Tempo quente em Sauípe

Edição 160

Em meio à maior crise política do PT, fundo de pensão do Banco do Brasil debate a responsabilidade social corporativa no Encontro de Conselheiros 2005

Quieto e discreto como de costume, o presidente da Previ, Sérgio Rosa, passou os três dias de um encontro que reuniu cerca de 200 conselheiros da fundação no resort Costa do Sauípe, litoral baiano, ainda mais reservado. Ele tinha razões para isso, uma vez que o nome do partido que o indicou à direção da entidade estava aparecendo diariamente nas manchetes dos jornais em temas nada dignificantes, como o pagamento de mensalão a deputados da base governista. Nesse clima, Rosa acendeu praticamente um cigarro após o outro durante o evento, mas evitou comentar a crise: “o próprio mercado não demonstrou grandes alterações e as perspectivas permanecem positivas”, disse.
A resposta, no entanto, foi dada antes da entrevista do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 20 de junho. Questionado sobre quais seriam “as jóias da coroa” da administração federal que “operam para a cúpula do PT”, Jefferson citou enfaticamente os fundos de pensão. “A hora em que o Brasil parar para ver o que está acontecendo em fundo de pensão… Lá circula dinheiro vivo”, acusou. Dez dias depois, em depoimento à Comissão de Ética do Congresso, Jefferson recuou e disse que a fala tinha sido “apenas intuitiva”. Seja como for, bravatas como essa, e que já vinham sendo ditas, podem ter ajudado a esfriar o clima em Costa do Sauípe.
Durante coletiva de imprensa, até o tema anteriormente mais evitado pela diretoria da Previ – o acordo entre fundos de pensão e Citigroup na Brasil Telecom – virou refresco. Sem acrescentar muito ao que já é público e notório, Rosa apenas enfatizou que a Previ tem, de fato, a prioridade em sair da empresa e que a Telecom Itália é a candidata natural para a compra. Mas, caso o negócio não seja concretizado, a fundação não vê com maus olhos o desafio de ter de assumir o controle da empresa e encampar a sua reestruturação – assim como está fazendo com Paranapanema (veja matéria à página 30), Brasil Ferrovias, Hopi Hari, Ponta do Félix, Tupy e Neoenergia (ex-Guaraniana). Menos mal, pois esse poderá mesmo ser o destino da empresa, já que no final de junho o presidente da Telecom Itália, Paolo dal Pino, disse que cansou da batalha.
Rosa também tocou em outro assunto delicado: a reava-
liação econômica das empresas que a Previ tem participação e que não estão listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O ano passado foi a vez da Litel – acionista da Valepar, a holding que controla a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) –, cujo acréscimo de R$ 3,4 bilhões no seu valor ajudou a Previ a bater quase R$ 10 bilhões de superávit naquele ano. E esta sobra de dinheiro, informou Rosa, poderá ser usada para o agravamento das tábuas de mortalidade ou mesmo para resolver a pendência da Parcela Previ – isso, se o Fundo Paridade, no valor de R$ 5,5 bilhões, não for liberado judicialmente para esse fim.
Para este ano, outras duas empresas estão na lista da reavaliação econômica da fundação: Neoenergia e Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). Rosa explicou que esse processo é muito caro e, por isso, é feito só de dois em dois anos. Além disso, é sabido que podem resultar em um valor inferior ao contabilizado anteriormente, como foi o caso do próprio empreendimento Costa do Sauípe. Desde a sua aquisição, o complexo baiano estava registrado pelo valor original do investimento, cujas premissas de rentabilidade mostraram-se bem distantes da realidade. Baseada na expectativa de geração de fluxos de receita futuros, Costa do Sauípe sofreu redução de R$ 130,5 milhões.

