Edição 102
O maior fundo de pensão brasileiro, a Previ do Banco do Brasil, começa a apresentar os primeiros resultados da sua maior “radiografia” realizada até hoje. O projeto de gestão de risco e ALM (Asset Liability Management) da Previ, realizado em conjunto com a consultoria Algorithmics, já está rodando as principais partes do sistema que tem como objetivo mostrar a saúde financeira e atuarial da fundação, que possui uma carteira total de ativos de mais de R$ 35 bilhões. O projeto deve estar em pleno funcionamento até o final do ano, coincidindo com o momento em que seu plano principal, de Benefício Definido (BD), entra em sua fase de maturidade – ou seja, quando o volume de despesas passa a superar as receitas.
O ano de 2001 ficará marcado na história de Previ como o primeiro em que a balança começa a pender mais para o lado dos pagamentos dos benefícios. O início da fase de maturidade do fundo de pensão estava programado para ocorrer apenas daqui a quatro ou cinco anos, mas a regra da paridade contributiva dos fundos de empresas estatais, imposta pela Emenda 20/98, abreviou o processo. “Não podemos perder mais tempo. É muito importante começar a utilizar um modelo de ALM para orientar o planejamento dos investimentos da Previ a fim de cumprir com nossos compromissos”, ressalta Erik Persson, diretor de planejamento da Previ.
Por não contar com um modelo de gestão de risco e ALM, historicamente os investimentos do fundo de pensão foram realizados sem levar em conta as necessidades do passivo. “Agora que os compromissos superam as receitas, precisamos ser mais rigorosos nas decisões de saída e entrada nos investimentos”, afirma o diretor de planejamento da Previ.
Desde que assumiu a diretoria da Previ em meados do ano passado, Persson tem se deparado com um dos maiores desafios do fundo: reduzir o tamanho da carteira de renda variável. De acordo com a Resolução 2.829/CMN, a Previ precisa se desfazer de cerca de R$ 3 bilhões em participações acionárias para ficar enquadrada à nova legislação. Isso sem contar a necessidade de tornar os investimentos do fundo mais líquidos para adequar-se ao ritmo dos pagamentos dos benefícios. “A gestão de risco deve indicar como reduzir os riscos de nossa carteira de participações. Ou seja, deve apontar quais são as prioridades no desinvestimento e qual o ritmo mais adequado”, declara Gerardo Santiago, assessor da diretoria de planejamento da Previ.
Mapeando riscos – O projeto inteiro de gestão de risco e ALM na Previ representa uma novidade no sistema de fundos de pensão. São raras as entidades que estão implantando sistemas de ALM na gestão dos ativos e passivos. Além de ser inovador no conjunto, alguns módulos do trabalho desenvolvido na Previ são únicos dentro do sistema financeiro nacional. Por exemplo, a Previ está desenvolvendo um trabalho inédito de mapeamento dos riscos de sua carteira de participações.
Este trabalho faz parte do módulo de risco corporativo, cujo objetivo é analisar e controlar o risco das empresas nas quais a Previ possui participação no bloco de controle. “Já estamos aplicando o módulo corporativo para algumas empresas. A idéia é indicar quais delas representam maior risco para a carteira da Previ”, explica José Reinaldo Magalhães, gerente da área de gestão de risco da Previ e principal responsável pelo projeto.
O modelo tem a capacidade de analisar cada empresa individualmente com base na avaliação do fluxo de caixa, relacionando-o com fatores específicos do risco de mercado, tais como variação das taxas de juros e câmbio. “Por exemplo, uma empresa com endividamento em dólar está registrando maior risco neste momento de desvalorização do real”, exemplifica Magalhães.
Outro aspecto inédito do projeto da Previ é o módulo que trata dos riscos da carteira de operações com participantes. Este módulo do projeto está apenas no início e pretende mapear os riscos dos financiamentos imobiliários e dos empréstimos a participantes. Na carteira de financiamentos de imóveis está concentrado um dos maiores riscos da Previ. Existe um alto risco de crédito na carteira de financiamentos provocado pelo elevado índice de inadimplência. A Previ está estudando atualmente uma forma de terceirizar a cobrança e a gestão desta carteira.
Os outros módulos que completam o segmento dos investimentos são os de renda fixa, renda variável e imóveis. Os módulos de renda fixa e renda variável foram os primeiros a serem concluídos e já estão preparados para realizar a marcação diária dos ativos a mercado, além de calcular também diariamente o VAR das carteiras. A única coisa que falta para rodar os módulos de renda fixa e renda variável é a definição dos limites máximos de exposição de risco em cada carteira. “Pretendemos formalizar a implantação do sistema de risco e definir os limites de risco no máximo até o final de setembro próximo”, prevê o gerente de risco da Previ.
