Edição 284
O mercado de consultorias atuariais vem apresentando uma série de reestruturações e novidades nas empresas que atuam no setor no Brasil. A mais recente é a aquisição da Consult Mais, dos experientes profissionais Miguel Leôncio Pereira (ex-AIG e ex-Itaú-Unibanco) e José Roberto Carreta (ex-Mercer) pela corretora global Lockton. Com a aquisição, que envolve a incorporação de uma carteira com cerca de 40 clientes e a contratação dos profissionais, a Lockton pretende concorrer com as principais consultorias atuariais que atuam no mercado brasileiro, a Mercer e a Willis Towers Watson.
Em todas essas empresas, um ponto em comum se destaca: a reestruturação provocada por aquisições ou fusões recentes. A Mercer adquiriu o controle da Gama, do atuário Antônio Fernando Gazzoni, no ano passado. Já a Willis tinha adquirido a Towers Watson também no ano passado. Isso sem esquecer da Luz Soluções, que não fez uma reestruturação, mas fechou uma parceria com a Buck Consultants, empresa global do grupo Xerox, e contratou o atuário Edson Jardim (ver box).
Por trás da reorganização do mercado de consultorias atuariais está a realidade de um mercado de previdência fechada que ficou estagnado nos últimos anos. Um mercado que não cresce em termos de novos fundos de pensão e em número de participantes. Com exceção dos novos fundos de previdência dos servidores da União e dos Estados, o sistema fechado tende a diminuir de tamanho nos próximos anos, caso não ocorram mudanças na legislação e nas regras da previdência. Na ponta compradora, destacam-se grandes corretoras globais como a Willis e a Lockton, que estão capitalizadas e enxergam muita sinergia do negócio de gestão de benefícios e consultora atuarial com as áreas de seguros e riscos onde atuam junto a grandes empresas.
“O sistema está travado nos últimos anos, não há novas entidades e, com isso, as consultorias têm dificuldade de fazer crescer a carteira de clientes”, diz o atuário Newton Cezar Conde, sócio-diretor da consultoria CCA. O experiente atuário explica que, neste cenário, nem as consultorias globais e nem as locais conseguem crescer no mercado de fundos de pensão. Isso explica a tendência das consultorias globais adquirirem as empresas locais para aumentar a carteira de clientes. E além disso, as corretoras de seguros aproveitam o momento para entrar nesse mercado.
O atuário já passou pela experiência de venda de sua consultoria para a Towers no início dos anos 2000. Ele permaneceu cinco anos como funcionário da consultoria global, conforme definido no negócio, e depois voltou ao mercado para montar uma nova consultoria. Nos últimos anos, Conde montou uma nova carteira de clientes e atualmente tem conseguido se manter no mercado com o foco nos novos fundos de pensão dos servidores públicos, além de fundos de pensão de empresas nacionais.
Conde chegou a conversar com a corretora global Lockton, que estava procurando desde o ano passado, um parceiro local para entrar no negócio de consultoria atuarial no Brasil. Mas o negócio de venda não deu certo. “Já tínhamos passado por isso com a Towers e agora não fazia mais sentido. O problema é que as globais querem adquirir toda a operação e nós não queríamos vender o controle”, diz Conde.
Do lado das consultorias locais, as empresas até conseguem um espaço no mercado, mas que a partir de certo tamanho, não atingem maior crescimento. E não conseguem acessar as empresas multinacionais, que preferem as consultorias globais, mais conhecidas das matrizes. Além disso, não possuem recursos próprios para investir em tecnologia e em aumento da equipe própria.
Lockton – Fundada em 1966, no estado americano de Kansas, a Lockton é atualmente uma das dez maiores corretoras de seguros globais, com atuação em 75 países. A empresa chegou ao Brasil após a aquisição da britânica Alexander Forbes em 2004. A atuação no país, porém, estava limitada à área de corretagem de seguros, diferente de outros mercados em que a Lockton também é forte em consultoria atuarial, como por exemplo, nos EUA, Inglaterra e México.
Desde o ano passado, a corretora intensificou as conversas com o objetivo de adquirir uma consultoria atuarial no Brasil para entrar neste mercado e competir com as globais Mercer e Willis Towers Watson. “Conversamos com três consultorias locais e acabamos escolhendo a Consult Mais. Agora podemos atuar na área de consultoria atuarial, de planos de previdência abertos e fechados e benefícios para empresas”, explica Tony Gusmão, CEO da Lockton Brasil.
Além da aquisição da carteira de clientes da Consult Mais, uma empresa fundada por Miguel Leôncio Pereira, em 2009, a Lockton tinha interesse na contratação da equipe da consultoria. “Buscávamos uma equipe com experiência para desenvolver a nova área técnica e atuarial”, diz Gusmão. Além de Pereira, que ficou como diretor da área atuarial da Lockton Brasil, a empresa contratou ainda José Roberto Carreta (ex-Mercer), que também estava na Consult Mais, Delvo Sabino (ex-Allianz e ex-KPMG) e Gabriel Gutierrez (ex-Zurich).
