Edição 286
As operações que investigam os investimentos de fundos de pensão e gestoras de recursos evidenciam um risco ao qual dirigentes e executivos estão expostos, mas que não era percebido com tanta intensidade: o de responsabilidade civil. Até que provem que cometeram um erro não intencional, dirigentes e executivos podem ter o patrimônio dilapidado com o pagamento de honorários em processos de defesa, que costumam ser longos.
É nessa etapa que entra a importância do seguro D&O (Directors and Officers Liability Insurance), cuja demanda por esses profissionais tem aumentado nos últimos três anos. De 2012 a 2015, o crescimento médio no valor dos prêmios foi de 25%, segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). No ano passado, os prêmios totalizaram R$ 368,1 milhões e no acumulado deste ano, até agosto, chegaram ao valor de R$ 223,7 milhões.
Para Juliana Casiradzi, gerente da Marsh, a contratação do D&O é cada vez mais uma exigência dos executivos por causa do aumento da insegurança jurídica. “As instituições financeiras têm buscado limites de cobertura mais adequados, em busca de proteção e estabilidade”, afirma.
Entre os fundos de pensão a demanda por seguros D&O não ocorre só por causa da divulgação de grandes operações – que já nascem com o intuito de punir a corrupção – mas também pela evolução na regulação e fiscalização, que tornou mais pesada a mão de órgãos fiscalizadores, como é o caso da Previc – Superintendência Nacional de Previdência Complementar, CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o próprio Banco Central.
Para ter uma ideia, o número de autuações na Previc aumentou 203% em cinco anos, passando de 56 em 2012 para 170 no acumulado de 2016.
Como em algumas entidades os conselheiros não são remunerados, esse risco de dilapidação do patrimônio pessoal passou a ser percebido mais fortemente.
É o caso da Fundação São Francisco de Seguridade Social, na qual os dez membros do conselho deliberativo e fiscal são voluntários. A entidade contrata o seguro desde 2008 e, na última renovação, neste ano, não registrou aumento de prêmio – mas também não obteve o bônus como nos períodos anteriores.
A contratação costuma ser feita após proposta da diretoria executiva e aprovação do conselho apenas para custear a defesa de dirigentes e ex-dirigentes e demais empregados, de acordo com o que rege a resolução CGPC 13 de 2004.
“A cobertura é para atos regulares de gestão. No nosso caso se aplica a dirigentes e ex-dirigentes, com extensão de 36 meses retroativos, desde que o fato não seja conhecido anteriormente”, afirma Marcos Moreira, diretor de benefícios e administração da entidade e diretor do Sindapp (Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar).
Assim, o seguro cobre a defesa de dirigentes no âmbito administrativo (Previc) e Judiciário, mas não o pagamento de indenização ou multa, cujo valor mínimo em autuações é de R$ 54 mil.
Hoje, segundo ele, 99% das penalidades se referem a erros na decisão, análise e acompanhamento de investimentos. Como esse processo envolve comitês, conselhos e profissionais da diretoria e até gerência, as entidades estão estendendo o seguro a todos os profissionais envolvidos no processo de investimentos.
“A sanção é aplicada às pessoas físicas, por isso a necessidade do seguro, já que a entidade não pode ter nenhuma despesa com a defesa de seus dirigentes”, explica Moreira.
Ele avalia que a demanda por esse seguro cresceu pelo aumento da complexidade da legislação. O diretor do Sindapp diz que há dez anos, o conjunto de regras cabia em um livro de bolso e agora ocupa praticamente um Aurélio (dicionário).
“Dependendo de como a fiscalização entende a irregularidade, aplica a sanção ao dirigente, que está mais exposto”, afirma.
A estimativa do Sindapp é que metade das entidades fechadas de previdência, de suas 160 afiliadas, tenham contratado esse seguro para cobrir as despesas com a defesa de executivos em caso de erro não intencional. O número foi projetado depois de uma parceria do sindicato com a corretora Apoena, que dura mais de um ano, e resultou na contratação de 40 novas apólices, com prêmios que variam de R$ 2 mil a R$ 290 mil.
