Edição 285
Enquanto os holofotes estão voltados para a reforma da Previdência Social, uma outra preocupação do setor previdenciário não recebe tanta atenção. Considerado de extrema relevância para a formação da poupança de longo prazo do país, a previdência complementar fechada, encontra-se estagnada e enfrenta dificuldades para voltar a crescer caso não sejam adotadas medidas tributárias e de governança para seu fomento.
No primeiro trimestre deste ano, as entidades pagaram R$ 14,9 bilhões em benefícios, um crescimento de 10,4% sobre os R$ 13,5 bilhões pagos em igual período de 2015. Do lado das contribuições, que somaram R$ 9,35 bilhões nos primeiros três meses deste ano, o incremento foi de apenas 1,1% no mesmo período de comparação. Ou seja, além do maior volume de saídas com pagamentos de benefícios que entrada de aportes, o crescimento dos pagamentos também é bem maior.
Os representantes de entidades fechadas avaliam que esses dados mostram um quadro alarmante para o sistema. Para eles, são necessárias mudanças de regras e incentivos para garantir a sustentabilidade no médio e longo prazos. “É um sistema que cresce vegetativamente ou simplesmente não cresce por falta de incentivo”, diz José Ribeiro Pena Neto, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
O Secretário de Previdência, Marcelo Caetano, nomeado pelo Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, defende que a situação não é tão negativa para a previdência complementar. Ele mostra que o número de participantes aumentou 48,5% entre 2004 e 2014, chegando a 3,5 milhões entre ativos e assistidos. O problema é que apesar desse aumento dos participantes, muitos dos quais participam de planos instituídos, que não contam com aportes da patrocinadora, os compromissos estão aumentando mais rapidamente que as contribuições.
A equipe econômica não esconde que a prioridade no momento é a reforma da Previdência Social, que segundo Caetano, precisará garantir que os compromissos futuros sejam honrados, dado o atual processo acelerado de envelhecimento da população combinado a um aumento da expectativa de vida.
O desafio demográfico também tem sido enfrentado pelas entidades fechadas. “Segundo estudos, se não houver fomento do sistema, esse processo de desinvestimento vai consumir as reservas dos planos até 2034. O governo precisa ser protagonista na reversão desse processo”, avalia Luis Ricardo Martins, presidente da OABPrev e diretor jurídico da Abrapp.
O fato de o sistema fechado ser um grande pagador líquido de benefícios, sem receber contribuições de novos participantes na mesma velocidade leva Silvio Rangel, diretor-superintendente da Fibra (Fundação Itaipu Brasil de Previdência Complementar, a estimar que ele poderá ter metade da relevância atual em menos de uma década.
Com uma reforma da Previdência Social a caminho, a questão é qual será o impacto das mudanças para o sistema fechado. A resposta, segundo Marcelo Caetano, virá da reflexão sobre a necessidade de poupança de longo prazo pelo cidadão. “A cobertura da previdência complementar crescerá mais ainda quando forem implantadas algumas propostas debatidas no âmbito do governo, como a que permite à Funpresp-Exe administrar planos de previdência complementar para servidores públicos de estados e municípios. Essa possibilidade trará significativo crescimento para o sistema, na medida em que temos um grande número de servidores públicos acima do teto do INSS”, afirma.
Outra ação que deve ampliar o acesso aos regimes de previdência complementar, nas palavras do secretário, é a disseminação dos planos setoriais, instituídos por pessoa jurídica que representa segmento econômico ou social constituída na forma de federação, confederação ou qualquer outra organização de caráter setorial. “A medida vai facilitar o acesso de sindicatos, cooperativas e associações que não têm escala para montar seu próprio plano ou entidade”, afirma o secretário.
Na avaliação de Martins, da OABPrev, uma experiência positiva dos novos fundos dos servidores é a adesão automática, que elevou de 30% para 80% a participação de funcionários públicos. Para Nélia Pozzi, presidente do Sindapp (Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), esse seria um caminho para acelerar o processo nos fundos de empresas privadas. “Em um contexto mais amplo, criar incentivos fiscais para que empresários e empregados façam, automaticamente, contribuições ao plano de previdência complementar fechado”, diz Nélia.
