívida de € 416 milhões com a Portugal Telecom, que vence em novembro, e para fazer frente aos US$ 150 milhões em commercial papers que se encerram em dezembro. Segundo o diretor de relações com investidores da companhia, Ronald Aitken, o custo da captação no mercado interno está mais favorável. Tanto que a TCP engavetou uma emissão de US$ 500 milhões em Medium Term Notes.
Aitken já considera um prazo de três anos para as debêntures que serão emitidas pela empresa. No final de junho, o Conselho de Administração da TCP não falava em mais do que dois anos para o vencimento desses papéis. Segundo o vice-presidente da Associação Nacional de Bancos de Investimentos (Anbid), Luiz Fernando Resende, é justamente essa brecha aberta pelo mercado em favor do alongamento da dívida corporativa que tem incentivado muitos emissores.
Resende chama a atenção para a recente emissão de R$ 400 milhões em debêntures da Cemig de dez anos, prazo que está sendo seguido pela Suzano Bahia Sul Papel e Celulose. “Se o mercado interno está aceitando papel nesse prazo é porque há demanda”, avaliou, ressaltando que os investidores estrangeiros, ao contrário, não estão alongando prazos para o Brasil a custos tão acessíveis.
A Petrobras, por exemplo, tem recebido propostas de bancos para emitir títulos domésticos em um prazo que chega a até 15 anos. Embora a estatal não tenha planos para novas emissões no curto prazo, o seu gerente executivo de financiamento de projetos, Pedro Bonésio, confirma o movimento em prol das emissões internas. Se essa tendência se mantiver em 2005, são grandes as chances de a Petrobras refinanciar a sua última emissão de debêntures.
O que não há chance de ser postergado na estatal é o vencimento, em 17 de dezembro deste ano, de US$ 30 milhões, em bônus emitidos no mercado americano. Os papéis, que serão integralmente resgatados, foram emitidos por uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) em 1999 – que fora criada para captar recursos para investimentos no campo de Marlim.
No exterior, só ações – Outra empresa que também vai quitar dívida em dólar e buscar recursos internamente é a Braskem. Os US$ 100 milhões que vencem em 29 de outubro serão liquidados com recursos de caixa e, segundo o diretor financeiro Ney Silva, não há, por ora, nenhum projeto para nova incursão no mercado externo de dívida corporativa. Planos mesmo, diz, só para o mercado acionário global.
A Braskem irá fazer uma Oferta Pública Inicial de Ações (OPA) no mercado de balcão não organizado (nível 3) da Bolsa de Nova York – na qual já tem listagem no nível 2. A operação virá sob a forma de American Depositary Shares (ADS), assim que receber o aval da Securities and Exchange Commission (SEC). Os planos estendem-se à Bolsa de Madri e à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), onde haverá aumento do capital social da empresa. No Brasil, a empresa passará, ainda, do nível 1 para o 2 de governança corporativa.
O financiamento via mercado acionário, aliás, é uma aposta do estrategista da Global Invest Asset Management, Paulo Gomes, para quem as empresas que não se utilizarem desse mercado irão perder competitividade. Lauro Araújo Neto, da Mercer Investment Consulting, também acredita que, se a taxa de juros continuar em queda, os títulos de sociedade concentrarão as apostas. “Novas empresas deverão abrir capital para ter acesso a um dinheiro mais barato”.
A Braskem, entretanto, não se restringirá apenas ao mercado acionário. A empresa prepara mais uma emissão de debêntures simples no valor de R$ 300 milhões com prazo de dois anos e meio. Vale lembrar que a petroquímica já havia captado R$ 1,2 bilhão por meio deste papel no início deste ano. “O mercado interno está melhor para emissão de dívidas, mais barato e com maior demanda por parte dos investidores institucionais”, disse Silva, pontuando que a captação externa encarece por causa da operação de hedge.
Fuga – O custo da trava cambial foi o fator mais apontado por empresas e analistas para explicar a troca de moeda nas emissões. Analistas consideram que o aumento do PIS e da Cofins este ano, aliado à trajetória de alta dos juros americanos e do risco-País, tem encarecido a utilização desse instrumento. Outro fator crítico para a emissão externa tem sido a redução da exposição em dólar da dívida do Tesouro Nacional.
O gerente financeiro da Klabin, Décio Devicari, também avalia que, em um cenário de bons prazos no mercado interno, o melhor mesmo é correr do risco cambial. A empresa de papel e celulose pagou em agosto US$ 70 milhões em eurobônus e não planeja acessar novamente o mercado externo no curto prazo. Isso não vale para o mercado interno, que, segundo Devicari, não está descartado.
