Edição 98
A criação dos regimes próprios de previdência está levando várias prefeituras do país a ter de demitir parte do seu quadro funcional, que tinha sido contratado dentro do regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e a substituí-lo por servidores contratados através de concursos públicos em regime estatutário. Sem isso, a mudança para o regime próprio previdenciário fica inviabilizada.
Grande parte dos municípios brasileiros mantinha um quadro funcional que misturava servidores admitidos pela CLT com outros admitidos pelo regime estatutário, em convivência harmoniosa. Com a definição das regras para a criação dos institutos previdenciários, essa convivência harmônica ficou comprometida.
Pressionados pela necessidade de cortar gastos, a grande maioria das prefeituras quer implantar o regime próprio de Previdência, porque suas alíquotas de contribuição são, em geral, menores do que aquelas cobradas pelo INSS. “Mas tivemos casos de prefeitos que, mesmo depois de termos apresentado os estudos para a criação do fundo de previdência, disseram que não queriam dispensar os celetistas”, diz José Roberto Ferreira, da BB Previdência. “Só que não tem outro jeito: a lei é clara no que diz respeito a quem pode e quem não pode participar do regime próprio, e há penalidades duras na lei para quem a descumprir”.
A BB Previdência conhece como poucos esse terreno. Ela possui uma carteira de 330 clientes da área pública. E, de acordo com Ferreira, um grande número de prefeituras convive com os dois regimes de contratação. “Nós temos explicado a elas que é necessária a realização de concursos públicos para regularizar a situação”, acrescenta.
Um bom exemplo é o da prefeitura de Araruama, no interior do Rio de Janeiro. A nova administração herdou quase 3 mil servidores em situação irregular, de um total de 4,5 mil funcionários. “A outra administração deixou a prefeitura inchada e agora temos que reformular tudo para dar andamento no projeto de transformar o nosso instituto de assistência social num instituto de previdência”, reclama o presidente da entidade, Tasso Ellen.
Desde que assumiu, a nova equipe está trabalhando para colocar ordem na casa. Já enxugou o quadro para 3,7 mil pessoas e, agora, está convocando novos funcionários, aproveitando-se de um concurso que havia sido feito há dois anos.
Já o município de Votuporanga, no interior do estado de São Paulo, por exemplo, tem 50% de seu quadro de 1 mil servidores em regime celetista, sendo que 20% foram admitidos por contrato temporário. O novo secretário de administração do município, José Flávio Figueira, pretende realizar, até meados desse ano, concurso público para poder implementar o seu instituto de previdência, além de contratar algumas novas funções para a prefeitura, como na área de informática.
“Ainda existe muita controvérsia nesse campo da previdência pública. O que se sabe com certeza é que os servidores têm direito à aposentadoria integral, e por isso optamos pelo regime próprio capitalizado; vamos regularizar o quadro de servidores, para deixar tudo arrumado e evitar problemas no futuro”, justifica.
Outro exemplo dessa tendência vem do município de Resende, no Rio de Janeiro. Segundo a secretária de planejamento, Nilda Camargo, já foram dispensados parte dos 800 servidores não-concursados que compunham os quadros da prefeitura. Agora, a cidade prepara um concurso para repor esses postos, além de ter necessidade de ampliar o número de funcionários. “Vamos realizar um concurso porque temos necessidade de médicos e professores, que por enquanto está sendo suprida por funcionários contratados temporariamente”, acrescenta. Resende tem 2,7 mil celetistas concursados e está migrando para o regime estatutário para instaurar seu próprio sistema previdenciário.
Constituição – A obrigação de unificar o quadro de pessoal sob o regime estatutário para criação de regimes próprios, na verdade, é obrigatória desde a Constituição de 1988, mas a sua regulamentação no que tange ao aspecto previdenciário veio apenas em 98, dez anos depois, com a lei nº 9.717. As exceções são para os servidores de cargos de confiança – que variam de mandato para mandato – e para os temporários, que obrigatoriamente devem ser transferidos ao regime geral de previdência. Muitos dos antigos prefeitos, no entanto, fizeram vistas grossas às novas regras e admitiram pessoal sem concurso para funções de caráter permanente.
De acordo com Benedito Passos, responsável pelo núcleo atuarial de previdência da Coppetec (UFRJ), diversos fatores explicam esse quadro de ausência de concursos públicos, entre eles a economia dos gastos na contratação dos funcionários e a possibilidade de favorecer aliados políticos com empregos na administração.
“Para muitas prefeituras, fazer concurso é caro e trabalhoso. Além disso, nos anos anteriores à eleição é comum a contratação com objetivos políticos”, diz Passos. Segundo ele, existem casos nos quais essa situação se arrasta desde a Constituição de 88, devido a falta de fiscalização por parte dos órgãos competentes e a leis municipais incoerentes com a Carta Magna, concedendo direitos não previstos a servidores celetistas.
Outra opção para os municípios se adequarem ao novo arcabouço legal da previdência pública seria adotar o regime celetista apenas para os novos servidores, que seriam contratados como “empregados públicos”. O empregado público é uma nova figura jurídica introduzida pela reforma administrativa viabilizada pela emenda constitucional n.º 19, aprovada em meados de 98. Ele não tem direito à aposentadoria integral e é contribuinte do INSS, como os trabalhadores comuns. Contudo, essa forma de contratação não dispensa a necessidade de realização de concursos.