Integração entre regimes – Na nova estrutura desde que Michel Temer assumiu a presidência, com a Secretaria de Previdência pertencendo ao Ministério da Fazenda, há também a tendência dos três regimes (geral, próprio e complementar) serem alvos de estudos, a partir de uma visão macro do sistema.
Marcelo Caetano diz que o órgão está atento às necessidades de ajustes em torno dos três regimes. Segundo ele, já existe um Acordo de Cooperação Técnica entre as duas entidades fiscalizadoras – Previc e Susep – para o intercâmbio de informações e ações coordenadas de supervisão, objetivando maior eficiência em suas respectivas áreas de competência.
“Está prevista a realização de estudos conjuntos de normas com o objetivo de aperfeiçoar a legislação do setor e, consequentemente, a fiscalização”, afirma.
Em relação aos regimes fechados, o secretário garantiu a retomada de discussões no Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) – que esteve paralisado neste ano, pelo menos até o mês de agosto. De fato o conselho voltou a se reunir no final de agosto, no primeiro encontro realizado em 2016.
“Houve uma pausa nos debates com as mudanças na estrutura dos ministérios no primeiro semestre deste ano e o fim dos mandatos dos antigos conselheiros. A ideia agora é retomar a discussão sobre o cenário atual dos fundos de pensão no Brasil, elaborar um diagnóstico e sair da reunião do conselho com uma agenda de trabalho, que levará em conta a sustentabilidade e a segurança do sistema no longo prazo e o seu fomento”, disse Caetano.
O secretário de Previdência explica ainda que essas mudanças devem considerar a sociedade, a demografia, a economia e o mercado, que são dinâmicos, e mudaram muito nos últimos tempos. As demandas são diversas, de acordo com quem acompanha de perto a evolução dos fundos de pensão.
Martin Roberto Glogowsky, diretor-presidente da Funcesp, acredita que uma saída para o crescimento do sistema é o aumento do número de patrocinadores, por meio da desburocratização. “Hoje é complexo e burocrático montar um fundo de pensão. Muitas empresas acabam contratando bancos para evitar custos e risco fiduciário”, afirma.
Além da necessidade de simplificação para as empresas, os debates para a sustentabilidade do sistema, giram em torno de incentivos tributários, modernização pela tecnologia, melhor ambiente para investimentos e aperfeiçoamento da governança das entidades.
Incentivos – O incentivo fiscal para fomentar o crescimento do sistema de previdência complementar fechado pode parecer um assunto espinhoso, principalmente em tempos nos quais há especulação sobre a necessidade de aumentar impostos para ajustar as contas do país. Mas pode não ser tão problemático, caso realmente a área técnica da nova Secretaria de Previdência se debruce em estudos para avaliar o impacto disso no longo prazo – considerando o incremento na taxa de poupança do país.
Uma das propostas visa à equalização de regra em relação à previdência complementar aberta, como a possibilidade de entidades fechadas oferecerem planos VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) ou um modelo similar, que possa ser vantajoso aos participantes que optam pelo modelo simplificado de declaração do Imposto de Renda (IR). “Hoje há trabalhadores que já atingiram o limite de dedução do IR no modelo completo e poderiam fazer um VGBL na entidade fechada. Seria um benefício”, afirma Pena Neto, da Abrapp.
Outra questão importante, segundo ele, é a importância de estimular a abertura de planos fechados por empresas que estão no regime tributário de lucro presumido e do Simples Nacional, o que só é vantajoso em termos fiscais para quem está no lucro real.
Ao mesmo tempo, o setor reivindica regras diferenciadas pelo fato de a previdência fechada contribuir realmente para a taxa de poupança de longo prazo, dada a sua natureza exclusivamente previdenciária – diferente das características de aplicação financeira de planos abertos. Uma regra diferenciada seria a cobrança de alíquota zero de Imposto de Renda a quem permanecer com participação no plano por mais de 20 anos.
Segundo o presidente da Abrapp, uma mudança para incentivar o incremento na base de participantes dos planos seria a retirada da obrigatoriedade de escolher entre o regime progressivo e regressivo em até 30 dias após a contratação do plano. O presidente da entidade defende que esse prazo seja estendido para o momento de resgate do benefício. Um argumento é que essa escolha prematura dificulta a entrada de jovens no sistema.
