Edição 109
Nada menos de 70 dirigentes sindicais espremeram-se, na última semana de novembro, na sede paulista da Central Única dos Trabalhadores (CUT), localizada num prédio do velho bairro do Brás, para discutir um tema estranhamente virgem entre eles: a relação entre sindicalismo e fundos de pensão. O buraco da previdência pública, notório para todos que possuem uma carteira de trabalho assinada, jogou um novo foco de interesse sobre a discussão da previdência complementar, tanto para sindicalistas representantes de trabalhadores da iniciativa privada quanto dos funcionários públicos.
Os preparativos do encontro foram cercados de cuidados especiais, como o convite a um especialista norte-americano da Center of Working Capital, órgão da poderosa central dos trabalhadores dos EUA, a AFL-CIO, para falar sobre os fundos de pensão e sua relação com os sindicatos e os trabalhadores. Joel Solomon, nome do especialista norte-americano, admitiu que nos EUA os dirigentes de fundos de pensão têm pouco contato com os trabalhadores. “Raramente eles se comunicam com os sindicatos, os quais, por sua vez, nem sabem quem são os dirigentes dos fundos. Ainda temos muito a fazer no sentido de superar isso”, reconhece Solomon (ver entrevista na página 12).
Cerca de um mês antes do encontro da CUT, denominado “Sindicalismo e Fundos de Pensão”, os brasileiros Sérgio Rosa (diretor da Previ) e Wanderley José de Freitas (consultor da Gushiken & Associados) estiveram nos EUA visitando as instalações da AFL-CIO para conhecer de perto como os trabalhadores norte-americanos lidavam com o tema. “Eles têm muito a nos ensinar”, afirma Freitas.
Uma das questões mais debatidas pelos sindicalistas brasileiros foi a questão da migração de planos de benefício definido (BD) para contribuição definida (CD). Nos EUA, essa discussão vem sendo exaustivamente tratada há anos, mas nem por isso é um assunto esgotado. As críticas de vários sindicatos de lá persistem, dizendo que a migração joga o futuro dos trabalhadores num ambiente de incerteza, com a aposentadoria dependendo exclusivamente dos rumos do mercado financeiro.
No Brasil, a discussão é mais ou menos a mesma. “A migração é um engodo que, além de sucatear o benefício previdenciário, precariza o sistema na medida em que ele deixa de ser tão atrativo”, resume Freitas. Representantes de trabalhadores, sindicalistas, advogados e consultores levantaram as vulnerabilidades da proposta de migração e defenderam no seminário a criação de um novo cenário de negociação, permitindo a construção de um plano a quatro mãos.
Na opinião do diretor de relações jurídicas da Associação Nacional dos Participantes (Anapar), Antonio Bráulio de Carvalho, a maioria dos processos de migração está apenas resolvendo o problema das patrocinadores e transferindo a fatura para os participantes. Segundo ele, esses processos transferem toda a responsabilidade futura aos participantes, sem melhorar o benefício e sem oferecer garantias adicionais. Em alguns casos, eles até obrigam os participantes a arcar com o saldamento do passivo trabalhista da patrocinadora. “A migração é feita sem nenhum centavo das patrocinadoras ou do Governo. É dinheiro dos próprios participantes, inclusive para financiar os chamados incentivos aos assistidos, outra aberração”, afirma Carvalho.
Para Freitas, a proposta é altamente interessante para as patrocinadores, que conseguem ter uma total previsibilidade em relação aos seus custos e continuam com o controle estratégico das carteiras. Ele aconselha os que não aceitarem a migração a procurar a justiça, mesmo que isso possa colocar o seu futuro previdenciário à mercê de uma decisão judicial, que pode levar anos. “Essas ações não interessam aos acionistas das patrocinadoras. Ações desse tipo, pleiteando valores expressivos, dificultam a busca de investimentos e investidores pela empresa. Assim, ações judiciais podem colocar a empresa na defensiva e levar a negociações legítimas. Temos que ter concessões recíprocas e equivalentes, ou teremos alguém ganhando e alguém perdendo.”
Segundo o secretário de Previdência Complementar, José Roberto Ferreira Savóia, a discussão travada entre os sindicalistas é perspassada pelo viés ideológico. “Sempre existiu, por parte da Secretaria de Previdência Complementar, uma preocupação em respeitar os direitos dos participantes. O que existe é uma posição ideológica contrária a qualquer migração, que não podemos aceitar, porque o fundo de pensão não deve ser o espaço para as convicções ideológicas ou político-partidária. Não vamos compactuar com isso”, conclui.
Além da questão da migração, os sindicalistas debateram a necessidade de uma maior presença dos trabalhadores nos conselhos dos fundos de pensão, o papel dos sindicatos frentes às reformas previdenciárias e aos fundos de pensão no mundo globalizado, o papel do Estado na fiscalização e normatização dos fundos e a ética com responsabilidade social nos investimentos dos fundos de pensão.
Segundo o diretor de participações da Previ, Sérgio Rosa, a CUT decidiu formar um grupo de trabalho para acompanhar a questão de um código de conduta dos investimentos dos fundos de pensão. Além disso, a entidade deve começar a discutir a viabilidade de instituir um fundo de pensão a partir das entidades sindicais nos próximos meses.
