Veto a diferimento do IR decepciona | Ação sobre imunidade de res...

Edição 99

Após mais de dois anos de esforços dos representantes de fundos de pensão para incluir e manter o diferimento tributário do Imposto de Renda no projeto de lei da Previdência Complementar, a proposta foi barrada no último momento. O presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o diferimento do IR sobre as aplicações financeiras das entidades fechadas antes de aprovar a nova Lei Complementar n.o 109, que substitui a Lei 6.435/77. O fato seria motivo para enorme pessimismo no sistema não fosse o compromisso assumido pelo próprio presidente de garantir o diferimento em legislação ordinária.
Para os fundos de pensão, fica um sentimento de frustração, mas não de derrota. “Tínhamos interesse em que a regra passasse na Lei Complementar, mas isso também não representaria uma vitória total, pois ainda seria necessário haver a regulamentação do dispositivo”, minimiza Carlos Duarte Caldas, presidente da Abrapp. O representante dos fundos explica que o artigo que abordava o diferimento era muito genérico e que, por isso, a briga pelo diferimento teria que continuar na fase de regulamentação. Desta forma, a garantia do presidente de que o diferimento será instituído através de uma Lei Ordinária tem praticamente o mesmo efeito do que se fosse mantido na legislação complementar.
A especialista da área jurídica da William M. Mercer, Ana Maria Martin, explica que, na prática, a inclusão do tratamento tributário para os fundos de pensão em legislação ordinária não faz diferença. Porém, o maior problema é que a Lei Ordinária, que deve ser precedida por uma Medida Provisória, costuma ser menos estável e duradoura.
“A legislação complementar traria maior segurança para os fundos de pensão, já que é uma regra mais difícil de ser modificada”, diz a consultora jurídica. Por outro lado, tanto uma MP como uma Lei Ordinária são mais suscetíveis às mudanças conjunturais da política e da economia. “Não dá pra negar que fica um clima de decepção, depois de mais de dois anos de negociações”, sintetiza Ana Maria Martin.
Em declaração apresentada junto com sua sanção, o presidente Fernando Henrique pede ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, que elabore uma proposta para o diferimento do IR das fundações. Além disso, o documento explica que o diferimento não foi mantido no texto legal porque ainda há uma indefinição da ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a imunidade das entidades fechadas referente às reservas já constituídas.
Para Carlos Caldas, a justificativa dada pelo presidente da República não procede, uma vez que a legislação não seria retroativa ao estoque das reservas. “Os especialistas entendem que a briga pela tributação do estoque deve ser decidida no STF e não tem relação com a nova lei”, afirma Caldas. A Abrapp estima que os fundos de pensão possuem cerca de R$ 11 bilhões provisionados, relativos a impostos que devem ser pagos em caso de derrota na Justiça. Há ainda um montante que não está provisionado e que alguns especialistas estimam em aproximadamente R$ 3 bilhões, o que totalizaria algo em torno de R$ 14 bilhões.
A consultora da Mercer também concorda em que, mesmo com a aprovação do diferimento na Lei Complementar, a disputa judicial continuaria de forma independente no STF em relação às reservas constituídas. “Juridicamente, a legislação complementar não teria efeitos retroativos. Porém, se fosse aprovado o diferimento, moralmente ficaria estranho para o governo sustentar a necessidade de tributar o Imposto de Renda passado”, comenta.
A disputa dos fundos de pensão contra o governo no STF caminha para um desfecho. O governo, e mais especificamente a Receita Federal, leva vantagem, pois a votação está 4 X 3 contra os fundos. Ainda falta um ministro votar e as previsões indicam que as entidades fechadas deverão perder a briga.