Conselheiros – Alheios à movimentação política, os conselheiros de Administração e Fiscal das empresas das quais a Previ tem assento debateram durante o encontro temas como a responsabilidade social corporativa. Foco principal do evento, o assunto foi introduzido em palestra de Olinta Cardoso e Maurício Reis, ambos da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Este citou, por diversas vezes, a Natura como um exemplo de sucesso em boa governança e gestão ambiental. O que ele não sabia é que apenas um fundo de pensão brasileiro entrou na oferta pública de ações da companhia, realizada o ano passado.
“Talvez não tenha havido tempo suficiente para as fundações entrarem”, justificou ele, a posteriori. A própria Previ, por exemplo, foi uma das que ficaram de fora dessa oferta – atitude, porém, respaldada no seu conhecido desenquadramento em renda variável. Não fosse isso, possivelmente a Previ teria entrado na oferta. Haja vista a firme posição do diretor de investimentos da fundação, Luiz Carlos Aguiar, de que os fundos de pensão estão ficando para trás. “E eu tenho falado isso com toda a honestidade para os meus colegas”, disse, lembrando que as fundações compraram apenas 6% das ofertas públicas de ações em 2004.
“Título público não vai pagar bem para sempre. Não sei que diabos de ALM [Asset Liability Management] os fundos de pensão com planos de Benefício Definido estão fazendo. Como eles projetam altas taxas de juros para 50 anos? Em qualquer cenário, a economia real irá crescer a longo prazo. E a visão dos fundos deveria ser igual a dos empresários”. E ele foi mais longe. “Quando as fundações acordarem para isso, eu [Previ] vou estar do outro lado só oferecendo papel e vai todo mundo sair comprando ao mesmo tempo”, previu.

Casos – Uma das palestras mais concorridas foi a do diretor de participações da Previ, Renato Chaves, que relatou algumas das curiosas situações vivenciadas nos Conselhos em plena era de “consolidação do mercado de capitais”, como defendeu o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade, também presente ao encontro. A lista de cases é grande e passa pelo sistemático boicote do acionista controlador às reuniões trimestrais do Conselho Fiscal chegando ao pagamento incorreto de Juros Sobre Capital Próprio (JSCP) por parte das empresas.
Em 2004, disse Chaves, de 29 companhias abertas (das quais 11 listadas no Ibovespa) apenas oito pagaram de forma correta o JSCP; sete pagaram com cálculo divergente do estatuto; outras sete com imputação menor que o dividendo obrigatório; e mais sete com imputação maior que o dividendo obrigatório – este, “o erro mais preocupante”, avaliou ele. Na platéia, assistia à apresentação a superintendente de empresas da Bovespa, Maria Helena Santana.
Outro ponto alto do encontro foram as votações interativas da platéia. Além de os conselheiros terem escolhido que o encontro em 2006 deve se repetir em Costa do Sauípe, chamou a atenção outros resultados, como o que revelou que 49% dos conselheiros presentes na votação não sabiam ou não percebiam melhorias nas cotações das ações da empresa em que atuam após a adoção de alguma prática de governança corporativa. Ou o que demonstrou que para 55% dos presentes não existia na empresa em que atuam comitê de governança corporativa ou algo similar. Outros 12% informaram que não sabiam responder à questão.
A maioria esmagadora (92%) também informou que a empresa não viabiliza treinamento aos conselheiros de forma igual ao que faz com os demais administradores da empresa. E 53% dos presentes revelaram que o Conselho não se reuniu com auditores independentes para revisar a carta de recomendações (NBC-T 11) referente ao exercício anterior e ao plano de trabalho para o exercício em curso. Além disso, 58% dos votantes disseram que o Conselho Fiscal também não se reuniu com representantes da diretoria e do Conselho de Administração para colher subsídios às prioridades dos exercícios.
Mas as votações também apresentaram avanços. A maioria respondeu “sim” à perguntas como: se os conselheiros fiscais exerciam junto ao Conselho de Administração e à diretoria interação para o bom funcionamento do órgão; se a companhia facilitava o acesso do conselheiro fiscal às informações de uso restrito necessárias ao desempenho de suas funções; e se o conselheiro visitou as principais unidades da companhia visando conhecer os aspectos práticos da operação. Os conselheiros presentes também informaram que tomam conhecimento dos relatórios da auditoria interna (65%) e que o Conselho de Administração confronta o retorno dos investimentos com o inicialmente projetado (87%).
* Andréa Cordioli – a editora executiva viajou à Costa do Sauípe (Mata do São João/BA) a convite da Previ.