Edição 286
A menor remuneração oriunda dos títulos públicos, que já começam a oferecer retorno insuficiente para fazer frente às metas atuariais das entidades e a melhor perspectiva para o crescimento econômico do país nos próximos meses trazem novos desafios para os fundos de pensão. A mudança de cenário começa a induzir as fundações a partir para estratégias de alocação voltadas para ativos de maior risco.
“A melhora do cenário econômico, com o início de um novo ciclo de queda dos juros, já começa a entrar no radar dos fundos de pensão. Isso naturalmente vai levar os investidores institucionais a procurar classes de ativo de maior risco”, afirma Maurício Wanderley, diretor de investimentos da Valia e coordenador da Comissão Técnica Nacional (CTN) de investimentos da Abrapp. Segundo o dirigente, as fundações devem aumentar suas posições na renda variável, e a reabertura do mercado de crédito deve trazer algum foco para os fundos desse segmento também, com novas emissões vindo pela frente. “Vejo o mercado de crédito e de renda variável absorvendo um fluxo adicional à medida que a taxa de juros comece a cair”.
Já a evolução do investimento no exterior, que ganhou espaço nas carteiras das fundações nos últimos anos, ainda que siga com uma participação total relativamente pequena, é uma “incógnita” para 2017, ressalta Wanderley. “O investimento no exterior vai ganhar espaço nas carteiras ao longo dos próximos anos como uma classe de diversificação, mas para o ano que vem vai depender principalmente de um cenário de maior estabilidade do câmbio”, pontua o especialista.
Arthur Lencastre, responsável pela área de investimentos da consultoria Willis Towers Watson no Brasil, ressalta que tem notado entre os clientes uma certa preocupação em como enfrentar um mercado com mais oportunidades do que tiveram nos últimos anos. “A mudança de governo e a nova equipe econômica contribuíram para a melhoria dos mercados, o que beneficiou os fundos de pensão, mas também trouxe uma interrogação, do que vem pela frente, e como eles devem se posicionar daqui em diante”, pondera Lencastre.
O mercado projeta que a queda da Selic deve se iniciar em outubro e encerrar 2017 em 11,25%, frente aos atuais 14,25%. Já o prêmio das NTN-Bs já não é mais suficiente para bater as metas com folga como ocorreu ao longo de 2015 e primeiro semestre de 2016. Diante das expectativas mais otimistas para a economia, a grande dúvida dos fundos de pensão é se convém aumentar a exposição ao risco. “A resposta que temos dado é que isso depende do que as fundações fizeram até agora”. O especialista explica que as recomendações da consultoria seguem caminhos diferentes para aquelas entidades que já adotaram em 2016 uma posição de maior risco, seja no mercado de juros ou no de bolsa, em relação àquelas que mantiveram uma postura mais conservadora. “Nossa visão é relativa, não consideramos óbvio um aumento puro e simples da exposição ao risco. As discussões acabam sendo caso a caso, em relação à exposição de cada cliente em função de seu ponto neutro de risco”.
Para os clientes que passaram os oito meses do ano com uma baixa exposição ao risco em relação ao seu ponto neutro, a Willis Towers Watson tem recomendado um aumento dessa exposição. E para as entidades que passaram os últimos meses com uma exposição ao risco mais elevada, a recomendação é rediscutir a exposição. “Não necessariamente diminuir, mas talvez alterar a exposição ao risco”.
As fundações que estão com uma parcela muito pequena de ações na carteira tem sido encorajadas pela consultoria a elevar essa posição, mas em fundos específicos, que adotem as estratégias de valor, tendo em vista a alta relevante já registrada pela bolsa em 2016, acima dos 30%. “Recomendamos uma abordagem mais seletiva, mais voltada para fundos de retorno absoluto, e não necessariamente ficar referenciado ao benchmark”, explica o profissional.
Renda fixa – Na renda fixa, o consultor da Willis Towers Watson tem sugerido cautela aos seus clientes, com eventuais revisões na exposição ao mercado de pré-fixados, em função das dúvidas sobre a velocidade da convergência da inflação para o centro da meta. “Diante da intensidade da recessão que tivemos, a inflação está demorando um pouco para convergir para o centro da meta. E nos questionamos se o Banco Central vai conseguir baixar os juros ainda neste ano ou se vai precisar esperar para iniciar a redução no ano que vem”.
O fato de o Compom (Comitê de Política Monetária) começar a cortar os juros um pouco antes ou um pouco depois não deve fazer tanta diferença para os fundos de pensão, ressalta Lencastre, que nota, contudo, que esse ‘timing’ da autoridade monetária terá influência sobre as expectativas dos agentes econômicos que atuam nesse mercado. “Esse é o pano de fundo que faz com que fiquemos preocupados com a exposição ao risco na taxa de juros”. Tendo em vista esse receio, para os fundos de pensão mais conservadores, a consultoria tem apontado, como melhor alternativa, ativos que pagam juro real, como as NTN-Bs, em detrimento aos ativos que pagam juros nominais, como os títulos pré-fixados. “E aquelas que têm um apetite maior por exposição ao risco podem ter um componente pré-fixado maior em suas carteiras”.
O especialista nota que, se a inflação mostrar uma velocidade maior na convergência para o centro da meta conforme o mercado espera, as aplicações em pré-fixados vai produzir nesse cenário um retorno maior do que as aplicações em juro real. E se a inflação continuar mostrando resistência à queda, pode ser que haja uma reprecificação no mercado e as aplicações em juro real apresentem um rendimento melhor do que as aplicações em pré-fixados. “Entendemos que não é óbvio simplesmente comprar um benchmark e colocar na carteira. O momento agora é de diferenciação”.
Multimercados – Guilherme Benites, da Aditus, acredita que os multimercados, são a melhor opção para a parcela mais arriscada da carteira das entidades. Isso ocorre pelo fato de dar uma maior liberdade ao gestor para transitar entre diversos mercados, em um ambiente que, embora melhor do que no passado recente, ainda requer cuidado.
“Vejo especialmente a bolsa no radar dos institucionais, e talvez para algumas já mais acostumadas, a classe de multimercados. Não vejo hoje uma perspectiva de algum aumento de risco para classes de ativo mais estruturadas do que essa”, pontua Benites. Como a preferência hoje, pelas conversas que tem tido, é maior pelos multimercados macro, o consultor da Aditus diz que não é possível apontar uma concentração específica em nenhum tipo de multimercado. “São aqueles fundos que podem fazer de tudo um pouco, inclusive até operar com ativos no exterior, mas hoje não é o caso. A maior concentração dos multimercados ainda esteja mesmo em operações de juros, e não fora do país”, recomenda Benites.
Lauro Araújo, da Lockton Brasil, considera que já temos hoje um mercado de gestores especialistas no segmento estruturado muito bom, principalmente entre os fundos multimercados, que são muito pouco utilizados pelos fundos de pensão, ressalta o profissional. “As entidades precisam começar a abrir espaço nas políticas de investimento para aumentar a alocação no segmento de estruturados em bons gestores de multimercados”. Entre os exemplos monitorados que despertam a atenção dos institucionais, Araújo cita a Garde Asset, a Mauá, e o Safra, com fundos já maduros, com um histórico positivo de rentabilidade e com equipes experientes.