“Estamos em processo de negociação de mais de 15 apólices, e isso tem levado cerca de 30 dias”, afirma Wesley Crespo, sócio da Apoena, que diz que a análise do risco pela seguradora está mais criteriosa e demorada.
Segundo dados da base de clientes da corretora, a maior participação de mercado em prêmios é da seguradora Chubb, com 76,16%, seguida por Liberty (13,40%), AIG (8,26%) e Zurich (2,19%). “Como muitas são multinacionais, a análise de risco tem sido submetida à matriz no exterior. Percebemos restrições nos limites de garantia oferecidos. O que pode ocorrer em algumas apólices é que propostas de cobertura de 36 meses tenham sido reduzidas para 12 meses”, afirma.
Ele diz que as fundações que renovam e não tem histórico de sinistro estão mantendo o valor do prêmio. “Mas as que nunca contrataram estão tendo acréscimo de 15% no valor do prêmio ou restrição de cobertura e limites, dependendo do tipo de setor do fundo de pensão e histórico”, diz.
Conforto e exigência – A decisão de contratar o seguro de responsabilidade civil tem sido tomada pelos conselhos deliberativos para proporcionar um conforto aos dirigentes e executivos, segundo Claudia Avidos Pereira, diretora de investimento e finanças da Braslight, que levou quatro meses negociando a contratação do produto com as seguradoras.
Ela explica que apenas conselheiros e diretores indicados pela patrocinadora tinham a proteção desse seguro e, neste ano, isso se estendeu para 20 pessoas, incluindo não só conselheiros e diretores, mas gerentes e demais envolvidos nas decisões de investimentos.
“Estabelecemos um limite de garantia e estudamos quatro seguradoras, por isso o processo demorou. Agora, quem tem ata de gestão está coberto. Decidimos ampliar o seguro porque não há como ter noção do quanto pode ser gasto com custos de defesa de atos regulares por terceiros na esfera administrativa e judicial”, afirma.
Segundo Claudia, as seguradoras estão rígidas, solicitando balanços e demonstrativos de resultados financeiros para saber se a entidade é ou não deficitária. Também pesquisam processos existentes, e submetem questionários detalhados para fazer a cotação, além de estudar os aspectos de governança. “Para nós foi um aprendizado porque agora sabemos quais são as coberturas e valores. Antes achávamos que tudo estava coberto pelo seguro da patrocinadora, o que não era o caso”.
Adriano Almeida, da Aon Risk Solutions, diz que por mais que o executivo confie na empresa, não sabe detalhadamente o que foi feito no passado, e as decisões anteriores podem recair sobre a gestão atual. “Nos últimos cinco anos a carteira de D&O cresceu 20% ao ano. As instituições financeiras puxaram esse crescimento em valores de prêmios e coberturas, mas não em quantidade de apólices”, afirma.
Segundo dados da Lockton, que inclui informações de mercado, a contratação de apólices aumentou 52% em 2015, impulsionado pelo maior conhecimento da existência do produto.
“Especialmente em mercados muito regulados, como é o financeiro. Hoje 25% das apólices negociadas na corretora são direcionadas para fundos de pensão e empresas de investimento”, diz André Cabral, da Lockton.
Cabral diz que atende empresas que fazem a gestão de investimentos para os fundos de pensão e nesses casos ele indica a contratação de uma apólice separada da entidade.
“É comum o fundo de pensão de grande porte pedir a inclusão da gestora de recursos, mas esse é um risco à parte. É preciso que a apólice seja contratada separadamente porque a gestão de recursos não é o core business dela e isso traz a possibilidade de ocorrer um sinistro ou situação adversa na qual a verba da apólice deixe de cobrir
Custos de defesa – A versão do seguro D&O de responsabilidade civil para fundos de pensão é o Pension Trustee Liability (PTL), que tem a mesma finalidade e não cobre dirigentes e executivos que foram condenados. Nesse caso, eles são obrigados a reembolsar o que a seguradora gastou com a defesa, valor que tem se tornado cada vez mais elevado.