Para Pereira, o negócio é uma oportunidade de abrir novas possibilidades de crescimento, que estavam limitadas com a atuação da consultoria própria. “Teremos acesso a um sistema atuarial que é utilizado no mundo inteiro e poderemos abrir o leque de serviços”, diz Pereira. O executivo explica que através da Lockton será possível acessar empresas multinacionais que antes não eram acessadas pela consultoria local.
Como corretora global, a Lockton mantém relacionamento com centenas de grupos multinacionais que atuam no país. “Uma das vantagens da Lockton é que o negócio de corretagem e de consultoria estará integrado dentro da mesma empresa”, diz Pereira. Ele explica que isso não acontece em outras empresas, como por exemplo, a Mercer, em que a controladora, a corretora Marsh, é uma empresa com atuação segregada da consultoria.
Diferente é o caso da Willis que adquiriu recentemente a Towers Watson. Como corretora, a Willis está unificando a atuação das duas empresas no Brasil. Procurada pela Investidor Institucional, a empresa não quis se pronunciar sobre o negócio.
No caso da Lockton, o negócio da corretora e de consultoria de benefícios estará debaixo do mesmo guarda-chuva. Inclusive a área atuarial prestará serviços também para os negócios de seguros da Lockton. “Existe uma sinergia com a área de seguros, é uma janela de oportunidade, para realizar a complementação dos seguros com a área atuarial”, explica Pereira.
Além disso, a equipe atuarial continua focando naquilo que tem maior experiência, que é a previdência complementar. “Os planos de benefício definido estão em extinção. Já os planos de contribuição definida precisam de investimentos mais altos em tecnologia”, diz Pereira.
A Lockton pretende focar a atuação não apenas em fundos de pensão próprios, mas também em multipatrocinados e previdência aberta. “Os fundos de pensão estão diminuindo. Há cinco anos era possível manter um fundo com patrimônio de R$ 100 milhões, hoje a linha de corte é de no mínimo R$ 500 milhões”, diz José Roberto Carreta, superintendente atuarial da Lockton. Por isso, existe a tendência de migração de planos de fundos próprios para multipatrocinados e também para planos abertos. A equipe da Lockton terá o foco ainda em benefícios pós-emprego, que envolve planos de saúde e seguros de vida.
Mercer – O caso mais emblemático de aquisição de consultoria local por uma gigante global ocorreu no final do ano passado. A Mercer adquiriu a Gama Consultores Associados, umas das principais consultorias locais que detinha cerca de 10% do mercado atuarial de fundos de pensão. Com a incorporação da Gama, a Mercer assume a liderança isolada do mercado ao prestar serviços para cerca de 150 fundos de pensão, o que representa 40% do número de entidades. Em termos de patrimônio, a liderança é ainda maior.
“Tínhamos o objetivo de fazer crescer a operação no Brasil, onde estávamos aquém do tamanho de atuação em outros importantes mercados”, diz Maurício Amaral, diretor geral da Mercer no Brasil. Para alcançar o objetivo, o executivo explica que a empresa mirou tanto no crescimento orgânico quanto inorgânico. A dificuldade do crescimento orgânico esbarra na estagnação do mercado de previdência fechada no país, por isso, a solução inicial foi comprar uma consultoria. “A aquisição da Gama representou uma forte expansão regional para a Mercer, pois antes estávamos muito concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro”, diz Amaral. Já a Gama tinha atuação destacada no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. Além disso, a consultoria local tinha como clientes uma série de fundos de pensão de empresas estatais, que não eram acessadas pela Mercer anteriormente.
Amaral ressalta que além da carteira de clientes da consultoria, a Mercer tinha interesse na incorporação também de capital intelectual, ou seja, que mantém interesse na manuntenção na equipe da Gama. Antônio Gazzoni, sócio-fundador da Gama tornou-se diretor da Mercer e pretende continuar atuando na consultoria por tempo indefinido. Como é de praxe nesses negócios, o ex-sócio tem uma cláusula que o obriga a permanecer por algum tempo na empresa compradora. O tempo não é revelado, mas é no mínimo até que a Mercer termine de pagar as parcelas referentes à compra da Gama.
Para a equipe da Gama, a atuação dentro de uma consultoria global representa a possibilidade de oferecer soluções mais completas para os clientes. “A Mercer possui uma série de soluções que nós não tínhamos como por exemplo a administração do passivo, o desenho de planos de saúde, seguros, entre outros”, diz Antônio Gazzoni. Antes, os clientes da Gama que queriam contratar esses serviços acabavam recorrendo a outras empresas. “Hoje em dia as empresas buscam soluções completas e nós não tínhamos condições de criar os diversos serviços que nossos clientes estavam demandando”, explica Gazzoni. Com isso, ele comenta que atualmente é possível evitar a fuga de clientes que antes poderiam contratar outros concorrentes maiores com soluções mais completas.