Edoção 91
Quando o fundo de pensão da Volkswagen resolveu, em 1984, implantar o primeiro plano de contribuição definida no Brasil, os órgãos reguladores e o mercado estranharam o novo modelo, tamanho era o seu pioneirismo. Passados 16 anos, a fundação volta a inovar e adota um novo sistema de administração de recursos, segregando as funções de gestor, custodiante e administrador de risco e dividindo-as entre instituições distintas, além de promover a modernização de seu plano de benefícios (leia box na pág. 21).
As mudanças começaram a ser planejadas em meados de 1999 pelo conselho de administração do fundo de pensão. Um dos principais mentores do projeto foi César Favilla, que havia chegado à Volkswagen no início daquele ano, depois de acumular vasta experiência na gestão do fundo de pensão da Bayer. Os membros do conselho concordavam que o plano de benefícios já não atendia à política de recursos humanos da empresa. Os funcionários mais antigos, que possuíam níveis salariais mais altos, não estavam contentes com a cobertura do plano. Ao mesmo tempo, os novos contratados também não tinham estímulo para contribuir para o fundo de pensão. Apenas 10% dos participantes do fundo efetuavam contribuições voluntárias.
O maior problema era que a administração dos recursos do fundo de pensão não era transparente. “Não havia uma segregação clara entre as áreas de tesouraria da empresa e a gestão dos recursos do fundo de pensão”, conta César Favilla, tesoureiro corporativo do grupo Volkswagen e membro do conselho da fundação Volkswagen (VWPP). Cerca de 50% do portfólio do fundo era administrado internamente, enquanto o restante era repassado para gestores externos. O processo de terceirização era realizado com base em padrões subjetivos e a análise da performance focava apenas a rentabilidade.
Uma das primeiras decisões foi a de terceirizar toda a carteira de investimentos do fundo de pensão no final de 1999. Com isso, o pessoal da tesouraria da Volkswagen deixou de realizar a alocação dos recursos do plano de benefícios, ficando livre para acompanhar o desempenho dos gestores externos. Para reforçar a equipe financeira, foi designado um profissional para trabalhar exclusivamente para o fundo de pensão. Nílson Antônio Gonçalves assumiu a função de analista financeiro da VWPP, respondendo diretamente ao superintendente de finanças, Flávio Talasca. Resolvida a questão da gestão interna, faltava modernizar a gestão externa.
Uma das preocupações era que os administradores externos centralizavam as funções de gestão, custódia e controle de risco e, por isso, não havia parâmetros claros para a avaliação do desempenho das carteiras. Inspirados na antiga Resolução n.º 2.720, aprovada em abril de 2000 e derrubada no final do mesmo ano, a equipe financeira da Volkswagen elaborou um modelo de gestão inovador. Uma das mudanças foi a segregação entre os gestores e o custodiante, o que não chegou a ser grande novidade, pois várias fundações também trilharam pelo mesmo caminho.
A principal inovação foi a contratação de outra instituição para cuidar da administração de risco e produção de relatórios sobre a alocação dos recursos. “O modelo possui a estrutura de uma pirâmide: em uma das pontas estão nossos seis gestores, na outra está o custodiante e, na última, encontra-se o administrador de risco”, ilustra César Favilla. Para cuidar do risco da gestão, a VWPP contratou a Dreyfus Brascan e, como custodiante, foi selecionado o Itaú. Apesar da contratação de dois novos parceiros, a implantação do modelo de gestão da VWPP representou uma economia de 0,15% no total de taxas de administração. Isso ocorreu porque as taxas com os gestores foram renegociadas.
Segregação total – A segregação chegou a tal ponto que o próprio Itaú, que era um dos gestores, teve que optar entre a gestão e a custódia do fundo de pensão. Como o Itaú decidiu ficar como custodiante da VWPP, em seu lugar foi selecionado o BCN Alliance, que está assumindo neste mês de janeiro a gestão de uma carteira de cerca de R$ 90 milhões. Os outros gestores continuam os mesmos do ano passado e são eles: o Bradesco Templeton, SSB Citi, Unibanco, Lloyds e Abn-Amro.
“Algumas fundações estão estudando modelos semelhantes, mas a Volkswagen Previdência Privada é a primeira a implantar um modelo de pirâmide totalmente terceirizado e com um alto grau de segregação de funções”, explica Roberto Pitta, diretor de institucionais da Dreyfus Brascan. A tendência de contratação de serviços de controle de risco e de custódia está cada vez mais forte entre os fundos de pensão, mas estas funções geralmente são realizadas pela mesma instituição ou então por uma área interna da fundação ou da patrocinadora. Os custodiantes, por exemplo, oferecem um pacote de serviços além da custódia, que abrange o controle de risco.
O fundo de pensão da Volkswagen não optou pela contratação deste pacote de serviços. “Não queríamos misturar os serviços de custódia com a administração de risco”, explica o analista financeiro da VWPP. Outra saída era contratar uma consultoria independente para realizar a análise de risco ou então trazer a função para a equipe interna. “Decidimos contratar uma instituição como a Dreyfus em função de sua especialização e reconhecimento internacional, porque temos que prestar contas para a nossa matriz”, afirma César Favilla.
O trabalho principal da Dreyfus será o de acompanhar a “compliance” dos mandatos concedidos aos gestores. O administrador de risco fica responsável pela produção de relatórios gerenciais diários para mostrar a posição de risco dos ativos presentes nos fundos exclusivos. “Podemos visualizar todos os ativos dos fundos exclusivos da fundação e damos um sinal vermelho, amarelo ou verde dependendo da situação de risco”, declara Roberto Pitta. O sistema, por enquanto, ainda não está tendo atualizações diárias em função da demora na prestação de informações dos gestores para o custodiante e deste para a Dreyfus.