Ainda ficaria faltando o módulo de imóveis, que é o que está em fase mais atrasada de desenvolvimento. O módulo ainda não começou a ser elaborado e não deve ficar pronto até o final do ano. Mesmo assim, o atraso no desenvolvimento do modelo de risco da carteira de imóveis não compromete o funcionamento do sistema como um todo. “A dificuldade de desenvolver o módulo de imóveis está relacionada com a inexistência de um mercado secundário no Brasil”, explica Álvaro Veiga, professor do grupo de estatística da PUC-RJ que atua em convênio com a Algorithmics em diversos projetos, inclusive neste da Previ.
Risco atuarial – Assim como existe o Value at Risk para medir os riscos dos ativos, o modelo atuarial da Previ incorpora um novo conceito: o Passivo a Risco, ou simplesmente PAR. “O módulo de risco atuarial desenvolvido na Previ traz um conceito inovador, que é o PAR, que permite que todas as variáveis atuariais sejam tratadas de forma padronizada”, explica Álvaro Veiga.
O modelo de risco atuarial da Previ já está em fase avançada de elaboração e recentemente passou pela primeira fase de testes. O módulo foi aplicado de forma preliminar para um grupo de 1.000 participantes do plano BD e agora está sendo preparado um teste com 10 mil participantes da Previ. Em seguida, o modelo será adequado aos padrões do plano de Contribuição Definida (CD) do fundo e logo será aplicado para todo o conjunto de 110 mil participantes da fundação.
O módulo atuarial tem a capacidade de identificar os fatores de risco que influenciam no passivo do plano de benefícios. Os fatores estão divididos em três grandes grupos. O primeiro grupo engloba os fatores financeiros, que são o crescimento salarial dos funcionários da ativa, a rentabilidade dos investimentos e os benefícios da previdência pública. O segundo grupo refere-se aos fatores biométricos: a expectativa de vida, o número de dependentes e a ocorrência de casos de invalidez. Por fim, há o grupo que considera os riscos das decisões pessoais, que são a escolha da idade da aposentadoria, saída do plano e troca de emprego.
Uma das principais polêmicas que envolvem a Previ e sua patrocinadora atualmente poderia ganhar contornos diferentes se o modelo de gestão de risco e ALM já estivesse funcionando. O Banco do Brasil insiste em utilizar o superávit do fundo de pensão para abater dívidas que possui em relação à Previ. Os participantes da fundação, porém, estão brigando na Justiça para evitar a utilização do superávit. O modelo de risco poderia indicar, por exemplo, um elevado risco do passivo ser maior que o previsto. Por isso, seria conveniente preservar uma parte do superávit para formar um fundo para evitar desequilíbrios futuros.
ALM – Se de um lado o modelo considera os riscos dos ativos e, de outro, mapeia os riscos do passivo, falta apenas o elo de ligação entre as duas partes. Este elo é denominado ALM (Asset Liability Management), cuja tradução livre poderia ser “gestão casada entre ativo e passivo”. Este é o último módulo que fecha o projeto da Previ. “O módulo do ALM tem o objetivo de monitorar os descasamentos entre investimentos e passivo. O mais importante é definir qual é o ritmo do fluxo de caixa ideal de longo prazo para a Previ”, explica José Reinaldo Magalhães. O modelo terá a capacidade de traçar um planejamento de até 32 anos considerando as necessidades de retorno e liquidez dos investimentos.
Para concretizar o ALM na Previ, existe ainda o módulo denominado de “infra-estrutura de informática”. Neste módulo, o personagem central é um software da Algorithmics chamado de RiskWatch. O sistema foi elaborado pela Algorithmics do Canadá, mas foi adaptado às condições da Previ. Depois de rodar no fundo de pensão do Banco do Brasil, a Algorithmics pretende sair a mercado nos próximos meses para oferecer o software para outras fundações.
O sistema recolhe os dados dos ativos e passivos dos planos de benefícios e processa uma série de informações relacionadas ao cálculo do risco e ao ALM. O RiskWatch, além de fornecer o VAR diário das carteiras, também será capaz de fornecer análises mais complexas, que relacionam o casamento das obrigações atuariais com os investimentos. “O sistema é capaz de projetar um fluxo de liquidez no longo prazo”, ressalta Álvaro Veiga.
Por fim, o projeto de gestão de risco e ALM da Previ ainda depende de algumas definições quanto ao posicionamento da gerência de risco dentro do organograma do fundo. “Continuaremos dentro da diretoria de planejamento, mas precisamos atuar junto às outras áreas da Previ”, recomenda José Reinaldo Magalhães.
O gerente está apresentando para a diretoria da Previ um estudo que indica a necessidade de criação de um comitê de risco dentro da fundação com a participação de membros de todas as áreas. Além disso, ele calcula que o quadro da gerência de risco deveria saltar de 4 pessoas para 9 profissionais. “Acredito que a diretoria vai aprovar o projeto devido à importância que o modelo de risco vem ganhando em função do amadurecimento da Previ”, prevê Magalhães.