Um bom ano para os fundos de pensão | Os resultados do ano passad...

Edição 143

Tudo conspirou a favor dos fundos de pensão em 2003. Como se não bastassem os avanços na regulamentação do sistema, com o surgimento, por exemplo, dos fundos de instituidores, e a melhoria do relacionamento com o governo federal, mais especificamente com a Secretaria de Previdência Complementar, as fundações também estão comemorando os excelentes desempenhos de seus investimentos no ano passado. A média de rentabilidade global das carteiras foi de 31,89%, segundo informações dos clientes da Mercer Investment Consulting, a melhor desde 1999 (ver quadro).
Se o mercado fosse um mapa astrológico, todos os astros ocuparam posições favoráveis aos investimentos. A renda fixa começou o ano batendo a casa dos 26% e permaneceu em nível elevado até o último trimestre. Mesmo quando houve um corte nas taxas de juros já no final de 2003, as carteiras das fundações foram beneficiadas com as posições assumidas em papéis prefixados, principalmente os indexados a índices de inflação. Estes títulos foram beneficiados com um ágio devido à queda nos juros. A renda variável apresentou rentabilidade média ainda mais expressiva com o estouro das bolsas no ano passado.
Com esta conjugação de fatores, as carteiras das fundações renderam em média 24,94% na renda fixa e nada mais nada menos que 75,15% na renda variável, ainda considerando as informações da Mercer. “O resultado de 2003 superou até as expectativas dos mais otimistas”, afirma Lauro Araújo, diretor da Mercer Investment Consulting. Até o fechamento desta edição a Secretaria de Previdência Complementar ainda não havia recebido os dados das rentabilidades dos fundos de pensão em 2003.
Os resultados positivos do ano passado representaram um alívio para os gestores de fundos de pensão que vinham acumulando fracos desempenhos nos três anos anteriores. “Foi um resultado importante pois em 2002 quase ninguém tinha conseguido bater as metas atuariais”, revela Lauro Araújo. Em compensação, no ano passado até para os fundos que ficaram parados na renda fixa conseguiram boas rentabilidades. “A maioria das fundações bateu suas metas em duas ou três vezes em 2003 e puderam reverter os resultados insatisfatórios dos anos anteriores”, diz Antônio Jorge da Cruz, diretor de investimentos da Abrapp e superintendente da Previma. Quem estava com déficit conseguiu reduzir ou até mesmo gerar superávit. Quem já tinha superávit, ampliou ainda mais suas reservas.

Valia – Um dos destaques entre os fundos de pensão foi a Valia, da Vale do Rio Doce, que chegou a um superávit de R$ 1,1 bilhão no fechamento de 2003. O superávit foi obtido com a excelente rentabilidade nominal de 37,96% alcançado no ano passado. O resultado foi puxado pelo rendimento da carteira de renda variável que bateu 91%, com destaque para a operação de venda da participação que o fundo detinha na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A Valia arrecadou cerca de R$ 450 milhões com a venda de metade da posição que tinha em CSN. Com os recursos obtidos com esta operação, a Valia ampliou sua participação em renda variável ainda no primeiro semestre de 2003 e participou da expressiva subida da bolsa na segunda metade do ano.
Ainda no segundo semestre de 2003 a Valia realizou outra grande operação que rendeu bons frutos com a venda das cotas do fundo de participação dos empregados em ações da Vale. A fundação vendeu toda sua participação, 20% das cotas, em uma operação que movimentou cerca de R$ 200 milhões. Na renda fixa, a estratégia básica procurou manter a meta de alongar os vencimentos da carteira. “Tínhamos uma carteira em 1999 em que a média dos vencimentos dos papéis era de apenas 300 dias e atualmente esta média já é de 1.200 dias e queremos ainda mais”, revela Manoel Cordeiro, diretor de investimentos e finanças da Valia.
Outra fator que puxou a rentabilidade global da Valia para cima foi o resultado de sua carteira de imóveis que registrou rentabilidade de 18,2% em 2003. “A reestruturação de nossa carteira imobiliária reduziu a idade média de nossos imóveis de 17 anos para 7 anos e melhorou consideravelmente nossa rentabilidade neste segmento”, conta Cordeiro.

Mudanças na tábua – Devido ao expressivo superávit, a Valia constituiu um fundo de reserva que, entre outras finalidades, pode servir para modernizar a tábua atuarial utilizada pelo plano de benefícios. “Como queremos que nosso participante viva entre 110 e 130 anos, estamos pensando em adotar uma tábua de mortalidade mais atual”, brinca Manoel Cordeiro. O assunto ainda está em fase de estudos pelos técnicos do fundo.
Outra fundação que está estudando a modernização da tábua atuarial em função da folga permitida pelo superávit é a Eletros, da Eletrobrás. Depois de alcançar uma rentabilidade de 30,19% no ano passado, o fundo acumulou um superávit de R$ 93 milhões. “Estamos estudando a substituição da tábua utilizada atualmente, a AT 49, por uma mais moderna”, revela Márcio Cavour, diretor financeiro da Eletros. O estudo ainda está sendo preparado pela área interna de atuária do fundo em conjunto com o atuário externo, José Roberto Montello.
O destaque da Eletros no ano passado foi a rentabilidade de sua carteira interna de renda variável, que rendeu 84%. A fundação administra internamente cerca de 80% da renda variável e 20% externamente. No início de 2003, o fundo mantinha 3 gestores externos para a renda variável, mas nenhum deles conseguiu bater o benchmark estabelecido de IBX mais 2% ao ano. No final do ano, a Eletros decidiu dispensar um dos gestores. Com a valorização, a carteira de ações da Eletros chegou a atingir 23% do patrimônio, até que houve uma realização de lucros no final do ano, o que fez com que a exposição a este tipo de ativo caísse para 18%.