Os relatórios fornecidos pela Dreyfus à fundação servem de base para a avaliação permanente dos gestores. Uma vez por ano será realizada uma avaliação mais detalhada e haverá a substituição de um ou mais gestores que tiverem as piores performances. A VWPP mantém um ranking permanente de gestores, utilizado para designar quem deve ser contratado. O ranking é elaborado com base em critérios quantitativos (rentabilidade, taxas e volume de recursos administrados) e qualitativos (qualificação profissional da equipe, qualidade administrativa e o gerenciamento de risco). “Tomaremos decisões quanto aos gestores com base em critérios objetivos”, diz César Favilla. O executivo explica que um dos objetivos do novo sistema é propiciar a competição entre os gestores.
Organização – Se, por um lado, a gestão dos recursos do fundo de pensão foi totalmente terceirizada, por outro, algumas funções foram trazidas para dentro de casa. Como parte do processo de reestruturação do fundo de pensão, foi criada uma organização de quatro superintendências integradas entre si para cuidar de todos os aspectos do plano de benefícios. “Hoje as superintendências de finanças, assuntos legais, recursos humanos e controladoria apresentam forte integração”, afirma Favilla. Atualmente, toda a contabilidade e a produção de relatórios para a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) é realizada pela própria equipe da Volkswagen.
Para isso, a empresa começou a trabalhar desde o início do ano passado com um software da SFR Previtec. A VWPP adquiriu os módulos de contabilidade, de seguridade e de legislação da SFR. Mas agora o principal desafio do fundo de pensão da Volkswagen vai mais além do cumprimento das exigências burocráticas impostas pela SPC. “O principal objetivo de toda nossa reestruturação é poder mostrar ao participante nossos avanços”, ressalta César Favilla. Ele explica que a meta da Volkswagen é trazer o maior número de funcionários possível para dentro do plano como contribuintes. “Queremos mostrar que podemos oferecer um serviço melhor que o de uma empresa de previdência aberta ou de uma asset management. O objetivo é atrair a poupança dos funcionários da Volkswagen para dentro do fundo de pensão”.
Mudanças em plano pioneiro
Não foi apenas a gestão dos recursos que mudou no fundo de pensão da Volkswagen. O plano de benefícios também sofreu grandes alterações. Apesar de ter sido o primeiro plano de contribuição definida do Brasil, o plano de benefícios da VWPP trazia características que não se adequavam à situação atual do mercado. Prova disso é que apenas a décima parte do quadro de funcionários da empresa participava com contribuições voluntárias, sendo custeado basicamente com as contribuições da patrocinadora.
O plano era do tipo CD, mas tinha algumas características incomuns em comparação aos desenhos mais modernos. Por exemplo, as reservas constituídas pelas contribuições da patrocinadora, que representavam a maior parte do fundo, tinham um rendimento fixo de TR mais 6% ao ano. A rentabilidade da carteira de investimentos era repassada apenas para as reservas formadas pelas contribuições dos participantes, que representavam a menor parte do fundo.
Como as rentabilidades do fundo de pensão foram bastante superiores à TR mais 6% nos últimos anos, o plano de benefícios acumulou sucessivos superávits que atingiram, em 2000, cerca de 30% de sua carteira total de investimentos. Uma das mudanças do plano foi a eliminação da taxa fixa de rentabilidade e o estabelecimento de uma nova regra de repasse de 90% do rendimento global do fundo de pensão.
Mas, ao contrário da maioria dos planos CD mais modernos, a VWPP decidiu manter uma garantia mínima de rentabilidade de 80% do INPC. “Nosso plano atual tem características de um ‘cash balance’, porque possui garantia mínima para os rendimentos das reservas constituídas pela patrocinadora”, explica Patrícia Quaresma Franzini, gerente de benefícios e previdência privada da Volkswagen. Para as reservas constituídas com as contribuições voluntárias dos participantes, continua valendo a regra anterior, que previa o repasse de 100% da rentabilidade do fundo, sem garantia mínima de rentabilidade.
Patrícia Franzini foi contratada no início do ano passado especialmente para realizar as mudanças no plano. Junto com ela, a Volkswagen contratou também os serviços da consultoria Towers Perrin. “Um dos objetivos da modernização do plano é fazer com que o funcionário da empresa seja estimulado a realizar contribuições voluntárias para o fundo de pensão”, explica.
Outra grande mudança foi o recálculo do serviço passado para os funcionários que estavam na empresa antes da implantação do plano, em 1984. Foi realizado um novo cálculo com base nos salários de 31/12/1999, que substituiu as reservas antigas calculadas a partir dos salários da época. Além disso, todos os planos de aposentadoria receberam um bônus de 15% sobre o total das reservas. Com as medidas, todos os participantes tiveram aumentos nas contas previdenciárias que variaram de 15% a até 100% para os funcionários mais antigos.
Devido à existência do superávit, o mais interessante é que a Volkswagen não teve que colocar a mão no bolso. O superávit, que era de R$ 146 milhões, foi capaz de cobrir todos os ajustes do plano. Ainda houve uma sobra de cerca de 25% desse montante, direcionada para a formação de um fundo administrativo.
Outras mudanças menores referem-se à eliminação do prazo de carência de seis meses que existia anteriormente para a entrada de um novo funcionário como participante do plano. Além disso, foi criada a possibilidade de permanência do participante no plano como contribuinte mesmo em caso de término do vínculo empregatício. O empregado que deixar a empresa antes de atingir os prazos mínimos de elegibilidade ao benefício do plano poderá continuar contribuindo até reunir todas as condições para pedir a aposentadoria complementar.