Ameaça à capitalização |Mudanças no regime próprio do Rio Grande ...

Edição 268

 

Um projeto de lei bastante polêmico de autoria do governo do Paraná, alcunhado pelos servidores do Estado de “pacote de maldades”, ou simplesmente “pacotaço”, somado à manobra criada para que fosse aprovado em apenas um dia de votação na Assembleia Legislativa, desencadeou uma série de greves do funcionalismo público da região e colocou em discussão uma tendência que vem acometendo o sistema de regimes próprios no país todo: o uso do fundo previdenciário para equilibrar as contas dos Tesouros estaduais.
Vitimas do próprio sucesso, os fundos previdenciários, engordados por longos períodos de capitalização, estão desaparecendo por meio dos mesmos projetos de lei que criam fundos de pensão nos estados. O caso mais recente vem do Paraná, mas situação semelhante ocorreu em dezembro do ano passado no Rio Grande do Norte e há cerca de um ano em Minas Gerais. Por trás das mudanças aparecem argumentos a favor do novo modelo de previdência complementar dos servidores, mas que acabam ameaçando a permanência do modelo de capitalização dos regimes próprios.
No Rio Grande do Norte, o projeto de lei foi aprovado no final do ano passado e parte do R$ 1 bilhão capitalizado do fundo previdenciário do Ipern já foi absorvida para pagar o fluxo de benefícios dos servidores aposentados do fundo financeiro. Segundo o presidente do RPPS, José Marlúcio Diógenes Paiva, os recursos já utilizados entre dezembro de 2014 e fevereiro deste ano somam R$ 370 milhões, deixando apenas 63% do dinheiro acumulado no extinto fundo previdenciário para os pagamentos futuros. Nesse ritmo, não sobrará saldo, do montante que havia sido capitalizado, para pagamento dos benefícios já no segundo semestre deste ano.
Paiva reconhece que a fusão dos fundos financeiro e previdenciário não seguiu os trâmites legais necessários, conforme determina a Portaria 403/2008, do Ministério da Previdência. Segundo o texto, “implementada a segregação da massa, fica vedada qualquer espécie de transferência de segurados, recursos ou obrigações entre o plano financeiro e o plano previdenciário”. Para que um fundo seja desfeito, é necessário ter aprovação prévia da Secretaria de Políticas de Previdência Social.
Por conta disso, o governo do Rio Grande do Norte não conseguiu renovar seu Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) e corre o risco de perder repasses de recursos federais e de adquirir novos créditos com a União.
“Não consultamos o ministério nem aprovamos a medida com o conselho previdenciário do RPPS. O que fizemos foi irregular sim. Mas o governo está precisando de dinheiro para pagar os aposentados e não tinha outro jeito. Tenho certeza de que todos os estados em igual situação agiriam da mesma forma se pudessem”, afirma Paiva.
Como alternativa, o estado estuda entrar na justiça para conseguir a emissão do CRP, assim como teria feito o governo de Minas Gerais. Procurado pela reportagem, o Ipsemg, instituto de previdência mineiro, não concedeu entrevista.
Paiva não acredita que os recursos acumulados do extinto fundo se esgotem. “O estado ficou de nos dar uma compensação previdenciária, prevista no projeto de lei que extingui o fundo. Vamos receber R$ 125 milhões até dezembro de 2018”, declara. Além disso, ele destaca que o fundo resultante dessa “fusão” manterá o sistema de capitalização.
O fundo financeiro tem um déficit mensal de R$ 70 milhões. Segundo o presidente do Ipern, o governo não cumpria com suas obrigações previdenciárias desde o segundo semestre do ano passado. “Os aposentados não devem pagar a conta. Sou a favor de que, havendo dinheiro, não importa de qual fonte, ele deve ser usado. Foi uma medida emergencial. Depois a gente resolve”, alega. Representantes do governo do Rio Grande do Norte têm se reunido constantemente com secretários do Ministério para tentar negociar a recuperação do CRP.
De acordo com Paiva, a expectativa é que o fundo de pensão (previdência complementar) que entrará em vigor no estado ajude a desafogar as contas públicas, trazendo mais sustentabilidade ao modelo de regimes próprios do país.

