Pulverização comprometida

Edição 111

A falta de novos participantes emperra o crescimento das negociações no mercado secundário de debêntures. E, quanto menor o número de participantes, menor a transparência deste mercado. Os dirigentes de fundos de pensão citam como um dos fatores que inibem o crescimento desse mercado o fato de os próprios bancos “encarteirarem” grande parte – e até mesmo integralmente – das emissões que eles próprios coordenam. Dos R$ 15,2 bilhões das emissões feitas no ano passado, cerca de R$ 8 bilhões foram encarteiradas pelas próprias instituições emissoras. São os casos das emissões do Bradesco Leasing e Itaú Leasing, em meados de dezembro, que atingiram R$ 1,2 bilhão, com volume de R$ 600 milhões cada uma. O mesmo se deu com as debêntures da Vicunha Siderurgia, em março do ano passado. Do total de R$ 1,997 bilhão emitido pela empresa, apenas R$ 120 milhões foram ofertadas ao mercado.
Segundo dirigentes de fundos de pensão, o encarteiramento de parcela significativa das emissões pelos bancos dificulta a pulverização do mercado e inibe as negociações no mercado secundário. “O fato de os bancos ficarem com boa parte dos papéis com risco de crédito baixo para abastecer as carteiras dos fundos de investimentos, impedindo que esses papéis vão a mercado, é um importante inibidor”, diz o gerente de investimentos da Eletros Luiz Guilherme Nobre Pinto, citando o caso dos papéis da Redecard, lançados em maio do ano passado, no valor de R$ 380 milhões. “O papel, considerado com risco de crédito zero, ficou com os próprios bancos coordenadores da emissão e não foi ofertado ao mercado”, reclama.
Segundo o gerente de investimentos da Eletros, a fundação praticamente não opera neste mercado porque a falta de transparência dificulta uma formação “mais justa” dos preços dos papéis. “Acabam restando poucas alternativas de papéis para serem negociados no mercado secundário”, afirma. Segundo ele, nos últimos cinco anos a fundação tem ficado praticamente de fora das negociações do mercado secundário.
Não bastasse, a baixa liquidez no mercado secundário faz com que os fundos de pensão optem por comprar papéis para carregar até a data do vencimento. “É melhor comprar para carregar até o final do que adquirir papéis e ter de negociar no meio do caminho”, diz o gerente da Eletros. Já os bancos argumentam que as fundações têm tradição de comprar e carregarem esses papéis até o seu vencimento, o que, na prática inviabiliza o mercado secundário.
Para o analista de renda fixa da Eletroceee, Gilberto Valdez, o crescimento da indústria de fundos em meados da década de 90 provocou forte redução das negociações no mercado secundário de debêntures. Ele entende que a indústria de fundos compete diretamente com as fundações neste segmento, ao rechear suas carteiras com os melhores papéis.
O analista da fundação lembra da emissão da empresa de saneamento do Rio Grande do Sul (Corsan) feita no final de 2001, que não chegou a ser ofertada à fundação. “Os papéis, considerados um filé mignon, ficaram com os próprios bancos que coordenaram a emissão, Banrisul, o Sudameris e o ABC Brasil”, afirma.
Já a diretora de mercado de capitais do Bradesco, Denise Pavarina, entende que as negociações no mercado secundário são bastante reduzidas basicamente por três motivos: 1) ainda existe uma cultura “muito arraigada” de que quando o crédito é considerado bom o investidor carrega os papéis até o seu vencimento; se o papel é considerado “ruim” o investidor simplesmente não compra; 2) há pouca sofisticação do mercado para precificar os riscos; e 3) as assets têm pressão tanto por parte do investidor pessoa física como dos investidores institucionais de comprar papéis de primeiríssima linha para compor a carteiras dos seus fundos de investimentos, com o risco de serem trocados pelo investidor por apresentar baixa performance.
A diretora do Bradesco avalia ainda que a disposição dos investidores para comprar papéis privados “ainda é muito pequena perto do seu potencial”. Entretanto, ela prevê que a tendência é esse quadro mudar na medida em que as taxas de juros caírem e o governo reduzir sua necessidade de financiamento junto ao mercado.

Cautela no enquadramento – A Eletros ainda não decidiu se vai comprar as debêntures da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Copel, Sabesp e Eletrobrás, que estão em fase de estruturação e prometem ser umas das mais disputadas pelo mercado, segundo os especialistas. “Já investimos nas ações dessas empresas. Ainda estamos avaliando se aumentar a exposição nesses papéis poderá significar o desenquadramento no risco do crédito”, diz.
Entre os papéis mais cotados para compor a carteira de debêntures da Eletros estariam os da Copel, considerados de “excelente risco”, além de ter a opção das duas séries, corrigidas pelos CDI e pelo IGP-M, este último indexador o que mais interessa à fundação. “Se a empresa pagar IGP-M mais 12% ou 13% seus papéis se tornam fortes candidatos para a compra”, antecipa. A última aquisição da Eletros foram debêntures da Cemig. Quase 10% dos R$ 950 milhões aplicados na carteira de renda fixa da fundação, estão alocados em debêntures.