Contribuição menor – O superávit também está causando reflexos no plano de outro fundo de pensão, o Instituto Metrus, do metrô de São Paulo. O resultado obtido no ano passado, permitiu que o fundo reduzisse as contribuições dos participantes do plano de benefício definido em 8%. A redução compensou e superou o aumento de 5% que havia sido definido no ano anterior em virtude de déficit. “O superávit fez com que compensássemos o aumento do ano anterior e ainda deu para constituir um fundo para cobrir as reservas necessárias para a implantação dos novos institutos de portabilidade e benefício proporcional diferido”, explica Fábio Mazzeo, presidente do Metrus.
O fundo de pensão do metrô alcançou rentabilidade recorde em 2003 desde o Plano Real, em 1994. A rentabilidade da carteira total em 2003 foi de 27,91%, o que representou 18,8% acima da meta atuarial que é de IGP-DI mais 5%. Apesar da fundação não ter obtido um resultado tão expressivo em termos de rentabilidade nominal se comparada a outros fundos, o desempenho foi avaliado satisfatoriamente em função dos estudos de ALM implantados no fundo. “Fizemos um ALM para 30 semestres e o resultado do ano passado foi excelente, pois superou com folga nossa meta da política de investimentos que é de IGP-M mais 8% ano”, diz Mazzeo.
Outra fundação que registrou recorde histórico foi a da CEEE. O fundo de pensão conseguiu 28,1% acima do INPC, que ficou em 10,38%. O resultado foi alcançado graças a uma combinação de fatores cujo principal evento foi o aumento da exposição em renda variável quando a bolsa estava próxima dos 10 mil pontos. “Neste momento foram aplicados cerca de R$ 100 milhões em renda variável e depois com a subida da bolsa, foi realizado o lucro”, explica o diretor financeiro
da Fundação CEEE, Miguel Rui
Bortolotto.
Apesar das comemorações dos resultados, os fundos de pensão não estão iludidos com a facilidade de bater as metas no ano passado e prevêem que neste ano de 2004 o mercado estará muito mais desafiador. Por isso, já estão adotando novas estratégias para tentar superar suas metas (ver box).

2004 não será tão fácil
Se em 2003 não tinha jeito de não bater a meta atuarial, mesmo para quem ficasse parado na renda fixa, neste ano a situação mudou drasticamente. Apesar de continuarem altos para os padrões internacionais, neste ano os juros já não são tão atrativos como no início do governo Lula e as bolsas apresentam riscos cada vez maiores. Para piorar um pouco, o ano já começa com uma crise política, com o escândalo no governo federal envolvendo o nome do principal ministro do governo, o chefe da casa civil, José Dirceu.
Para a fundação conseguir bater novamente suas metas atuariais neste ano há inúmeras recomendações, mas uma coisa é certa: bons resultados vão depender de assumir posições mais ativas e arriscadas. “A gestão precisa ser mais ativa, é necessário trocar mais de posições, ser mais criativo e ágil para conseguir melhores ganhos”, indica Paulo Augusto Certain, superintendente de gestão de fundos da Unibanco Asset Management. O gestor recomenda também a diversificação gradual dos investimentos em novas modalidades de aplicações, tais como os fundos de direito creditório e os fundos multimercado com papéis cambiais.
A equipe da Eletros está estudando a possibilidade de investir em fundos de direitos creditórios e em certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). “Estamos analisando mas, de qualquer forma, se investirmos nestas aplicações entraremos inicialmente com baixos recursos, pois temos uma tradição conservadora”, diz Márcio Cavour, diretor financeiro do fundo.
O Metrus vai mais longe, pois além de estudar os CRIs também analisa o investimento em educação, mais especificamente na Universidade de Guarulhos (Ung). Outra aplicação que deve ser fechada é o investimento no Shopping Tatuapé, em São Paulo. Outra alternativa é a aplicação no private equity de governança que está sendo montado por um grupo de fundos de pensão liderados pela Petros. De qualquer forma, os investimentos considerados alternativos também não devem ultrapassar 8% do patrimônio do Metrus.
A grande questão, porém, é o nível de exposição dos fundos de pensão em renda variável. Neste ponto há estratégias e atitudes bastante diferenciadas. “Com a redução da taxa de juros, os capitais começam a se voltar para a área produtiva. Pretendemos seguir esta tendência, investindo em empresas com potencial de crescimento”, explica Miguel Bortolotto, diretor financeiro da CEEE.
Esta posição também é compartilhada por Manoel Cordeiro, da Valia que planeja aplicar mais 5% do patrimônio em renda variável para este ano, o que representa cerca de R$ 250 milhões.
Já o consultor da Mercer, Lauro Araújo recomenda que os fundos de pensão não devem mexer na exposição à renda variável. “A bolsa não está valendo a pena pois os riscos são altos e não deve valorizar muito neste ano”, prevê.