O mesmo ocorre com a CP Cimento e Participações. A empresa pagará integralmente os commercial papers de US$ 30 milhões que vencem em novembro e não pretende retornar tão cedo ao mercado externo. Já no Brasil o cenário é outro: os R$ 100 milhões em debêntures da CP Cimento que vencem em outubro devem ser rolados por mais dois anos.
Outra empresa que quitou dívida em dólar e descarta nova emissão externa é a Sky. A operadora de TV a cabo pagou US$ 200 milhões em notas seniores no início de agosto. A Comtel, SPE criada em 1996 pelo consórcio Telebrás, também terá seus US$ 310 milhões em eurobônus quitados pela Telefônica no final de setembro e deve ser extinta depois.
Ilesos – As exportadoras, como a Acesita e a Coimex, devem continuar com um pé no exterior. Ambas têm vencimentos em moeda estrangeira até o final do ano e devem quitá-los sem necessidade de novos aportes. A Acesita tem US$ 69 milhões em eurobônus em outubro e a Coimex, US$ 30 milhões em Short Term Notes em setembro.
Os recursos da Acesita virão das exportações da empresa, que atingiram US$ 360 milhões de junho de 2003 a junho deste ano – o que representa um terço do faturamento da empresa. Apesar de não encontrar dificuldades em acessar os investidores externos, por conta de instrumentos de securitização e contratos de adiantamento de câmbio, o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa, Gilberto Aul Correa, diz não ter perspectivas para nova emissão de dívida no exterior.
A Coimex, ao contrário, deve fazer nova incursão no início de outubro de mais US$ 30 milhões. A empresa visa manter um funding diversificado. “Temos três frentes de captação: linhas de exportação do mercado brasileiro, de trade finance com os bancos estrangeiros e emissão de dívida no exterior”, disse o vice-presidente financeiro da empresa, Zenilton de Mello. A Coimex é uma companhia que trabalha apenas com exportações de commodities agrícolas e, portanto, tem hedge natural.
Outra companhia que prefere manter a presença no exterior é a siderúrgica Gerdau. A empresa tem em novembro o vencimento de US$ 100 milhões em euro commercial papers que, segundo o vice-presidente executivo de finanças e de relações com investidores, Osvaldo Schirmer, será rolado por mais um ano. Atualmente, os papéis pagam cupom de 4% e o executivo preferiu não apontar qual poderá ser o custo da rolagem, já que a empresa ainda não levantou taxas junto aos investidores.
Apesar de preferirem manter abertas as janelas do mercado externo, tanto Schirmer, da Gerdau, quanto Mello, da Coimex, e Correa, da Acesita, apontam para as boas condições do mercado interno. Nessa análise, entra a gradual queda da Selic que, apesar de seus 16% ainda serem desestimulantes, já recuou dez pontos porcentuais nos últimos doze meses.
Sem opção – A Cemig, ao contrário das demais companhias, não tem muita opção. Terá que captar recursos internamente e externamente para fazer frente aos seus vencimentos, que estão concentrados no curto prazo. Até o final do ano, vencem US$ 23 milhões em eurobônus e outros US$ 600 milhões em contratos de financiamento. A primeira dívida será paga e a segunda deve ser rolada com a emissão de US$ 250 milhoes em Medium Term Notes, que devem vir a mercado em dois meses, segundo o superintendente de relações com investidores da estatal, Luiz Fernando Rolla.
De acordo com dados da Anbid, até junho de 2004 as emissões no mercado doméstico chegavam a pouco mais de R$ 5 bilhões – valor que já supera o verificado no mesmo período de 2003, quando foram captados R$ 4,3 bilhões. As emissões externas, por outro lado, são quase 40% menores no primeiro semestre deste ano que no do ano passado. Naquele período, as emissões somavam US$ 10,2 bilhões – US$ 4 bilhões a mais que esse ano.
As debêntures devem ter papel fundamental nesse crescimento. Neste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já aprovou, até julho, a emissão de 18 debêntures no valor de R$ 4,3 bilhões. Outras 15 debêntures estão em análise, em um total de R$ 3,7 bilhões. Em todo o ano passado foi captado por meio desse papel apenas R$ 5,2 bilhões. Analistas apostam que 2004 deve fechar com R$ 15 bilhões em emissões de debêntures, valor que supera os R$ 14,6 bilhões obtidos em 2002.