Edição 85
O Palácio do Planalto aposta na aprovação, até o início de novembro, das novas regras que devem mudar a cara dos fundos de pensão e ampliar significativamente esse mercado. Mesmo completamente focados nas campanhas de seus candidatos às eleições municipais, os líderes do governo no Congresso avisam que é apenas uma questão de tempo fazer acordo na base governista que garanta a aprovação dos três projetos de lei complementares que tratam de previdência privada de caráter complementar. “Não há a menor dúvida. O presidente Fernando Henrique pediu prioridade e isso, com certeza, ocorrerá”, afirmou o líder do PSDB no Senado, Sérgio Machado.
O senador cearense reconhece as dificuldades criadas pelo”recesso branco”, que leva os parlamentares a centrar fogo em suas bases eleitorais nesse período, mas lembra que o próprio Presidente pediu preferência para o assunto, tanto no Senado quanto na Câmara. “O debate, mesmo de matérias de urgência para o governo, só esquentará após o segundo turno das eleições para prefeitos”, diz. Do Planalto, um técnico encarregado de acompanhar a tramitação da matéria diz que “com certeza”, o governo acredita na aprovação ainda este ano. E que, do ponto de vista do Executivo, a nova estrutura da previdência trará “mais transparência e maior responsabilização”, além de criar espaço para um aumento no universo atual das cerca de 360 entidades fechadas de previdência privada.
Pelo andamento dos três projetos, o governo ainda tem algum trabalho pela frente, pois cada projeto mostra uma trajetória isolada. Dois estão na última etapa, no Senado, inclusive o mais importante, que muda as regras gerais para os fundos de pensão ligados a empresas públicas e privadas. E o terceiro, que cria a possibilidade de criação de fundos de pensão para servidores nas diversas esferas da máquina pública, ainda não saiu da Câmara. Mas a liderança do governo no Senado garante que a idéia é convergir todos os três projetos para o plenário da Casa, antes do final de outubro, de maneira que possam ser votados, simultaneamente, até a primeira semana de novembro.
Derivados da Emenda Constitucional número 20, aprovada em dezembro de 1998 e que promoveu a Reforma da Previdência, os projetos que alteram a estrutura do sistema de previdência complementar receberam, inicialmente, os números 00008, 00009 e 00010/1999. Mudaram nos números e nas formas originais enviadas pelo Executivo no vai e vem entre as duas Casas do Congresso desde então. O que tinha o número 8, passou pela Câmara e agora pode ser identificado como PLC número 1/2000 no Senado. Por pedido de urgência das lideranças, foi a plenário, mas recebeu três emendas e voltou para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Como relator, o senador José Fogaça (PMDB-RS) vê possibilidades de total aprovação ainda este ano. “Basta o governo querer”, afirmou. Ele pautou a apreciação de seu relatório para 4 de outubro na CCJ. Mas acredita que exista alguma coisa emperrando o andamento do projeto, pois detecta uma “certa dificuldade em fazer andar”. Segundo o senador gaúcho, como a proposta está tramitando há mais de um ano, “imaginei que fosse mais simples, mas ela vai e volta”.
Fogaça acredita que as dificuldades se devem ao fato de mexer com estruturas já estabelecidas dos maiores “e mais poderosos” fundos de pensão do país. “A proposta altera as relações atuais, impondo uma cadeia de responsabilidades para os dirigentes e limites para as contribuições dos empregadores”, diz o senador gaúcho. Segundo ele, a principal mudança é a fixação de limites de contribuição de 1 por 1 para patrocinadores e participantes, a partir do momento em que entrar em vigor.
Segundo o senador, seu relatório é favorável às emendas “de correção de texto, que criam uma nova correlação de forças”. Uma delas, de autoria do líder do governo, senador José Roberto Arruda (PSDB-DF), proíbe a participação de qualquer membro da patrocinadora pública na direção dos fundos. As outras duas são de autoria da senadora Heloísa Helena (PT-AL), no sentido de garantir paridade no número de representantes de empregados e controladores. “São boas emendas”, avalia o senador. Acatar as emendas significa que o PLC 1 terá que retornar à Câmara dos Deputados. Mas segundo um assessor parlamentar do Planalto, está dentro da tática do Executivo, pois o projeto deve retornar ao Senado a tempo de ser apreciado em conjunto com os outros dois, até o final de outubro.