Regulamentação – Após a aprovação da nova legislação, inicia-se uma nova fase na reforma do sistema de previdência complementar. O Ministério da Previdência e Assistência Social já prepara as propostas para a regulamentação das Leis n.os 109 e 108, essa última regulando a relação entre as estatais e órgãos públicos e seus fundos de pensão. Existem 24 ítens da Lei n.o 109 que ainda precisam ser regulamentados e alguns deles ainda são motivos de preocupação para os representantes dos fundos de pensão.
Uma das principais preocupações gira em torno das regras da portabilidade entre planos fechados e abertos. Os representantes de fundos de pensão e especialistas em previdência fechada defendem que as regras para a transferência não devem ser demasiadamente flexíveis, sob o risco de provocar desequilíbrio em alguns planos. Os planos mais afetados seriam os de Benefício Definido (ler box). “A portabilidade, ainda que necessária, não pode ser muito ampla”, afirma Carlos Caldas.
Outro ponto que gera apreensão é a regra para a capitalização mínima das reservas dos planos de benefícios. A Lei 6.435 permitia que as reservas dos benefícios a conceder pudessem ser capitalizadas ao nível de até 70% das reservas matemáticas. Estudos recentes da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), porém, trabalham com a hipótese de constituição de 100% das reservas dos benefícios a conceder.
Além da portabilidade e da regra de capitalização dos planos de benefícios, outros ítens que os fundos de pensão e suas patrocinadoras devem acompanhar de perto são as regras para o regime repressivo dos dirigentes das entidades fechadas, o resseguro e a transferência de risco e a definição do número mínimo de participantes por fundo de pensão.
A Abrapp pretende elaborar sugestões e participar ativamente desta nova fase da regulamentação. “O ministro Roberto Brant nos assegurou que os representantes dos fundos de pensão seriam ouvidos”, revela Carlos Caldas.

Portabilidade em debate
A permissão da portabilidade entre planos fechados e abertos, proposta através de emenda enquanto o projeto de lei tramitava no Senado no final de abril passado, foi comemorada pelo mercado de previdência aberta e atende a uma antiga exigência do setor. Entretanto, os especialistas em Previdência defendem que a regulamentação da nova legislação deve ter o cuidado de criar regras para impedir desequilíbrios atuariais aos planos fechados já existentes.
Os principais pontos que devem regulamentar a portabilidade são o prazo da carência – ou seja, quanto tempo o participante terá que permanecer em um determinado plano para portar as reservas – e quais serão as regras de transição entre os planos já existentes. Para o consultor em Previdência e ex-presidente da Abrapp, Nelson Rogieri, a regulamentação deveria prever a portabilidade dos recursos integrais em percentuais crescentes de acordo com o tempo de permanência do participante no plano.
O tratamento que vai ser dado para as reservas, especialmente para os planos de Benefício Definido, é outra dúvida que deve ser esclarecida na regulamentação do PL 10. A consultora da William M. Mercer, Sandra Santos, entende que o cálculo que deveria prevalecer para ser feita a portabilidade das reservas entre planos fechados é o da entidade que está cedendo o benefício. “É preciso saber o quanto o participante vai conseguir comprar do novo plano, se uma renda igual ou menor que a que já possuía. Como os planos têm desenhos diferentes, se o participante sair de um plano BD mais generoso que aquele do qual fará parte, estará comprando um benefício menor”, explica.
Para a consultora, a portabilidade deveria ser facultativa aos planos já existentes, uma vez que, se for obrigatória, trará novos custos a esses planos, especialmente aos de Benefício Definido.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ricardo Frischtak, que tem um estudo sobre os impactos da portabilidade no sistema de previdência complementar, entende que a falta de padronização dos planos dificulta a implementação da portabilidade.
O especialista prevê que se for aprovada a regra sem que haja uma regulamentação adequada, a portabilidade deverá estimular a constituição apenas de planos de Contribuição Definida (CD) e favorecer a migração dos planos já existentes para o sistema aberto.
Para o diretor da Itauprev, Osvaldo Nascimento, as fundações que têm planos CD “vão estimular seus participantes a procurar soluções no mercado aberto”. Segundo ele, as fundações cujas patrocinadoras são empresas de porte médio tendem a incentivar a migração para a previdência aberta. “As pequenas fundações já vêm seguindo esta tendência até para reduzir os seus riscos”.