Edição 358
A maior parte dos fundos de pensão conseguiu superar sua meta atuarial com alguma folga durante o primeiro semestre de 2023. A performance é resultado de uma combinação de inflação e juros futuros em queda com a valorização das ações na Bolsa, que contribuiu para que a primeira metade do ano tenha sido um período de retornos acima das obrigações atuariais das fundações.
Segundo levantamento feito pela consultoria Aditus, baseado nos resultados de 120 fundos de pensão com R$ 300 bilhões em investimentos, entre janeiro e junho deste ano as carteiras de investimento do grupo tiveram uma rentabilidade positiva de 6,3%, contra uma meta composta pela variação do INPC mais uma taxa de 4,40% ao ano, que correspondeu a 4,9% no intervalo.
Para o sócio da Aditus, Guilherme Benites, o bom desempenho dos mercados se deu em especial a partir do segundo trimestre do ano. Ele lembra que, após um início de ano mais turbulento, com sinalizações locais de falta de coordenação do governo na economia e um ambiente global de cautela com a alta de juros nos EUA, a partir de meados de abril a situação teve uma melhora significativa. O governo conseguiu avançar com pautas caras aos investidores, como o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária, enquanto lá fora o temor com o aperto monetário do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) e o risco de recessão se reduziu. “A incerteza no início do ano era muito alta. À medida que algumas dessas incertezas começam a sair do horizonte, o prêmio de risco embutido nos preços dos ativos passou a diminuir”, diz Benites.
O especialista acrescenta que o cenário mais benigno, tanto global quanto local, abriu espaço para a melhoria nas projeções para o desempenho da economia brasileira por parte dos agentes financeiros, que também passaram a ver uma pressão inflacionária perdendo ímpeto, o que abre espaço para a queda de juros pelo BC (Banco Central).
Como resultado da evolução do quadro macroeconômico, os juros futuros, que embutem as expectativas para os rumos da política monetária, tiveram queda acentuada, com consequente melhora nos preços das ações na Bolsa. Nesse sentido, o Ibovespa encerrou o semestre com alta de 7,6%, enquanto o IMA Geral, que reflete a carteira de títulos públicos marcados a mercado, avançou 8,6%. Benites estima que cerca de 70% das fundações atendidas pela consultoria conseguiram bater a meta no semestre.
A Funpresp-Exe terminou o primeiro semestre de 2023 com rentabilidade de 8,22% para a carteira consolidada dos investimentos, bem acima do índice de referência de 4,91% para o semestre (4% a.a. mais IPCA). Destacaram-se as contribuições das ações domésticas e dos títulos públicos federais de prazos mais longos, diz Cristiano Heckert, diretor-presidente da Funpresp-Exe.
Heckert afirma que o crescimento econômico acima do esperado impulsionado pelo setor agropecuário e a desinflação mais consistente mantiveram um cenário positivo internamente, contribuindo para abrir perspectivas mais favoráveis para as políticas fiscal e monetária.
O dirigente diz que a visão positiva da economia brasileira foi reforçada pelas agências de classificação de risco Fitch, que elevou a nota de crédito do Brasil, e Standard & Poor´s, que alterou de estável para positiva a perspectiva do rating do país. “Diante desse ambiente, estar posicionado estrategicamente em ativos de renda fixa e de renda variável contribuiu para os resultados positivos”, afirma o diretor-presidente da Funpresp-Exe.
Ele acrescenta que a principal contribuição para o resultado do ano de 2023 veio do segmento de renda fixa local. Heckert conta que a fundação intensificou aplicações em títulos indexados à inflação de prazos mais longos, que tendem a ter os resultados favorecidos em momentos de redução das curvas de juros reais. A EFPC também aumentou a participação de títulos indexados à Selic para se beneficiar do ciclo atual de política monetária, com retornos superiores ao índice de referência e baixo risco.
O dirigente à frente da Funpresp-Exe diz ainda que trabalha com a perspectiva de um processo gradual de flexibilização da política monetária e que, nesse cenário, pretende intensificar a diversificação da carteira com a aquisição de ativos de renda fixa no exterior, por meio de títulos de dívida do Tesouro norte-americano, além de ouro e fundos imobiliários no Brasil.
“No segmento exterior, a estratégia visa aproveitar o nível elevado de juros alcançado na economia norte-americana e a taxa de câmbio relativamente apreciada. Por sua vez, o segmento de fundos imobiliários pode se beneficiar do ciclo de queda das taxas de juros domésticas, e, por fim, o ouro tem um importante papel de proteção para momentos de incerteza, dada sua baixa correlação com os principais ativos”, diz Heckert.
