Edição 150
Cena de casamento. No altar, um casal troca alianças. Ela, com seus vinte e poucos anos; ele, com suas seis, sete décadas de vida. Entre os convidados, um chora copiosamente: o fundo de pensão. Afinal, chamem de amor, de compaixão ou até mesmo de negócio, mas o fato é que uniões como essa estão cada vez mais comuns nos dias de hoje e quem acaba, no final, pagando essa conta são os planos de previdência, que têm de incorporar um beneficiário em tenra idade na sua lista de pensão por morte.
“Nós podemos ir ao casamento, comer um pedaço de bolo e até mandar flores, mas é só”, brinca Carlos Ceglia, o diretor de seguridade do PSS. O fundo dos funcionários da Phillips do Brasil foi um dos pioneiros em criar cláusulas de proteção contra o chamado “efeito Viagra” e há mais de dez anos veda a inclusão de um beneficiário após a aposentadoria. “A política da patrocinadora é a de garantir a máxima proteção aos participantes. Achamos esse critério justo e não houve qualquer resistência”, diz. O PSS é um fundo maduro e conta com aposentados de até 93 anos.
Outras fundações, no entanto, preferiram não optar pela proibição da inclusão, mas, também, não deixaram de cobrar algo por ela. É o caso da Forluz, dos funcionários da Cemig, que incluiu em seus planos de Contribuição Definida (CD) duas opções para o noivo (ou noiva, por que não?): ou menos dinheiro é deixado para seus beneficiários após a morte ou o valor da aposentadoria é reduzido. Acertou quem apostou que a alternativa de deixar menos dinheiro à pessoa amada é a mais adotada. “Todo mundo prefere a redução do dinheiro do beneficiário, mesmo quando é um novo cônjuge. Tirar do bolso é sempre mais difícil”, informa o diretor de seguridade da Forluz, José Ribeiro.
Diante do envelhecimento qualitativo e quantitativo da população, aliado às drogas que permitem um prolongamento da vida sexual dos homens, os fundos de pensão não marcaram bobeira. O bolso chiou e, sem grandes alardes, várias fundações já alteraram seus regulamentos precavendo-se dessa nova realidade. Só a Jessé Montello Serviços Técnicos em Atuária e Economia deu suporte à cerca de 40 fundações em mais de 100 planos. Entre elas, nomes como Aços, Celos, Elos, Eletros, Fasern, Fundação Cesp, entre outras. E, segundo o sócio-gerente da Jessé, José Roberto Montello, mais cinco fundos estão na boca do forno, prontos para alterarem suas regras.
Um deles é o Fibra, de Itaipu. A fundação enviou à Secretaria de Previdência Complementar (SPC) proposta de alterações no regulamento de seu plano de benefícios, que está na pilha de documentos a serem analisados pela entidade. A intenção do fundo é criar uma jóia (taxa) para inscrição de um beneficiário quando houver substituição do cônjuge após a concessão de aposentadoria.
Segundo o diretor de seguridade do Fibra, Silvio Rangel, o modelo de cálculo desta jóia está em elaboração pelo atuário. “Prevê-se que seja considerada a diferença de idade entre o cônjuge anterior e o novo cônjuge ou ainda a diferença entre o participante e o novo cônjuge, pois são estas diferenças de idade que, quando expressivas, podem prolongar o pagamento dos benefícios por períodos muito superiores aos estimados nos cálculos atuariais”, diz.
Mais um escritório que tem travado contato ativo com os fundos de pensão no tocante a essa matéria é o Bocater Camargo, Costa e Silva Advogados e Associados. Segundo o seu especialista em previdência, Flávio Martins Rodriguez, seis fundações já recorreram ao escritório, das quais quatro optaram pela inclusão da jóia para os aposentados casadoiros.
Outras fundações ainda avaliam a questão. É o caso da Previ. Segundo seu presidente, Sérgio Rosa, a fundação já detectou esse fenômeno e orientou a área atuarial para monitorar e apurar estatisticamente qual é o impacto dessas uniões no plano. “Até o momento, não houve uma alteração de custo significativa, mas é uma preocupação”, diz. Assim como a Previ, nenhum outro fundo tem ou revela o custo financeiro dessas uniões em seus planos. Nem mesmo o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tem esse número.
Entretanto, a quantidade de pensões por morte no INSS subiu de 4.872.300, em dezembro de 99, para 5.471.227 em dezembro passado, uma alta de 12,29%. Em termos financeiros, os valores pagos dobraram, de R$ 1 bilhão para R$ 2 bilhões no mesmo período. Na previdência privada, os números não são muito diferentes. De dezembro de 99 a dezembro de 2003, a quantidade de benefícios por morte subiu de 88.953 para 102.978, um crescimento de 15,77%, ao passo que o montante pago pulou 84,47%, de R$ 646,5 milhões para R$ 1,2 bilhão.
