Uma fundação renovada | Depois de quase quebrar, fundo de pensão ...

Edição 234

 

A situação era caótica no fundo de pensão Prece. Os dirigentes da fundação e da patrocinadora, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), falavam em um déficit de R$ 500 milhões, mas os representantes dos funcionários acreditavam que o rombo beirava R$ 1 bilhão. Uma auditoria da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) tinha apontado um déficit de cerca de R$ 700 milhões. A situação era bastante desconfortável quando o engenheiro aposentado Nelson Portugal assumiu a direção da fundação em 2007. Passados pouco mais de quatro anos, o Prece parece ter recuperado seu equilíbrio atuarial após um processo de reestruturação que culminou no fim do ano passado em um contrato que garante o repasse de R$ 607 milhões para o fundo.

A reestruturação não consistiu apenas no aporte de recursos para cobrir o déficit. Foi um processo bem mais complexo que incluiu a migração dos participantes para um novo plano de benefícios, com a respectiva segregação dos recursos e a reformulação da área de investimentos da fundação. Hoje a Prece conta com quatro planos de benefícios e um patrimônio que atinge cerca de R$ 2,3 bilhões, já contando as dívidas e aportes extraordinários assumidos pela patrocinadora. “É um fundo de pensão completamente reformulado. Hoje podemos afirmar que conseguimos solucionar o grande desequilíbrio do déficit que arrastamos nos últimos anos”, diz Nelson Portugal, presidente da entidade.

O fundo de pensão contava com dois planos antigos, Prece I e II. O primeiro tinha 29 anos de existência e o segundo, cerca de 10 anos. O déficit vinha com uma evolução crescente até 2007 em ambos os planos, devido a problemas na gestão dos recursos dos dirigentes anteriores. Os problemas geraram até uma auditoria da Previc, que foi apresentada em 2009 e apontava uma lista de irregularidades que tinham provocado um déficit de cerca de R$ 700 milhões. Um pouco antes disso, foi criado um novo plano, o Prece III, na modalidade de Contribuição Definida (CD) pura, mas que foi aberto somente para os novos funcionários contratados a partir de sua abertura. Ou seja, era um plano que não se propunha a solucionar o desequilíbrio dos mais antigos, mas apenas não colocar os novos participantes junto com os anteriores.

Mais aportes – Para solucionar o déficit dos planos Prece I e II, o fundo de pensão e a patrocinadora fizeram um estudo que indicava que tanto os participantes quanto a Cedae teriam que aumentar os aportes em 4,3 vezes. Ou seja, para aquele que contribuía com um aporte mensal de R$ 100, o valor seria elevado para R$ 530.

Evidentemente, não era uma saída viável para ser apresentada aos funcionários, apesar do fato que a legislação previa que uma das alternativas para solucionar déficits era o compartilhamento do desequilíbrio entre patrocinadora e participantes”, explica o presidente do Prece. Por isso, foi desenhada uma nova proposta que pretendia induzir a migração dos participantes dos planos antigos para um novo, por meio da concessão de incentivos.

Depois de alguma discussão com representantes dos participantes, com muitos desentendimentos e contestações, um novo plano de Contribuição Variável (CV) foi aprovado no Previc em janeiro de 2011. Durante o primeiro semestre do ano passado foi realizado um processo de migração bem-sucedido que conseguiu promover a mudança de 64% dos participantes para o plano CV. O processo não foi tranquilo, pois houve até questionamento na Justiça. Mas ao final, o fundo de pensão e a Cedae conseguiram derrubar os impedimentos legais e confirmaram a legitimidade da migração. No novo plano, os participantes tiveram que aumentar os aportes em 100%, ou seja, quem contribuía com R$ 100, por exemplo, passou a aportar R$ 200.

O plano de contribuição variável serviu apenas para a migração dos participantes dos planos antigos. Por isso, o Prece CV hoje está fechado para novos contratados da Cedae, que têm a opção de aderir unicamente ao Prece III, que é do tipo CD.