Novas tecnologias – “Ou o sistema de previdência fechada se reinventa ou entra em declínio”. A declaração é de Adacir Reis, ex-secretário de Previdência Complementar do Ministério de Previdência Social (de 2003 a 2006) e sócio do escritório Reis, Torres e Florêncio Advocacia. Ele defende que o sistema terá de ser flexível e se adaptar ao dinamismo da sociedade, porém preservando sua característica de natureza previdenciária de longo prazo. “O novo participante dos fundos de pensão só conhece os aplicativos (para celular). Essa nova linguagem terá de ser adotada pelos fundos de pensão para atrair os participantes mais jovens”, diz Reis.
Quem compartilha dessa opinião é Silvio Rangel, da Fibra. Segundo ele, a base tecnológica nas fundações, hoje restrita aos procedimentos internos, precisa ser expandida externamente. “O cliente de celular tem de ter absoluta flexibilidade com base em interação tecnológica. O participante quer mudar o perfil de investimento, fazer simulação e aumentar contribuições por aplicativos. Temos de oferecer ferramentas tecnológicas para a nova geração”, recomenda.
Simplificação – A adaptação tecnológica à nova geração seria tarefa exclusiva das fundações e o segundo pilar do que Rangel chama de Previdência 2.0 – um produto que garantiria a sobrevivência do sistema fechado de previdência. O primeiro pilar seria a simplificação, padronização e flexibilização do produto, o que depende de mudanças de normas.
Segundo ele, é preciso que haja segregação do patrimônio por plano multipatrocinado. “O Cadastro Nacional do Plano de Benefícios (CNPB) não está sendo aceito do ponto de vista judicial. Há casos reais de planos multipatrocinados nos quais um dos patrocinadores faliu e a Justiça acabou obrigando a entidade a continuar pagando benefícios, porque o recurso estava no CNPJ da entidade. Defendo a criação de um registro diferente por plano, que terá uma gestão administrativa própria”, afirma.
Outra mudança defendida é a vinculação do Plano de Gestão Administrativa (PGA), usado para o custeio. Rangel diz que hoje a entidade não pode usar esse recurso para fazer captações e crescer em número de patrocinadores e planos.
“É preciso segregar o patrimônio em relação ao PGA, deixando claro que o fundo pertence à entidade e não ao plano. Sem poder usar recurso, como vou captar patrocinador?”, questiona. Segundo ele, os críticos a essas mudanças alegam que a criação de CNPJ diferente por plano pode resultar em um esforço contábil maior e em mais contribuições, como PIS e Cofins sobre o PGA. “Mas é melhor o sistema poder crescer do que fazer economia tributária e estagnar”, afirma.
Mário Ribeiro, diretor da Fundação Promon de Seguridade Social (FPPS) e presidente da Apep (Associação dos Fundos de Pensão de Empresas Privadas), avalia que também é preciso simplificar o processo para que mais empresas privadas se interessem em ter o próprio plano de previdência, o que hoje acaba sendo uma decisão baseada no desejo de oferecer o benefício como política de Recursos Humanos das empresas.
“No CNPC não há representantes de empresas patrocinadoras e a voz delas precisa ser ouvida. É necessária uma revisão profunda das normas para simplificar a participação do setor privado, que hoje é mais representativo em quantidade do que em recursos no sistema”, avalia. Ribeiro defende um tratamento diferenciado, com mais incentivos fiscais para as empresas com fundos de pensão.
Melhor ambiente – Com investimentos ainda muito concentrados em renda fixa e títulos públicos, o desafio para as fundações é a diversificação dos portfólios para ativos reais e infraestrutura – o que também seria benéfico para o desenvolvimento econômico do país.
Longe de ser uma simples escolha do gestor, os ativos da economia real mostraram-se extremamente arriscados nos últimos anos, principalmente em um ambiente no qual o patamar dos juros reais garante proteção às carteiras. Para mudar esse cenário é preciso que haja estabilidade regulatória e macroeconômica. “Quando os juros estavam baixos muitos fundos investiram na economia real mas a instabilidade de regras foi o problema. Veja o que aconteceu com o setor elétrico. Com uma canetada tudo mudou”, afirma Pena Neto, da Abrapp.
Rangel, da Fibra, lembra que não apenas o ambiente macroeconômico, mas também a realidade dos ativos e passivos das fundações tem forçado o investimento de curto prazo. “O longo prazo já chegou para muitas entidades, que estão no momento de descapitalizar o plano e pagar benefícios. Por isso, os investimentos foram encurtados. Esse é o lado estrutural. O sistema precisa de fomento”, conclui.