Conto de fadas às avessas – Por ser uma situação delicada, nenhum fundo admite que casos de uniões duvidosas tenham ocorrido na sua seara. Sempre aconteceram no plano do vizinho. Mas em qualquer roda de bate-papo sobre o tema brotam relatos de casamentos de participantes idosos com a enfermeira, com a sobrinha, com a vizinha – até mesmo na hora da extrema-unção –, e por aí afora.
A Revista Investidor Institucional conversou com uma professora, que preferiu não se identificar, e que revelou ter preparado, em comum-acordo com os seus três irmãos, todos os documentos necessários antes da morte do seu pai para que a pensão dele fosse destinada para a empregada doméstica: conta-corrente conjunta, extratos de pagamento de planos de saúde e outros documentos mais.
Segundo conta a professora, quando sua mãe morreu, a faxineira já cuidava da casa havia 35 anos e continuou dando toda a assistência a seu pai. Este morreria cinco anos depois, aos 88 anos. Nesse período, a empregada passou de doméstica a acompanhante e sua conta bancária subiu – depois de “comprovada a união” – de um ou dois salários mínimos para algo como R$ 900,00 por mês. Praticamente um emprego sem risco de demissão!
Nada há de ilícito nisso, a não ser para o erário, no caso do INSS, ou para os demais participantes, no caso das fundações. Já, do outro lado dessa moeda, estão, e não são poucas, as uniões legítimas. É o caso do presidente do Conselho Fiscal da Petros e vice-presidente do Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Sindapp), Paulo Teixeira Brandão, de 64 anos.
Casado há 23 anos com Ivânia Cristina da Costa – vinte anos mais nova –, Brandão experimentou há pouco mais de dois anos a sensação de ter filhos novamente, e desta vez gêmeos. Brandão e Ivânia ainda não são casados no civil, mas dada a situação do casal a esposa não enfrentaria problemas em comprovar a união para obtenção de pensão por morte.
No caso dos filhos do casal, como Ivânia ainda é funcionária ativa da Petrobras, eles estão debaixo de seu plano previdenciário. Já ela está como beneficiária de Brandão, aposentado da estatal desde 1994 – portanto, antes do início da cobrança de um pedágio para a inclusão, adotada pela Petros em 97.
Por ora, longe dessas questões burocráticas e financeiras, Brandão só pensa em curtir a paternidade em São Pedro da Aldeia, um município tranqüilo e à beira de uma lagoa no Rio de Janeiro. “Levo meus filhos, Gabriel e Bernardo, para a escola, troco fralda, dou comida. Agora, estou curtindo a paternidade devido ao maior tempo de que disponho”, diz.
Para Brandão, o fundo de pensão tem que ser solidário devido ao sistema compensatório, já que existem aqueles que morrem sem deixarem beneficiários. “O que não dá é deixar isso virar uma indústria. Ao meu ver, aplicações malfeitas de recursos afetam muito mais do que isso”, considera.
O milagre da pílula azul – Aquela imagem do vovô sentado na cadeira de balanço vendo filme de cowboy americano é coisa do passado. Para se ter uma idéia de como as coisas mudaram na última década, são consumidos no mundo nove comprimidos de Viagra por segundo. Isto representa 20 milhões de pastilhas mensalmente! Só no Brasil, cerca de 250 mil homens, a princípio com disfunção erétil, tomam a pílula azul por mês – e olhe que a caixa com quatro comprimidos de 50 miligramas custa cerca de R$ 85,00.
Não é a toa que o número de casamentos entre homens de 55 anos ou mais com mulheres com idade inferior a 34 anos subiu de 3,7 mil, em 2000, para 4,5 mil em 2002. Os números podem parecer modestos, mas estatisticamente a expansão de 21,6% nessas uniões chama atenção. Além disso, há que se ressalvar que os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) retratam apenas as uniões registradas em cartório.
Não há controle sobre as uniões consensuais no Brasil que consiga cruzar as idades do casal. O IBGE sabe, porém, que existem 19,3 milhões dessas uniões, sendo que os homens acima de 55 anos representam 958,8 mil delas e as mulheres com menos de 34 anos, 6,9 milhões. Vale acrescentar a estes dados a evolução da população idosa no País (aquela que tem 60 anos ou mais). Segundo o IBGE, em 1980 os homens tinham uma esperança de vida ao nascer de 59,6 anos. Em 2001, essa idade já subia para 65,1 anos.
“Os estudos têm apontado que o processo de envelhecimento da população brasileira é considerado irreversível – diante do comportamento da fecundidade e da mortalidade registrado nas últimas décadas e do esperado para as próximas”, confirma um estudo de 2003 do IBGE sobre a população da chamada “terceira idade”. Nada, porém, que surpreenda os fundos de pensão!