“O mais importante é que a patrocinadora se comprometeu a aportar uma quantia de R$ 607 milhões, referente aos incentivos migratórios, que está sendo amortizada em seis anos”, afirma Nelson Portugal. Com a reestruturação dos planos, foi realizado simultaneamente um processo de segregação dos recursos em fundos de investimentos em cotas (FICs). Para isso, a área de investimentos passou por uma reformulação para atender o novo sistema de cotas no qual os recursos dos participantes também ficam segregados. “Acabamos com o antigo sistema mutualista e reestruturamos toda nossa área de investimentos”, conta o presidente do Prece.

O equacionamento do déficit do fundo de pensão faz parte de uma série de ações que a Cedae vem realizando nos últimos dois anos para se tornar uma empresa considerada de alto nível de governança. O projeto que leva o nome de “Mude com a nova Cedae” tem o objetivo de melhorar a imagem da companhia junto aos investidores. Parece que o programa começa a colher alguns frutos. A Cedae promoveu recentemente a captação de recursos por meio de dois fundos, um deles imobiliário, para a construção de uma nova sede. O outro fundo captou mais de R$ 1 bilhão no fim do ano passado (veja mais no quadro). A solução dos problemas com o fundo de pensão é um dos aspectos que ajudam a melhorar a governança da companhia no mercado.

Investimentos – Depois do equacionamento do déficit, o Prece implantou um novo sistema de gestão de recursos a partir de novembro do ano passado. Os planos I, II e III e o novo CV foram segregados em cotas, conforme os padrões exigidos pela legislação e pela Previc. À medida que forem ingressando os recursos para os planos, serão contratados novos gestores para a renda fixa e variável. Cerca de 70% dos recursos do fundo de pensão ficaram com o plano CV, e os outros 30% ficaram divididos entre os demais planos.

O plano de contribuição variável conta ainda com um sistema de cotas individualizadas para cada participante. Para o futuro, o fundo de pensão estuda a possibilidade de implantação do sistema de escolha dos perfis de investimentos pelo participante. A custódia dos investimentos, que até 2009 era realizada pelo Itaú, passou para o Santander. Atualmente, os ativos estão aplicados 20% em renda variável e o restante em renda fixa, mas a intenção é promover um processo de diversificação dos investimentos. “Estamos estudando a ampliação das aplicações em operações estruturadas além da diversificação dos fundos de renda fixa e variável, com a contratação de novos gestores”, revela Portugal.

Para acompanhar as mudanças, o quadro de pessoal da fundação está passando por um processo de qualificação. Uma das iniciativas nesse sentido foi a realização de um curso de especialização em previdência privada para 45 profissionais do Prece, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Por enquanto, o fundo de pensão não pensa em ampliação de seu quadro. A área de investimentos continua sob o comando do diretor Milton Lebons (ex-Caixa Econômica Federal), que veio para o Prece junto com o atual presidente em 2007. Outra novidade foi a implantação de um comitê interno de auditoria, que começou a funcionar no segundo semestre de 2011, com a função de incentivar o aprimoramento da governança do fundo de pensão.

Fundação investe em Fidc da patrocinadora

A Cedae realizou uma operação de captação por meio de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (Fidc) em dezembro passado. Foram captados R$ 1,14 bilhão em recursos que serão utilizados para o abatimento de uma dívida com a União. A operação foi considerada de baixo risco ao receber a nota AA da Fitch Standand & Poor’s. Seu fundo de pensão, o Prece, adquiriu cotas no valor de R$ 28 milhões, que era o limite máximo permitido pela legislação (CMN 3.792).

O retorno da aplicação é de IPCA mais 8,5% ao ano, em um prazo de cinco anos e meio. “Decidimos aplicar no fundo do Cedae pois o retorno era bem acima de nossa meta atuarial e, além disso, a nota de rating era bastante favorável”, diz Nelson Portugal. O dirigente revela que o Prece pretende ampliar a exposição ao segmento de fundos estruturados e está estudando a aplicação de recursos em fundos de participações em empresas (FIPs) e imobiliários (Fiis). O aumento das posições em operações estruturadas é uma alternativa para enfrentar a tendência de queda nas taxas de juros dos títulos públicos, além de fugir da alta volatilidade do mercado de ações.