Edição 254
Com as melhorias verificadas nas últimas décadas nas áreas de saúde e saneamento, o cenário atual em que vivemos é de aumento da expectativa de vida junto a um movimento de queda na taxa básica de juros, a Selic. A combinação faz com que o mercado global de fundos de pensão fique inquieto com o crescimento da longevidade. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1980 até 2010 a expectativa de vida do brasileiro avançou 11,24 anos, de 62,52 para 73,76 anos.
Neste contexto ganha atenção a questão do risco da longevidade, que tende a gerar desequilíbrios atuariais nos planos de benefícios como reflexo do tempo de vida dos participantes superior ao estimado pelas tábuas de mortalidade. O mercado vem discutindo a criação de veículos e soluções para terceirização desse risco de sobrevida. “Isso tem acontecido cada vez mais. Além disso, vai ser cada vez mais fácil as pessoas viver acima dos 100 anos de idade. Os fundos de pensão hoje não estão preparados”, afirma Alessandra Monteiro, superintendente da Fundação de Previdência dos Servidores do IRB – Instituto de Resseguros do Brasil (Previrb).
O quadro é ainda mais preocupante, ressalta a especialista, porque temos no mercado financeiro uma tendência de longo prazo, sem sinais de reversão, de patamares menores para a taxa básica de juros. Hoje, explica a especialista, os fundos de pensão só podem contratar produtos com seguros para cobrir riscos de morte ou invalidez, então uma adaptação na legislação é necessária para que o risco da longevidade também seja contemplado.
“A própria Previc e o governo estão sensíveis e já reconheceram que é preciso mudar. Existe um grupo de trabalho com a Previc e a Susep para adaptar a legislação para que as fundações possam contratar outros tipos de seguros para minimizar o risco”, revela Alessandra Monteiro. “Vai mudar em breve”, acrescenta.
Pelos moldes que valem até o momento, apenas a patrocinadora da fundação pode contratar o seguro para o risco de longevidade de seu próprio fundo, mas que pode até mesmo cobrir eventuais déficits da entidade. A Previc afirmou que as discussões sobre a contratação de novos seguros ainda estão em andamento, e não há prazo para a aprovação, caso haja alguma alteração.
“De parte da Previc, temos visão otimista sobre os possíveis avanços, visando à proteção dos interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios. Como se trata de uma discussão bilateral, ainda sem conclusão, entendemos prematuro antecipar qualquer possibilidade”, disse a autarquia em nota.
Um estudo de caso apresentado pela superintendente da Previrb mostrou que um plano com 11,3 mil participantes, com uma folha anual de benefícios de R$ 405,3 milhões, teve um déficit de R$ 5,9 milhões, porque eram esperadas a morte de 1085 participantes, mas morreram 1013.
Em um primeiro momento, a saída mais prática para as fundações seria criar um colchão de proteção para cobrir as possíveis, e prováveis diferenças entre as premissas adotadas e as efetivadas. Com o mercado difícil em 2013 em termos de rentabilidade, no entanto, essa não é uma possibilidade para o curto prazo, já que nem sequer as metas atuariais devem ser alcançadas neste ano.
A sugestão apresentada por Alessandra Monteiro é a de que se faça um contrato de indenização junto às seguradoras, que poderá ressarcir as perdas do fundo de pensão por conta do déficit ocasiado pelo tempo de vida do participante superior ao estimado pelas tábuas.
O prêmio para o seguro, explica a especialista, tem de ser analisado caso a caso, e precisa levar em consideração o grau de aderência do plano às estimativas realizadas pelo atuário, a quantia de capital segurado, e a participação ou não das fundações em assumir parte do risco.
Entre os benefícios da medida, aparecem o isolamento do risco da longevidade, com a proteção do fundo de pensão às suas oscilações, além de tornar desnecessários aportes extraordinários por parte dos patrocinadores, e dos participantes, e também averiguar se a tábua biométrica utilizada está aderente ao perfil da massa segurada.
Terceirização do risco – Um estudo realizado pela Gama Consultores Associados mostra que 39% das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) desejam contratar uma apólice de seguros para se proteger da volatilidade do mercado.
Entre as apólices que tendem a ser as mais procuradas nos próximos anos, estão seguros para os riscos de longevidade e de rentabilidade, justamente os dois que ainda não estão contemplados pela legislação para que possam ser contratados pelas fundações. Em menor grau de prioridade surgem os riscos de doença, invalidez e morte, já contemplados na legislação.
Em um cenário no qual os riscos são crescentes, é natural que as fundações passem a terceirizar alguns pontos estratégicos para a condução sadia dos investimentos, mas essa transferência, alerta Geraldo Magela, diretor de previdência para o Sul da América Latina da Mercer, passa por uma redução dos custos cobrados por parte das seguradoras.
“São dois componentes. Do lado das fundações, entender um pouco da necessidade, e entre as seguradoras, ter um custo encorajador para que os fundos terceirizem”, fala Magela.
Um levantamento realizado pela Mercer mostra que uma cobertura de pecúlio por morte para aproximadamente 500 pessoas gera um custo médio mensal de R$ 35 mil, caso a fundação opte por assumir o risco. Se o risco for levado para uma seguradora, entretanto, o valor salta para R$ 90 mil.
“Quando os fundos avaliam terceirizar, custa tão caro que eles preferem fazer dentro de casa. O mercado tem de buscar soluções mais compatíveis com a realidade desses fundos. Precisa ter uma aproximação maior para fazer sentido econômico para as fundações”, pondera o diretor.
Apesar de ainda representar um custo elevado, cabe a reflexão por assegurar ou não parte dos riscos, lembra Magela, uma vez que os fundos de pensão são apenas uma instituição, ou seja, a entidade por si só é uma mera gestora de risco. “Quem assume o risco de fato é o participante ou a patrocinadora”.
No caso das seguradoras, por outro lado, o acionista assume o risco, e mesmo assim, não integralmente. Para um fundo que precisa pagar um benefício de pensão por morte, de renda mensal vitalícia de R$ 10 mil, é necessária uma reserva matemática de quase R$ 2 milhões. Caso a fundação opte por cobrir esse montante volumoso junto a uma seguradora, a prática mais comum hoje em vigência, de acordo com o executivo da Mercer, é que a seguradora fique com cerca de R$ 500 mil do risco, e os R$ 1,5 milhão restantes são repassados para um terceiro.
“Se a seguradora faz isso, e tem capital, minha pergunta é: por que ficar, mesmo que tenha escala, com esse risco segurado?”, questiona o especialista. “É um elemento que tem que ser avaliado”.
Um outro exemplo foi citado por Magela para evidenciar que casos pontuais merecem um olhar diferenciado por parte das fundações. Em um caso real, um fundo com 1,5 mil aposentados tem 95% de seus integrantes com renda inferior a R$ 15 mil, e 5% com renda superior a essa quantia. Esses 5%, no entanto, respondem por 30% das reservas necessárias para fazer frente ao pagamento de todos os participantes.
“Tem uma concentração de risco que merece ser olhada com cuidado. Em uma hipótese, se os 5% forem mulheres, que sabemos que tem uma sobrevida maior? Se o fundo de pensão está usando hipóteses gerais para calcular as reservas, ele pode estar subestimando as rendas mais altas dentro do grupo”, conclui o diretor da Mercer.