Postalis parte para o ataque | Fundação inicia briga jurídica con...

Antônio Conquista, do PostalisCarlos Salamonde, do BNY MellonEdição 264

 

Com um déficit de R$ 2,2 bilhões apurado em julho de 2014, o fundo de pensão dos Correios decidiu recorrer à Justiça em uma disputa contra o BNY Mellon para recuperar perdas no fundo Sovereign II que somam entre R$ 250 e R$ 300 milhões. A disputa judicial representa apenas o início de um conflito entre a fundação, cujo patrimônio em junho de 2014 era de R$ 8,05 bilhões, e uma das maiores instituições globais do mercado financeiro – US$ 27,4 trilhões sob administração e custódia.

Além da disputa em torno do Sovereign II, a atual direção do Postalis está analisando se poderia ter havido problemas com os outros 11 fundos sob administração do BNY Mellon. Cobrado judicialmente pelo fundo de pensão, que quer receber dele os prejuízos do fundo que tinha gestão da Atlântica, o BNY Mellon alega que a responsabilidade é daquela gestora, que não existe mais, e da antiga direção do fundo de pensão.
A disputa na Justiça começou com forte repercussão, quando uma decisão da 29ª Vara Cível do Rio de Janeiro bloqueou em agosto a quantia de R$ 197,8 milhões das contas do BNY Mellon (veja box na pág. 53). O valor correspondia às perdas do fundo Sovereign II, calculadas pelo próprio BNY Mellon após o default técnico dos títulos da dívida argentina. A instituição divulgou fato relevante dando conta da reprecificação após o default dos títulos decorrente da disputa dos fundos “abutres” com o governo de Cristina Kirchner. O BNY Mellon ainda produziu um segundo fato relevante, com novas perdas de R$ 51 milhões. A segunda perda ocorreu em setembro após o leilão dos títulos americanos que tinham os ativos lastreados da dívida da Argentina. Mas segundo estimativas do Postalis, o valor era maior, de R$ 105 milhões.
Somada com a primeira perda, foram R$ 302,8 milhões de prejuízo em um fundo que teve aportes de recursos do Postalis entre 2005 e 2008 da ordem de R$ 370 milhões. Mesmo se considerada a conta do BNY Mellon, representa uma perda de R$ 248,8 milhões. O Postalis está cobrando todo o prejuízo do administrador que, segundo a fundação, tinha responsabilidade de impedir a operação de troca dos títulos da dívida brasileira, que foram substituídos pelo antigo gestor, a Atlântica, em novembro de 2011, por ativos das dívidas da Argentina, Venezuela e PDVsa.
“O BNY Mellon já era o administrador dos fundos do Postalis em 2011 e, como administrador das carteiras, tinha a responsabilidade sobre a gestão discricionária”, diz Antônio Carlos Conquista, atual presidente do Postalis. Ele assumiu a direção do fundo em fevereiro de 2012. “O regulamento do fundo é muito claro, se tiver algum problema ou irregularidade, o administrador fiduciário é o responsável”.
O dirigente do fundo de pensão alega que o BNY Mellon não cumpriu seu papel de administrador, pois permitiu que uma operação que levou ao desenquadramento do fundo fosse realizada. Outra acusação é que o administrador não comunicou o Postalis das irregularidades. “Quando a antiga direção soube das irregularidades no início de 2012, o diretor financeiro na época, Ricardo Oliveira, enviou uma carta ao BNY Mellon pedindo explicações, mas não teve resposta”, diz Conquista.
Já o BNY Mellon conta versão diferente e afirma que enviou uma carta ao Postalis com cópia para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), notificando o desenquadramento do fundo Sovereign II. Na época ainda não se sabia de fraudes no fundo, mas a operação de troca dos ativos da dívida brasileira por notas lastreadas em dívida da Argentina já estava contra o mandato do Sovereign II. Segundo o BNY Mellon, a carta foi enviada ao Postalis no final de janeiro de 2012.