Na hora de contratar advogados e peritos de defesa especializados na parte tributária e previdenciária, os executivos de fundações se deparam com honorários de R$ 200 mil para cima em um início de processo, que pode se estender por anos.
Em muitos casos, por limitação de atuação em outros processos ao mesmo tempo, principalmente por advogados que fazem a defesa de executivos investigados em operações da Polícia Federal, pode haver um adicional.
“São processos que envolvem milhões. Por isso, o PTL não é mais opcional e está entrando no rol que são repassados aos patrocinadores, já que não se pode retirar recurso da reserva técnica para o seguro. Hoje, mais de dois terços das fundações de patrocinadores privados contrata”, afirma Álvaro Igrejas, diretor de riscos corporativos da Willis Towers Watson.
O diretor diz que a entidade que ainda não tem esse produto está contratando e mesmo quem já possuía antes, estuda o aumento do limite cobertura. “Se a procura era por R$ 20 milhões agora é de R$ 50 milhões porque os processos civis seguem vários ritos e demoram para serem concluídos, por isso são custosos”, afirma.
Segundo ele, as coberturas desse seguro também evoluíram, podendo incluir o valor do holerite de executivos suspensos de exercer a função pelo órgão fiscalizador, caso seja comprovado um erro de gestão.
“Mas se a seguradora descobrir que houve dolo, solicita a devolução dos recursos”, diz.
Igrejas diz que do lado das seguradoras há um ajuste de preço por causa da elevação da sinistralidade, mas isso não é geral porque há concorrência. Algumas optam por incluir cláusulas que excluem o pagamento de honorários de advogados no início de determinados processos judiciais – optando por ressarcir o segurado apenas quando for comprovada a sua inocência. “Há também as que não cobrem eventos que incluam contratos com órgãos governamentais”, diz.
Impacto da crise – A evolução dos sinistros também trouxe um amadurecimento para o mercado, com as seguradoras ficando mais experientes nos critérios de análise de cada setor. “Elas estão avaliando melhor a situação financeira das empresas. Quem tem patrimônio líquido negativo já tem dificuldade para contratar o D&O porque não está financeiramente segura para proteger os administradores”, afirma Juliana Casiradzi, da Marsh.
Em alguns casos, a seguradora pode aceitar esse cliente, mas colocar a exclusão de cobertura em caso de falência e insolvência, ou mesmo pedido de recuperação judicial.
Empresas, de forma geral, cujos riscos não são aceitos por seguradora no Brasil, segundo Juliana, podem contratar uma apólice de fora do país.
“É uma situação rara, mas que tem ocorrido com as empresas que estão com dificuldades financeiras ou histórico de reclamações extenso. Fora do país há apetite para esse risco”, afirma.
Celso Soares Júnior, superintendente de Linhas Financeiras da Zurich no Brasil, confirma que a crise econômica tem sido um fator de risco levado mais em conta.
Ele diz que o aumento na procura pelo seguro tem ocorrido em um cenário mais delicado, no qual o valor dos prêmios está subindo dois dígitos e as condições estão mais restritas, fazendo com que a seguradora reforce a interação com os clientes.
“Eles têm de estar abertos a explicar os controles internos e externos, e como estão estruturados os programas de governança e compliance, além da estratégia a longo prazo. Também estabelecemos cláusula de exclusão relacionada à corrupção e relações com o governo, além de situações de falência e recuperação judicial”, afirma.