Na visão de um assessor parlamentar do governo, foi para tentar encurtar as idas e vindas e os lobbies que fazem da proposta original de mudança das regras previdenciárias “um assunto dos mais explosivos” que o presidente Fernando Henrique enviou pedidos de urgência constitucional para o projeto mais abrangente, que está no Senado, e para o projeto que não saiu da Câmara. Este tinha o número 00009/1999, cria fundos de pensão para funcionários públicos nos governos e órgãos federal, estadual e municipal. Foi relatado em Comissão Especial pelo deputado Robson Tuma e está pronto para a ordem do dia.
O detalhe é que recebeu um pedido de urgência constitucional da Presidência da República no último dia 25 de agosto. O que significa 45 dias corridos para finalizar a tramitação. Assim, em 10 de outubro o projeto trancará a pauta da Câmara e nenhuma outra matéria poderá ser votada, antes que esse assunto seja liberado pelo plenário. “A matéria passa a ter preferência absoluta, será prioridade na votação, porque o Palácio do Planalto considera de extrema importância”, disse o assessor da Presidência.
Também para o Senado, o presidente Fernando Henrique enviou outro torpedo no dia 4 deste mês. O parágrafo 1 do artigo 65 da Constituição foi invocado para urgência constitucional ao antigo PLC 10, que no Senado pode ser agora identificado como PLC 63. Encontra-se na Comissão de Assuntos Sociais, onde recebeu oito emendas e o relator, senador Romero Jucá, assegura que dará seu parecer assim que terminar o primeiro turno das eleições municipais. O parecer do senador deve ser contrário às emendas, nenhuma de mérito, a fim de que o projeto não tenha que retornar à Câmara. Se não for apreciado na Comissão no tempo previsto pelo senador, trancará a pauta do Senado em 19 de outubro.
Esse é o projeto de maior importância, do ponto de vista do governo, para conferir um modelo novo ao regime de previdência complementar vigente no país. A idéia é garantir “maior credibilidade, profissionalismo, transparência e estabilidade de regras”, segundo as justificativas do Ministério da Previdência e Assistência Social. Denominado projeto “guarda-chuva” entre os três, altera regras para as entidades de previdência fechada de órgãos públicos e empresas privadas e introduz várias novidades, sendo uma delas a criação da figura do instituidor.
Para técnicos da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência, esse é o mecanismo principal que vai permitir uma ampliação do mercado de fundos de pensão e proporcionar benefícios de aposentadoria complementar a categorias profissionais hoje alijadas desse processo. Autônomos, como por exemplo, produtores rurais ou taxistas, poderão reunir-se em suas entidades de classe, contratando uma instituição financeira para administrar e criar um fundo de pensão – algo impensável diante da legislação atual, que só admite entidade de previdência complementar criadas por patrocinadores que detenham empregados em seus quadros.
Também é importante a introdução do benefício proporcional diferido. Significa a possibilidade do trabalhador que contribui para um fundo de pensão, independente do período, mesmo se muda de emprego e passa a contribuir para um novo fundo, poder receber o benefício complementar de ambos, de forma proporcional, ao se aposentar. Atualmente, quando deixa a empresa, o associado resgata suas cotas do fundo de pensão, pois poucas entidades mantém em seus estatutos a possibilidade de continuidade de contribuição e benefício futuro após o desligamento do associado.
Outro ítem de destaque nas novas regras, segundo os técnicos do governo, é a portabilidade. Se demitido de uma empresa onde está ligado a um fundo de pensão, o trabalhador poderá carregar todas as suas reservas para o fundo da outra empresa para onde foi contratado. As regras em vigor, segundo o governo, causam “engessamento” do sistema de previdência fechada complementar, limitando os beneficiários e o próprio mercado. Não se pode esquecer que ao pregar a “expansão sustentada da poupança coletiva” por meio do crescimento dos fundos de pensão, o governo quer ampliar um mercado de poupança privada que hoje corresponde a 13% do PIB em ativos.
No resto do mundo, está provado que são excelentes agentes de investimento interno. Na Holanda, as entidades de previdência complementar respondem por ativos de 120% do PIB do país, na Suíça chegam a 100% e nos Estados Unidos, 78%. Dados recentes do governo mostram que apenas cerca de 6,5 milhões de brasileiros são beneficiários de fundos de pensão, enquanto outras 48 milhões de pessoas enquadradas na população economicamente ativa (pea) dependem apenas de suas contribuições ao sistema de aposentadoria oficial, portanto um público alvo para futuras entidades de previdência complementar.