Edição 156
Apesar de os valores relativos ainda serem uma gota no oceano, os fundos de pensão têm elevado os investimentos em ações de empresas listadas nos níveis de governança corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em setembro de 2004, as fundações destinavam 0,30% de seu patrimônio total, então de R$ 238 bilhões, ao Novo Mercado e ao Nível 2 da Bovespa, que são aqueles que exigem um nível maior de disclosure (divulgação de informações) e de proteção aos investidores minoritários. Em dezembro de 2003, esse porcentual era de 0,23% do patrimônio total, à época de R$ 216 bilhões, segundo dados da Secretaria de Previdência Complementar (SPC).
Traduzindo em valores, as fundações aplicavam R$ 710,7 milhões nas nove empresas listadas nesses níveis, ante os R$ 499,6 milhões que destinavam em dezembro de 2003 às então cinco empresas pertencentes ao Novo Mercado e Nível 2 da Bovespa. Segundo o professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gledson de Carvalho, os números, mesmo que baixos, estão em linha com a quantidade de empresas que aderiram a esses níveis. Ou seja, não seria prudente que as fundações carregassem nesses papéis e ferissem, com isso, a regra nº 1 de todo e qualquer inves-timento: não colocar todos os ovos na mesma cesta.
O professor Gledson, que é um renomado estudioso da governança corporativa no Brasil, considera que essa fotografia sobre o destino dos recursos dos fundos de pensão irá mudar assim que o mercado acionário ganhar mais força. “A minha percepção é de que as aberturas de capital que ocorreram em 2004 não foram esporádicas e sim uma tendência forte. Com isso, e levando-se em conta a possibilidade de migração das empresas do pregão tradicional para os segmentos especiais, as fundações devem elevar seus investimentos nas empresas que adotam princípios de governança”, diz.
Carvalho avalia que os recursos aplicados pelos fundos de pensão nos segmentos especiais em relação ao volume aplicado por eles no pregão tradicional guarda quase que as mesmas proporcionalidades dessa relação considerando-se o volume total da Bolsa. Para as fundações, essa relação era de 30,7%, enquanto que na Bovespa era de 35,9%, em setembro de 2004. Para Carvalho, com o tempo, essa proporção vai se alterar em favor dos níveis de governança.
Tanto que ele acaba de elaborar um estudo mostrando que grande parte das empresas que lançaram American Depositary Receipts (ADR) a partir de junho de 2001 o fez depois de ter aderido aos níveis de governança da Bolsa. O professor diz que, possivelmente, isso pode demonstrar uma estratégia de melhor lançamento da empresa no exterior – teste que será confirmado a partir de outros estudos que o economista já está fazendo e que levam em conta o crescimento da empresa, do setor em que ela está e outras variáveis.
Vilão – Não só o número de empresas listadas nos níveis 1, 2 e Novo Mercado da Bovespa ainda é pequeno para atrair mais fortemente a atenção das fundações, como também a renda fixa – com suas altas taxas de juros – não permite que os investimentos das fundações tomem rumo muito diferente dos papéis do governo, sob pena de as metas atuariais não serem cumpridas. Eliane Lustosa, conselheira do Instituto Brasileira de Governança Corporativa (IBGC), avalia que os fundos de pensão melhoraram muito seu interesse e seus dispositivos de governança corporativa, embora ainda estejam muito focados em renda fixa e em projetos estruturados.
Tanto que na abertura de capital da Natura Cosméticos houve interesse por parte de fundos de pensão de outros países, enquanto no Brasil apenas um fundo teria entrado na operação. Para Eliane, os porcentuais que as fundações destinam de seus recursos de renda variável para o Novo Mercado (0,46%) e para o Nível 2 (0,58%) ainda são muito baixos e podem ser ainda mais se for descontada a participação da Previ, do Banco do Brasil, que, desenquadrada na Lei 3.121, tem hoje mais da metade de seu patrimônio de R$ 60 bilhões aplicado no mercado acionário.
Lustosa, que é ex-diretora-financeira da Petros e atual diretora-financeira do Ponto Frio, avalia que – mais do que participarem dos níveis diferenciados da Bovespa – as fundações estão ajudando as empresas do pregão tradicional da qual são acionistas a criarem valor. Isto porque, explica, muitas dessas empresas não têm liquidez e, ou o fundo de pensão sai da posição com prejuízo, ou tenta agregar valor àquela ação, contratando, por exemplo, Formadores de Mercado e participando das decisões do Conselho de Administração. Em outras palavras, atuando no dia-a-dia da empresa.
“Os fundos de pensão tem porte grande por natureza e, por isso, são grandes investidores capazes de guiar a empresa para o bom caminho. Tenho notado que cada vez mais as fundações estão atuando de forma ativista e contratando gestores que seguem essa linha, como a Dynamo, o Bradesco Templeton e outros”, avalia. Dessa forma, Eliane vê espaço para que haja um crescimento das aplicações das fundações nos níveis diferenciados de gover-nança, porque isso alinhará interesses do investidor e da empresa e dificultará que casos como o da Ambev-Interbrew – no qual a própria Previ perdeu muito dinheiro – ocorram novamente.
Gestores – A Mercer Investment Consulting, que atende a mais de 70 fundos de pensão no Brasil, também acompanha os investimentos desse setor em empresas com boas práticas de governança corporativa. Conforme revela o gráfico acima, o porcentual aplicado no Novo Mercado em relação ao total de renda variável cresceu de 0,09% em março de 2003 para 2,15% em dezembro de 2004.
No Nível 2, as aplicações subiram de 0,16% para 0,80% no mesmo período, ao passo que no Nível 1 passaram de 23,80% para 48,09%. No pregão tradicional, ou seja, onde as empresas não têm o dever de assumir boas práticas de governança, ocorreu o movimento inver-so: as aplicações reduziram de 75,42% do total aplicado em renda variável para 48,96%. Os dados da Mercer foram obtidos a partir de 40 fundos de pensão que tinham aplicações em renda variável.
Segundo o diretor da Mercer Investment Consulting, Thyrso Pizzoferrato, a percepção é de que os gestores – que são contratados para uma gestão ativa que supere o benchmark – estão começando a ver valor e rentabilidade nessas ações. Vale ressaltar, entretanto, que, como o benchmark para renda variável mais utilizado pelas fundações é o IBrX-100, pode ter ocorrido um aumento das aplicações nas ações com diferencial de governança como forma de acompanhar o IBrX-100, já que grande parte dessas ações compõem este índice. Das 47 empresas dos níveis 1, 2 e Novo Mercado, 30 estão listadas no IBrX-100.