Soares Júnior diz que a atuação forte dos órgãos de controle dos órgãos fiscalizadores, como a CVM, além de investigações do Ministério Público Federal e a própria Lava Jato de fato mudaram a percepção de risco das seguradoras. “O índice de recusa aumenta não apenas em função das investigações e operações, mas porque as empresas passam por um momento delicado sob o aspecto financeiro”, afirma.
As negativas, no entanto, acompanharam o aumento de demanda, que foi de 30% a 40%. “Em termos de contratações de apólices, o incremento foi acima de 20%, mas isso não necessariamente se refletiu no aumento dos prêmios – que podem dobrar de valor de acordo com a empresa e risco de mercado”, diz o superintendente da Zurich.
Para Flávio Sá, Gerente de Linhas Financeiras da AIG, esse mercado tem crescido devido à maior exposição ao risco regulatório, conscientização de consumidores sobre os direitos e aumento da sinistralidade.
“Com isso há uma análise de risco cada vez mais alinhada ao cenário econômico atual, podendo ser mais rigorosa dependendo do segmento da empresa interessada em contratar o produto. A AIG está acompanhando todos esses casos e aplica sua experiência global neste segmento de produto para solicitar dados específicos, como informações financeiras ou histórico de reclamações”, afirma.
Em alguns casos, segundo ele, a seguradora apenas oferece o pagamento do custo de defesa do executivo como reembolso do que foi gasto pelo cliente após comprovação da inocência.
A maior conscientização do consumidor em relação aos seus direitos é um fator que impulsionou o seguro de responsabilidade civil, que na América Latina representa 10% do total de apólices atualmente, ante a uma participação de 2% há 20 anos. “As pessoas físicas participam mais e levantam a voz contra qualquer falha de gestão”, afirma Marcos Fugise, professor de D&O e E&O da Funenseg (Fundação Escola Nacional de Seguros) e diretor de resseguradora PartnerRe.
Segundo ele, o D&O passou a ser mais contratado por fundos de pensão a partir de 2001, após a publicação da circular 109, que definia penalidade para as entidades por erros.
Thabata Najdek, da Allianz Global Corporate & Specialty, diz que o fato de uma gestora de recursos ter uma apólice de D&O acaba representando um termômetro de governança para o investidor que a contrata, como o próprio fundo de pensão.
“Uma gestora pode cometer uma decisão equivocada e trazer prejuízo financeiro para a entidade, gerando um processo de responsabilidade contra o administrador, que também é um investidor. A apólice pode, dependendo da situação, incluir a indenização para terceiros”, afirma.
Análise mais criteriosa
A combinação de maior percepção de risco em relação a processos administrativos e judiciais, a crise econômica e mais a elevação da sinistralidade no setor tem feito as seguradoras a realizar uma análise mais criteriosa dos clientes antes da contratação.
André Cabral, gerente de linhas financeiras da Lockton, diz que a taxa média de sinistralidade partiu de uma média de 18% há seis anos para 30% em 2015. No ano passado, o setor pagou R$ 141,4 milhões em sinistros. Dependendo do grau de risco, os prêmios cobrados são mais elevados ou o limite de cobertura mais restrito, com mais cláusulas de exclusão.
Esse seguro de responsabilidade civil tem como principal cobertura as despesas com a defesa e, dependendo da apólice. É importante ressaltar que a cobertura não inclui a indenização em casos de falhas não intencionais (culposas). Ou seja, o dirigente ou executivo que é investigado por um ato doloso, como o de corrupção, fica sem direito à utilização do seguro.
Essa cláusula de exclusão em contratos se tornou praxe há dois anos, segundo Adriano Almeida, diretor de produtos financeiros da Aon Risk Solutions, que considera as investigações positivas no sentido de trazer maior consciência e entendimento do seguro aos executivos.
É uma percepção que começou há pelo menos três anos, com o início da Operação Lava Jato, e se estende agora, durante a Operação Greenfield, que apura fraudes em investimentos por executivos da Funcef, Previ, Petros e Postalis, além de gestoras de recursos.