Greve de servidores – No Paraná, caso mais recente de tentativa de “fusão” de fundos, o projeto de lei teve de ser retirado da pauta e será reapresentado em breve, ainda sem data definida. Isso porque os servidores foram à ruas protestar contra o “pacotaço” – pacote que reúne uma série de medidas de ajuste fiscal, nas mais diferentes esferas de governo – e invadiram a Assembleia Legislativa (Alep), frustrando a tentativa de votação.
O “pacotaço” era composto por dois projetos de lei – um deles especificamente sobre a criação de um fundo de previdência complementar no estado, o PL 06/15. O conjunto de medidas de austeridade foi enviado pelo governo no dia 4 de fevereiro. Para acelerar a tramitação do pacote, deputados da liderança apresentaram um requerimento para criação de uma Comissão Geral.
No dia 9, professores estaduais entraram em greve – em vigor até o fechamento desta edição, com a adesão de diversas outras categorias profissionais. Somado a isso, uma multidão de servidores passou a noite do lado de fora da Alep. Em 10 de fevereiro, a Comissão Geral foi aprovada e os servidores invadiram a sessão, obrigando sua suspensão. No dia seguinte, deputados se reuniram no restaurante para a votação, em uma tentativa de votar o projeto, já que os manifestantes ainda estavam alojados no Plenário. Novamente o local foi invadido e a aprovação suspensa de vez. O projeto foi retirado da pauta e deverá ser reapresentado, com diversas mudanças.
Originalmente, a ideia era transferir os recursos do fundo previdenciário para o financeiro. O Paranaprevidência possui patrimônio líquido de R$ 8,15 bilhões. É o segundo maior regime próprio do país, atrás apenas do Rioprevidência, e o primeiro a se capitalizar, em 1998. Tal modelo foi idealizado por Renato Follador, que na época era secretário da Fazenda do estado. Agora na posição de consultor, Follador foi chamado informalmente pelo governo paranaense para ajudar o Tesouro a elaborar o novo projeto de lei, no que compete ao futuro do RPPS local. O projeto ainda está em elaboração, aguardando estudos atuariais e de viabilidade. Antes, os deputados da Alep convidaram o especialista para fazer uma exposição sobre o Paranaprevidência e explicar possíveis propostas de melhoria. A data, contudo, ficou em aberto.
“A proposta original, além de irregular, culminaria na criação de um INSS estadual, modelo ultrapassado e que não se sustenta no longo prazo. Era um retrocesso de tudo o que construímos no Paranaprevidência ao longo de dezesseis anos”, afirma Follador. Com uma folha de benefícios em torno de R$ 350 milhões por mês, a estimativa era de que todo o patrimônio do fundo previdenciário fosse zerado em menos de três anos. “Ao longo do tempo, o número de aposentados e pensionistas cresceria ainda mais. Se o estado não tem dinheiro para pagar nem os atuais, quem garante que terá recursos para pagar os futuros?”, questiona.
Para ele, a medida é alarmante e indefensável. “O governo está fazendo uma hipoteca do futuro dos trabalhadores ativos, usando um dinheiro que estava sendo corretamente preservado para o pagamento de aposentadorias futuras”, complementa.

Novos caminhos – Em reuniões informais com o secretário-chefe da Casa Civil, a pedidos do secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, Follador fez uma série de sugestões para preservar a estrutura capitalizada do Paranaprevidência. Segundo o consultor, a melhor maneira de resolver o impasse é retomar o modelo de segregação de massas original, aprovado na criação do RPPS, em 1998.
Isso porque um novo corte foi realizado em 2012, por meio de lei complementar, culminando no aumento do número de aposentados do fundo financeiro. O texto previa que somente os servidores que entraram no estado a partir de 2003 estariam no fundo previdenciário. Já no corte inicial, entraram todos os servidores que, em 1998, tinham até cinqüenta anos, no caso de homens, e até 45, para as mulheres.
“Parte dos servidores do fundo financeiro, portanto, voltaria para o previdenciário. Como compensação, o estado deverá transferir R$ 3 bilhões em recebíveis, lastreados em dívidas repactuadas”, pontua. Ao mesmo tempo em que algumas aposentadorias ficariam a encargo do RPPS capitalizado, o número de participantes do fundo cresceria, assim como a arrecadação de contribuições. Estima-se que a nova medida incorporaria cerca de 5 mil aposentados ao plano capitalizado.
Já a previdência complementar deverá ter suas alíquotas revistas. Segundo o projeto de lei original, a contribuição previdenciária do estado está limitada a 8,5%. A ideia é que esse percentual suba para 11%, para ser equivalente ao aplicado no RPPS. “Assim servidores que exercem a mesma função, mas que ingressaram em tempos diferentes, serão tratados com isonomia”, defende.
Segundo Follador, o sistema de repartição simples não é viável no longo prazo e o fato de muitos estados apresentarem dificuldades em arcar com regimes próprios deficitários, por não serem capitalizados, é um exemplo disso.
No mesmo dia em que servidores invadiram a Alep para suspender a Comissão Geral, o Ministério da Previdência se posicionou contra o projeto de lei em debate no estado. “Se for aprovado o projeto que pretende extinguir o fundo previdenciário e transferir os recursos para o fundo financeiro, estará caracterizada irregularidade, situação impeditiva à emissão administrativa do CRP”, afirmou à Investidor Institucional por meio de nota oficial.
De acordo com a pasta, o projeto original fere o princípio do “Equilíbrio Financeiro e Atuarial”, previsto na Portaria MPS 403/2008.