Na Petros, a rentabilidade consolidada do portfólio de investimentos foi de 6,9% no primeiro semestre, o melhor resultado desde 2019, e ficou acima da média da indústria e do objetivo de retorno de 5,3% do período, que leva em conta a meta atuarial (4,5% a.a. mais IPCA) e as despesas administrativas. “O impacto de um cenário externo mais benéfico foi intensificado no âmbito doméstico pelas definições políticas em relação ao regramento fiscal e a condução futura da política monetária. Esse contexto contribuiu com o bom resultado da fundação no segmento de renda fixa e de renda variável”, afirma Paulo Werneck, diretor de investimentos da Petros.
O dirigente afirma que o destaque do primeiro semestre na carteira de investimentos da Petros ficou por conta da renda fixa, que avançou 7,5%. A estratégia na classe se baseou na avaliação que o cenário da economia e a perspectiva de baixa na inflação permitirão a redução da taxa básica de juros a partir do segundo semestre. “Com base nesse cenário, tivemos a valorização de títulos públicos atrelados à inflação. A perspectiva se mostrou acertada, permitindo capturar esse movimento com a gestão ativa.”
Na ponta negativa, os investimentos no exterior tiveram queda de 7%, por forte influência do câmbio –o dólar teve desvalorização de 9,27% frente ao real no primeiro semestre. A carteira global, no entanto, representa apenas 0,18% do total de investimentos da fundação da Petrobras e teve pouco impacto para o resultado geral.
Werneck acrescenta que um dos objetivos para o segundo semestre é concluir a estratégia de imunização das carteiras dos planos BD, reforçando a proteção e a segurança dos investimentos e reduzindo a fatia de ativos expostos às oscilações de mercado. “Nos planos mais jovens, como PP-2, vamos seguir buscando atingir os objetivos de retorno com a estratégia de diversificação das carteiras e o foco na gestão ativa, seja interna ou de gestão terceirizada.”
Na Valia, o plano de benefício definido teve retorno de 5,36% de janeiro a junho. Nos perfis de investimento, o retorno ficou entre 6,05% (Perfil Mix) e 8% (Perfil Mix60). Já no caso dos planos ciclos de vida, o retorno alcançado se situou entre 6,52% (Ciclo 2020) e 7,97% (Ciclo 2060). Em média, as metas atuariais da maior parte dos planos da Valia variaram entre 4,78% e 5,25%. “No semestre, ocorreram algumas sinalizações importantes no Brasil que colaboraram para o enxugamento de prêmios de risco dos mercados de juros, de ações e da moeda brasileira”, diz Maurício Wanderley, diretor de Investimentos da Valia.
A aprovação do arcabouço fiscal foi um importante marco para aumentar a previsibilidade e diminuindo a incerteza em relação aos gastos do governo, diz o diretor da Valia, acrescentando que a Reforma Tributária e a simplificação do recolhimento de impostos proposta poderá trazer importantes ganhos de eficiência para economia, adicionando alguns pontos de crescimento do PIB pelos próximos anos.
Ele afirma ainda que a manutenção do centro da meta de inflação em 3% para 2026 pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e a manutenção da banda de 1,5 ponto percentual retirou parte do excesso de prêmio que estava embutido nas curvas de juros.
“Em relação ao final do ano passado, conjuntamente, estes três fatores permitiram que os juros longos cedessem mais de 1,5 ponto, que o real saísse de R$ 5,29 para R$ 4,79 e o Ibovespa subisse 7,6% O IPCA mais recente, de junho [com deflação de 0,08%], reforça o cenário de desinflação corrente e isso deve ajudar o Banco Central a iniciar o ciclo de corte de juros em agosto”, diz Wanderley.
O dirigente da Valia diz que, entre os destaques positivos dos investimentos, o fundo de renda variável “Ações Valor” avançou 10,7% e superou o Ibovespa em mais de 3 pontos, com uma exposição voltada a empresas mais ligadas à atividade doméstica.
“O ciclo de corte de juros começou a ser precificado no mercado, e isso já se refletiu, ao menos em parte, no valuation das empresas. Acreditamos que ainda há potencial de valorização no mercado acionário, mas somos cautelosos, em especial no exterior, que pode guardar surpresas”, afirma o especialista. Segundo ele, as operações com participantes também trouxeram contribuição positiva, com rentabilidade de 8% no primeiro semestre, contra um CDI de 6,5%.
Já na Real Grandeza, o plano BD registrou rentabilidade positiva de 4,64% ficando abaixo da meta atuarial de 5,15% (INPC + 4,86% a.a ), enquanto o plano CD atingiu 8,59% de retorno contra 4,86% da meta. O plano instituído FRGPrev obteve retorno de 6,35%, ante a meta de 4,69% (INPC + 3,94% a.a.).