Responsabilidade – Mas além das datas de comunicação, para o BNY Mellon a responsabilidade pela operação e pelas perdas no fundo não é do administrador. “O BNY Mellon desempenhava, na época, o papel de administrador do fundo, sendo responsável pelo cálculo de cotas, gerenciamento de risco, verificação do enquadramento, mas não era responsável pela gestão. A seleção dos ativos era papel do gestor, a Atlântica, que foi escolhido pelo próprio Postalis”, diz Carlos Salamonde, chefe da área de serviços financeiros do BNY Mellon no Brasil e América Latina.
Segundo Salamonde, que foi contratado em novembro de 2013 para ocupar o lugar de Alberto Elias, que era o diretor de asset servicing da instituição quando ocorreram as operações, a equipe do BNY Mellon cumpriu com seu papel de administrador, tanto na comunicação do desenquadramento no início de 2012, quanto antes disso. O problema principal é que houve uma operação fraudulenta, fora da jurisdição da CVM e da SEC (Securities and Exchanged Commission).
“A troca dos ativos foi uma decisão do gestor e, além disso, foi realizada fora do Brasil, o que tornava ainda mais difícil o bloqueio da operação. Assim que soubemos da operação e do desenquadramento gerado no fundo, comunicamos o Postalis”, diz Salamonde. “Por isso, não havia mecanismos para bloquear antecipadamente a operação, que foi realizada pelo gestor Fabrizio Neves, da Atlântica”.
Já o Postalis alega que a operação foi realizada à revelia da direção do fundo de pensão. Os argumentos da fundação estão amparados na legislação dos fundos de investimento, que atribui ao administrador fiduciário a responsabilidade legal pelo enquadramento do fundo. Diante dos problemas, a fundação contratou o escritório de advocacia de Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM, em setembro de 2012. Como o caso começou a ter consequências na SEC, o Postalis contratou também o escritório KK, no primeiro semestre de 2013, para acompanhar o caso nos EUA.

Fraude – Nos EUA, não existe uma ação na Justiça envolvendo o Postalis, porém, a SEC investiga fraudes ocorridas no Sovereign II, atribuídas a Fabrizio Neves e seus sócios. Além disso, a investigação cita o envolvimento do ex-presidente do Postalis, Alexej Predtechensky. Em uma investigação publicada em julho de 2013, o órgão dos EUA mostra informações que houve fraude na gestão do fundo.
A corretora Latam, de propriedade de Angelica Aguilera, que tinha como sócio Fabrizio Neves, comprou as notas de bancos de primeira linha, a maioria da UBS Warburg, e negociou os ativos nas Ilhas Britânicas Virgens (Bahamas). A intermediação foi realizada pela Spectra, que tinha Predtechensky como sócio. Na operação, o valor das notas foram adulteradas, segundo a investigação da SEC. Com um valor quase quatro vezes maior que o original, as notas foram colocadas dentro do fundo Sovereign II, em substituição aos títulos da dívida brasileira.
Segundo a direção do BNY Mellon, não havia mecanismo para impedir a operação, que foi planejada desde o início com intenção fraudulenta. Não era possível barrar uma operação realizada em um paraíso fiscal fora dos EUA. Segundo o banco, até mesmo para chegar a informação sobre a operação, demorou mais de dois meses, mas ainda não se sabia da adulteração das notas. A fraude foi confirmada mais tarde, quando se procurou o emissor das notas, o UBS Warburg, que no primeiro momento, não encontrou registro da emissão. Foi necessário realizar um levantamento para descobrir que as notas tinham realmente sido emitidas, mas que sofreram adulteração.
Outro ponto questionado pelo Postalis é a razão da demora na reprecificação dos ativos, que foi realizada apenas em maio de 2014. O BNY Mellon alega que não havia muito o que fazer, nem fato relevante para reprecificar carteira. O que detonou a necessidade de reavaliação foi o default dos títulos da Argentina, depois do qual o administrador se viu obrigado a reavaliar a carteira do Sovereign II. Depois das duas reprecificações, o pior de tudo é que os ativos foram liquidados e, por isso, não há mais chances de recuperação. É que as notas foram a leilão nos EUA e os investidores pagaram o que achavam que elas valiam no mercado.

Negociação – Diante das perdas do fundo, o Postalis propôs ao BNY Mellon que devolvesse os valores originais do fundo corrigidos pela meta atuarial, mas o BNY Mellon não aceitou o acordo. Na visão dos executivos, a instituição não é culpada pelas perdas e irregularidades do fundo. Ainda nessa linha de raciocínio, a responsabilidade pelas perdas é do antigo gestor do fundo.
Com a recusa do acordo, o Postalis decidiu entrar na Justiça. Uma queixa dos executivos do BNY Mellon foi a instância escolhida pelo Postalis, uma vara cível, e uma ação por perdas e danos. Segundo o comando da instituição, a via mais adequada seria a própria CVM, ou pelo menos uma vara empresarial, que estaria mais capacitados para analisar e julgar a ação. Um dos argumentos utilizados pelo Postalis é que o BNY Mellon poderia deixar o Brasil, assim como tinha ocorrido com os gestores da Atlântica, por isso, pediram o bloqueio dos bens.
O argumento pareceu absurdo para os executivos do BNY Mellon. Com registro de banco, com R$ 200 bilhões de recursos sob administração de assets e com 500 funcionários no país, Carlos Salamonde responde que nem que ele quisesse, poderia sair do Brasil. Além disso, a operação brasileira é uma das mais importantes do BNY Mellon no mundo.