A avaliação é que a redução da exposição em renda fixa está atrelada à queda da inflação e da taxa básica de juros. “Assim que isso acontecer, certamente os fundos de pensão terão de diversificar os investimentos e ir para novas frentes, como a infraestrutura. Além disso, precisamos de um marco legal forte para dar tranquilidade a investimentos longos”, afirma Luiz Paulo Brasizza, gerente de investimentos da Volkswagen Previdência Privada (VWPP).
Já Sérgio Mendonça, presidente da Funcef, diz que há um horizonte positivo com a expectativa de início do processo de redução da taxa de juros no fim deste ano e ao longo de 2017 e de 2018. “Há um cenário plausível e possível. As instituições não terão alternativa a não ser discutir a volta ao investimento na economia real e na infraestrutura, o que é um desafio para o longo prazo. A taxa de juros tende a fechar e isso será bom para o crescimento do país”, diz Mendonça.
Críticas ao projeto de lei da governança
Melhor governança e transparência são essenciais para a sustentabilidade dos fundos de pensão, mas atualmente apresenta falhas, ainda que pontuais, como mostrou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão, que identificou fraudes em operações, com supervalorização de ativos, de grandes entidades estatais.
Com isso nasceu o projeto de lei 268 – que altera a lei 108 – cujo ponto polêmico é o que determina a participação de profissionais do mercado financeiros como conselheiros independentes. O que tem provocado questionamentos de representantes do setor é o que seria, de fato, independência, já que o profissional do mercado financeiro não teria vínculo com a entidade. Além disso, o projeto previa a redução de conselheiros indicados pela patrocinadora e por participantes.
“O projeto retira a democratização no processo. O perigo é colocar uma raposa no galinheiro, que vai correr todos os riscos necessários para ter o melhor resultado em dois anos e sair do conselho”, afirma Antônio Braulio de Carvalho, presidente da Anapar (Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão).
O advogado Adacir Reis também critica o fato de o projeto retirar a legitimidade do modelo de entidade fechada, que é de autogestão. “Esse projeto é uma cópia malfeita da lei das S/As e não faz sentido. Esse conselheiro independente geraria conflito de interesses. A proposta que coloca o vínculo de dez anos com o plano, que fez parte da CPI, era mais adequada ao funcionamento das entidades”, diz.
Glogowsky, da Funcesp, diz que o arcabouço de regras existente para investimentos é muito forte, mas precisa ser realmente respeitado, por meio de regulamentos internos, estruturas de compliance e decisões bem definidas. “Tem de estar na cultura da companhia o cumprimento das regras. Não acho que seja negativo a presença de conselheiro independente, com visão neutra e técnica, que possa contribuir para isso”, afirma.
Mendonça, da Funcef, avalia que o debate sobre a indicação de representantes do mercado financeiro é importante. “Até mesmo porque não existe neutralidade absoluta. Além disso, o fato de o profissional ter trabalhado no mercado financeiro não faz dele um vilão”, diz. Ele conta que o modelo da entidade tem regras robustas e governança democrática, com representantes eleitos em todas as instâncias importantes e institucionais, com um número de normativos internos que saltou de cinco para 136 de 2003 até este ano.
Pena Neto, da Abrapp, diz que um substitutivo ao projeto 268, do deputado Marcus Pestana, corrigiu distorções, colocando a presença de profissionais do mercado financeiro no comitê de investimentos e não nos conselhos. “O que nos preocupa ainda é o prazo de dois anos para esse profissional ocupar uma diretoria. Para fundações de longo prazo é curtíssimo”, diz. Outra mudança foi a retirada do trecho que permitia a interferência do Tribunal de Contas da União e Estaduais sobre os resultados dos fundos de pensão.
O representante lembra que a Abrapp vem desenvolvendo um código de autorregulação para processos de investimentos. Uma primeira versão do código será apresentada no Congresso da Abrapp deste ano. “Nesse código queremos criar um certificado de governança das entidades, que serão destinadas para as que tem esse processo mais rigoroso. A ideia é que Previc possa voltar os olhos com mais atenção para aquelas que não têm”, diz.