SPC e AGU preparam defesa no caso Petros
A Advocacia Geral da União, AGU, iniciou dezembro empenhada em cassar liminar do Juiz Federal da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dr. Charles Renaud Frazão de Moraes, que suspende o processo de migração do plano de BD para CD promovido pela Petros. O mandado de segurança contra a Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Petrobrás e Petros foi obtido pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Destilação e Refinação de Petróleo de São Paulo, São Caetano do Sul, Barueri, Guarulhos, Gurararema, Suzano, Ribeirão Preto, Senador Canedo, Goiânia e Brasília.
Pelas contas da empresa, cerca de 27 mil dos 86 mil participantes já haviam aderido, 24 mil dos quais assistidos e pensionistas. O secretário José Roberto Ferreira Savóia, da SPC, foi arrolado pela justiça para explicar as razões para a migração. “Temos total tranqüilidade que o plano foi apresentado e analisado respeitando os direitos dos participantes”, diz o titular da SPC. A diretora de investimentos da Petros, Eliane Lustosa, ressalta que a migração é voluntário e preserva todos os direitos do plano anterior. “Vamos esclarecer os pontos que foram trazidos com uma visão unilateral. Temos boa chance de, rapidamente, conseguir sucesso na retomada do processo de migração, que é fundamental para a Petrobras e a Petros”, disse ela à Investidor Institucional.
O advogado da causa do Sindicato, Luiz Antônio Castagna Maia, entende que a implantação do CD na Petros “é uma forma de oficializar o calote” da dívida da Petrobras com o fundo, de R$ 7 bilhões. “É uma omissão histórica”, insiste. Eliane explica, contudo, que a Petrobras reconheceu no seu balanço, no início da atual gestão do fundo, há dois anos, a dívida anterior a 1970, ano em que o fundo foi criado, e que não foi aportada ao fundo. “A empresa entendeu que poderia aplicar melhor esses recursos fora do fundo”, diz Eliane, segundo a qual a dívida estaria em R$ 5,3 bilhões.
A empresa concluiu em julho uma operação para saldar a dívida por ela reconhecida e entregou ao Tesouro títulos recebidos no processo de privatização das subsidiárias Petroquisa e Gaspetro, as NTN-P. Em troca, a Petros receberá papéis do Tesouro (as NTN-B). Para Eliane, a Petrobras está pagando a dívida com títulos que casam com o meta atuarial da Petros, que está sendo alterada de INPC para IPCA. “Os títulos são adequados ao perfil para fazer hedge da carteira.”
Quanto à migração, Eliane assegura que a Petros está aportando recursos de maneira voluntária, incentivando os aposentados a migrarem. Segundo ela, os aposentados vão ganhar “líquida e certo” a rentabilidade do IPCA. “Com isso, deixam de depender da política de RH da Petrobras. Por outro lado, podem entrar na justiça e buscar algo mais, se desejarem.”
Já os ativos têm duas opções: migrar com reserva matemática ou com benefício saldado. Na reserva matemática, o mesmo estoque que já tem de recursos vai passar a render de acordo com a rentabilidade do plano CD. Na opção de migrar com o benefício saldado, o participante amarra o beneficio do estoque em IPCA.
Bandeira adiada
“A previdência complementar ainda não está na ordem do dia para a maioria dos sindicatos brasileiros. São 90 milhões de trabalhadores e apenas 2,3 milhões participam dos fundos fechados”, analisa José Ricardo Sasseron, presidente da Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão, a Anapar. Segundo ele, que também é diretor de assuntos jurídicos do Sindicato dos Bancários de São Paulo, essa apatia explica-se pela origem dos fundos de pensão no Brasil, que nasceram mais como uma concessão por parte da empresa do que como uma conquista dos trabalhadores.
Para Antonio Bráulio de Carvalho, diretor de relações jurídicas da Anapar, a discussão sobre os fundos de pensão ainda é nova entre os trabalhadores e tem de ser apropriada pelo movimento sindical, como uma bandeira. “O dinheiro dos fundos de pensão é um dinheiro do trabalhador, e precisamos fazê-los entender isso. Talvez pela forma como o país foi colonizado não nos sentimos donos de nada, nem do FGTS e nem dos fundos de pensão”, diz.
Ao final do evento foram elaboradas várias propostas, entre elas a largada, já em fevereiro próximo, de cursos para formadores de dirigentes eleitos de fundos, além de um curso de formação de formadores – monitores que tenham condição de administrar cursos. “Temos hoje 36 fundos que vão ter conselheiros e fiscais deliberativos eleitos em todos os fundos e nos novos que surgirem. É o momento de a Cut e os próprios participantes se prepararem para isso”, avisa Sasseron.
Também ficou decidido que a CUT vai sugerir aos sindicatos afiliados a inclusão, nas minutas das reivindicações salariais, a questão da previdência complementar, e que os governos estaduais insiram a matéria sobre previdência pública e previdência complementar no currículo do ensino fundamental.