Presidente da Real Grandeza, Sérgio Wilson Fontes diz que a perspectiva de redução de juros de longo prazo e a valorização da Bolsa no segundo trimestre melhoraram os resultados dos planos, que haviam sido penalizados nos três primeiros meses do ano.
O impacto positivo se deu principalmente no Plano CD, que só tem títulos marcados a mercado, que tiraram maior proveito do fechamento dos juros futuros, bem como uma posição mais relevante em renda variável. “No Plano BD, como a maior parte dos títulos está marcada na curva, em razão da estratégia de buscar o casamento dos ativos com os compromissos de pagamento de benefícios, e uma posição menor em Bolsa, embora positiva, a rentabilidade não foi suficiente para atingir a meta atuarial”, diz Fontes.
O dirigente acrescenta que não avalia grandes alterações nas estratégias de investimento para o segundo semestre. Ele diz que a Real Grandeza busca adotar uma gestão baseada em uma carteira estratégica que tenha bom perfil de risco e retorno em diferentes cenários. “Alterar a estratégia de investimentos com frequência traz resultados inferiores”, afirma.
Por conta disso, ele diz que, para a parcela de títulos públicos que está marcada na curva no Plano BD e que representa em torno de 50% da carteira, nada vai mudar. “Vale dizer que aproveitamos oportunidades recentes, em que as NTNBs estavam com taxas superiores às metas atuariais, para ampliar nossas posições nesses títulos”, afirma Fontes.
Na Vivest, os planos com indexador em IGP-DI, que representam 94% dos recursos, tiveram rentabilidade de 2,53% no primeiro semestre. O índice de inflação tem participação relevante do atacado em sua composição e foi impactado pela queda nos preços das commodities, tendo encerrado o semestre com deflação de 4,96%. Com isso, a meta da Vivest ficou em -0,93% na primeira metade do ano. Diretor de investimentos da EFPC, Jorge Simino calcula que o IGP-DI deve apresentar variação de -2,5% no ano de 2023 como um todo, com a meta atuarial estimada em 2,30% para o exercício.
Ele diz que as posições alocadas em títulos públicos federais NTN-Bs tiveram contribuição positiva e bem acima das metas atuariais de janeiro a junho, bem como os fundos imobiliários –beneficiado pela perspectiva de queda dos juros, o índice de fundos imobiliários da B3 (Ifix) valorizou 10% no primeiro semestre.
“A Vivest avalia de forma permanente o cenário econômico internacional e nacional e os respectivos impactos sobre o desempenho dos ativos financeiros. Neste momento, não temos a intenção de alterar de forma significativa as alocações nos portfólios”, afirma Simino.
No Cibrius, EFPC dos funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), os planos BD tiveram retorno de 6,2% no primeiro semestre, enquanto o plano CD obteve retorno de 7,5%. A meta, de INPC mais 4% para o ano, ficou em 4,7% no período. “A recuperação dos ativos de risco no segundo trimestre de 2023 impulsionou os resultados dos planos. Em junho, os planos BDs obtiveram retornos de aproximadamente seis vezes a meta atuarial, enquanto o plano CD obteve retorno de aproximadamente nove vezes a meta atuarial”, diz Fernando Cardoso, gerente de investimentos substituto do Cibrius.
Ele conta que o Cibrius iniciou um movimento de aquisição de NTN-Bs em meados de setembro de 2022 e deu continuidade a esse processo durante o primeiro semestre de 2023 aproveitando a abertura das taxas, que chegaram a superar a marca dos 6% de juro real ao ano.
O Cibrius também reduziu a exposição dos planos BDs em ativos de renda variável e exterior em função da maturidade dos planos, que já estão em fase de pagamento de benefícios, e aumentou a exposição em renda variável nos planos CDs, projetando um desempenho positivo das ações à medida em que as taxas de juros iniciarem o ciclo de queda.
Cardoso afirma que também avalia para o segundo semestre a alocação em fundos imobiliários de papel, especializados na compra de títulos de renda fixa atrelados ao setor, como os CRIs. “Os fundos imobiliários indexados ao CDI nos trarão um bom rendimento no curto e médio prazo, enquanto as taxas de juros estão em patamares elevados. Já os fundos com títulos indexados à inflação irão nos gerar alfa pela marcação a mercado a medida que as taxas de mercado comecem a fechar”, diz o gerente.
Ele acrescenta que também avalia investimentos em títulos de crédito privado, com papéis de emissão privada com níveis atraentes de spread, ainda como reflexo dos eventos no início do ano envolvendo Americanas e Light. Os problemas enfrentados pelas empresas levaram a um resgate em massa dos fundos, obrigando os gestores a vender ativos de boa qualidade com remuneração acima da média de mercado, afirma Cardoso.