Fundo de pensão adota série de iniciativas para reverter perdas

O Postalis está realizando uma série de iniciativas para recuperar investimentos que entraram em situação de default. A fundação está analisando também a situação dos ativos de 11 fundos exclusivos que continuam sob a administração do BNY Mellon. A provisão dos ativos em default representam a principal fonte de elevação do déficit dos planos de benefícios da fundação, que saltou de R$ 936 milhões em dezembro de 2013 para R$ 2,2 bilhões em julho de 2014. Mas nem todo o valor corresponde às provisões de perdas com investimentos. Cerca de R$ 300 milhões correspondem ao corte da meta atuarial em 0,25% exigida pela legislação.
Em apenas uma das carteiras do Postalis, o fundo espera recuperar cerca de R$ 300 milhões em ativos da Multiner. É que o novo controlador da empresa, o grupo Bolognese, se comprometeu a repassar ativos para o fundo. O processo porém, depende de uma análise dos balanços dos últimos anos e está se alongando mais que o previsto. “Esperamos recuperar os investimentos na Multiner até o final do ano”, prevê Conquista.
Outro caso problemático é da carteira de Galileo, empresa de educação que foi descredenciada do MEC em 2014. Até o problema com a empresa, não havia inadimplência com relação ao Postalis, mas depois houve perda das garantias, que vinham das mensalidades dos cursos de medicina. “Pedimos antecipação do vencimento dos investimentos em Galileo na Justiça e conseguimos receber R$ 44 milhões, de um total de R$ 81 milhões”, diz Conquista. O dirigente comenta que o dia-a-dia das equipes de investimentos, comandada pelo atual diretor André Mota, e demais áreas da fundação tem sido consumida em grande parte com ações na Justiça e com renegociações com gestores e investidores.
Na carteira de investimentos, o Postalis tem aproveitado a abertura das taxas de juros para adquirir NTN-Bs. “Quando assumimos, todas as carteiras da fundação tinham apenas R$ 40 milhões em NTN-Bs. Agora já estamos com R$ 1,5 bilhão no plano BD, o Postalprev, e mais R$ 400 milhões, no plano CV”, comenta o presidente do Postalis. Os títulos foram adquiridos a uma taxa de inflação mais 6,5% em média, e foram todos marcados na curva.
“Engessamos a carteira de NTN-Bs ao marcar na curva. Assim fica mais difícil para os futuros gestores venderem os papéis antes do vencimento, pois precisam de autorização da Previc”, diz Conquista. Ele acredita que no médio e longo prazo, o déficit possa ser revertido, mas que no ano que vem, será necessário um novo equacionamento do mesmo, com novos aportes da patrocinadora e de participantes.

Cronologia da ação na Justiça envolvendo Fidex

Antecedentes: as aplicações feitas no Fidex (fundo de investimento em dívida externa) Sovereign II foram de R$ 370 milhões entre 2005 a 2008. O investimento no fundo previa a aplicação de pelo menos 80% do valor em títulos da dívida externa brasileira.
Agosto de 2014: BNY Mellon divulga fato relevante explicando que em 2011, a antiga gestora do Fidex, Atlântica Administração de Recursos, fez com que o fundo realizasse dois investimentos em títulos de dívida privados, e apenas recentemente o banco obteve conhecimento de que o valor pago pelo fundo foi excedente em aproximadamente US$ 79 milhões ao devido para a aquisição dos títulos.
Agosto de 2014: fundo de pensão entra com processo contra o BNY Mellon e consegue que a Justiça do Rio de Janeiro bloqueie R$ 197,8 milhões referentes às perdas do fundo. Em nota, o BNY Mellon se defende contra o processo e declara que a decisão de investimento foi feita pelo gestor do fundo de investimento escolhido pelo Postalis.
Agosto de 2014: Decisão da 29ª Vara Cível do Rio de Janeiro: “a administradora do fundo não pode simplesmente se eximir de suas obrigações, atribuindo ao gestor a autoria pela conduta irregular. Devem ser considerados que foi quem escolheu o gestor, a legislação/regulamentação vigente e o contrato celebrado entre as partes com previsão da responsabilidade civil solidária”.
Setembro de 2014: BNY Mellon recorre da decisão, mas a desembargadora Geórgia de Carvalho Lima nega recurso para desbloquear os bens do banco. Para ela, há uma preocupação que o Postalis esteja exposto ao risco do BNY Mellon encerrar as suas operações no Brasil. O banco, por sua vez, se posicionou declarando que o questionamento dado no processo é infundado.
Setembro de 2014: Postalis divulga que conseguiu na Justiça um novo bloqueio, de mais R$ 105 milhões, das contas do BNY Mellon, devido a novas perdas do Fidex, que de um saldo de R$ 384 milhões, chegou a R$ 133 milhões. BNY Mellon esclarece que decisão não representa novo bloqueio, mas sim “o reforço de garantia para inclusão das perdas de 27,92% do patrimônio líquido do fundo por meio de carta de fiança”.