Autonomia – Carlos Flory, presidente do primeiro fundo de pensão do país, o SP-Prevcom, discorda da posição do ministério. Ele destaca que a Constituição prevê autonomia administrativa aos entes federativos na aprovação de suas leis. Nesse sentido, não há necessidade de consultar a pasta para segregação de massa. “O Paraná está buscando uma nova segregação. Mas o RPPS sempre existirá. O fundo de previdência complementar cuida apenas dos benefícios que ultrapassam o teto do INSS”, afirma. Para Flory, uma portaria não pode estar acima da Constituição.
Ele também discorda da posição do consultor Renato Follador em relação ao percentual de contribuição previdenciária ideal para um fundo de pensão. “Em São Paulo, o estado contribui no limite de 7,5% e o participante 7,5%. Somando os juros da aplicação do dinheiro ao longo de mais de 30 anos já resulta em uma aposentadoria de mais de 100% do salário”, calcula. “Como estamos gerando rendimentos superiores ao nosso objetivo, de IPCA+5%, e muitos participantes contribuem até com mais de 7,5%, é capaz que eles se aposentem com 120% do salário.”
O regime próprio do estado, SPPrev, não é capitalizado. Mas Flory acredita que, independentemente do modelo utilizado, quem paga a conta é sempre o Tesouro. Nesse sentido, a origem do recurso que sustenta as aposentadorias é indiferente. “Se faltar dinheiro no RPPS, seja no fundo financeiro ou no previdenciário, quem cobre o buraco é o Tesouro. Os ativos do regime próprio também pertencem ao estado. Diferentemente do fundo de pensão, em que as contas são individuais por CPF do participante”, explica. No SPPrev, por exemplo, o Tesouro precisa aportar cerca de R$ 12 bilhões por ano para o pagamento de benefícios. A folha anual é de R$ 23 bilhões.
“Para o aposentado, não faz a menor diferença se é o Paranaprevidência ou o Tesouro quem paga o benefício, contanto que o dinheiro esteja na conta em dia”, pondera. “Se o estado quebrar, não vai sobrar recurso para ninguém, então o governo está tentando resolver”, defende.
O atual secretário da Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa, assumiu o posto este ano, a convite do governador reeleito, Beto Richa (PSDB). Ele é conhecido no mercado como um especialista em ajuste fiscal. A fama de controlador de gastos é antiga. Já foi secretário de finanças da prefeitura de São Paulo durante a gestão de José Serra (2003-2004) e também da Fazenda estadual entre 2007 e 2010. Costa voltou para a secretaria municipal na gestão de Gilberto Kassab (DEM) entre 2011 e 2012 e, antes de assumir posto no governo paranaense, foi secretário de finanças de Salvador, entre 2013 e 2014, durante o governo de Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM). Convocado por Richa para colocar em ordem as contas do Paraná, Costa tinha planos, como secretário de finanças da cidade de São Paulo, de passar a gestão de um plano de previdência complementar municipal para o SP-Prevcom. “Era um projeto de longo prazo, pois até o município reunir massa suficiente para o plano levaria uns dez anos, mas estava tudo engatado”, diz Flory.

Prev-Federação falha na governança, diz Flory

Em relação ao desenvolvimento da previdência dos servidores, o presidente do SP-Prevcom, Carlos Flory, acredita que os fundos de pensão representam uma tendência que veio para ficar. Embora poucos estados – e nenhum município – tenham criado suas fundações, este modelo é imprescindível para garantir a sustentabilidade da previdência no país. Porém, quanto aos caminhos para o desenvolvimento do segmento, o dirigente tem algumas opiniões que divergem de projetos do Ministério da Previdência. Um dos casos é do Prev-Federação, que é um projeto do ministério para criar um fundo de pensão multipatrocinado para administrar os planos de servidores de vários entes públicos.
“Várias prefeituras estão esperando o Prev-Federação, mas eu acho que os fundos de pensão estaduais serão os mais aptos a fazer a gestão dos planos municipais”, afirma. O Prev-Federação na opinião de Flory, o projeto do fundo de pensão multipatrocinado possui vários pontos fracos. “Quem vai compor o conselho deliberativo? E o conselho fiscal? Como serão eleitos os representantes dos participantes? Vejo várias falhas de governança nesse projeto”, destaca.
Em um futuro próximo, os fundos de pensão dos entes federativos deverão ser mais sofisticados para atender melhor às necessidades de financiamento do modelo previdenciário atual. “O ideal é que mais para frente a gente crie planos por perfil de investimento, como conservador, moderado, arrojado, assim como na previdência aberta. Outro modelo interessante é o ciclo de vida”, pontua. Ainda assim, Flory ressalta que os RPPS sempre serão uma peça importante no sistema, sejam eles capitalizados ou não.