As entidades fechadas de previdência complementar com planos de Contribuição Definida (CD) ou Variável (CV) que oferecem os perfis de investimento terão de iniciar o processo de ‘suitability’ junto aos seus segurados, para medir a adequação de cada um aos produtos oferecidos. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) publicou no dia 14 de novembro de 2018 a Instrução número 6, regulando as diretrizes gerais para as fundações que oferecem os perfis, na qual consta, num capítulo específico sobre o tema, um artigo quanto à exigência do ‘suitability’. “A EFPC que oferecer perfil de investimento deve verificar se o perfil é adequado aos objetivos do participante ou assistido”, diz o regulamento da autarquia.
A decisão da Previc levantou a discussão, dentro do sistema, sobre a real capacidade dos participantes de tomarem decisões de investimento que terão impacto sobre sua poupança previdenciária ao longo de sua vida, já que uma das premissas do ‘suitability’ é a aplicação de um questionário que demanda noções básicas sobre o mercado financeiro.
A Previbayer, por entender que nem todos os segurados têm discernimento suficiente para tomar tal decisão, prefere não aplicar o teste, optando pelo modelo ciclo de vida, em que o perfil é definido com base na faixa etária. Já no Fundo Paraná a avaliação é de que o material de educação financeira e previdenciária colocado à disposição dos participantes já fornece as condições necessárias para que esses definam com propriedade o perfil mais em linha com seus anseios para o futuro. Há ainda uma terceira via, trilhada pela Funpresp, que irá lançar os perfis em 2019 seguindo o modelo ciclo de vida, mas também com o ‘suitability’.“Embora seja prática comum nas fundações a promoção e divulgação de material de educação financeira e previdenciária, não necessariamente todos os participantes têm formação adequada para fazer a melhor escolha do perfil de investimento”, nota o diretor superintendente da Previbayer, Lucas Nóbrega. A fundação, por meio de suas consultorias Aditus e Willis Towers Watson, encaminhou seu posicionamento contrário ao processo de ‘suitability’ na consulta pública aberta entre setembro e outubro pela Previc com o objetivo de regulamentar os perfis.
“Em muitos casos notamos um comportamento errático do participante, que toma decisões olhando para o retrovisor e acaba por dilapidar sua poupança previdenciária”, pondera o consultor da PPS, Everaldo França, corroborando a hipótese levantada pelo dirigente da Previbayer. Como a bolsa andou mal em anos anteriores, prossegue França, os perfis agressivos geralmente tem pouquíssimos participantes, o que têm até mesmo inviabilizado economicamente o modelo dos perfis de investimento em algumas entidades.
Segundo o consultor, há fundações com estudos em andamento para se desfazer dos perfis, ou ao menos abolir as opções mais agressivas. Como não há ainda decisão tomada a respeito, França prefere não citar as fundações nas quais essa intenção está sendo discutida.
Conservadorismo – Pela teoria das finanças comportamentais, a maioria dos investidores prefere alocar em produtos conservadores. Segundo Nóbrega, da Previbayer, extrapolando para os participantes de fundos de pensão os padrões da população em geral, entre 70% e 80% dos segurados do fundo de pensão acabariam optando pelo perfil mais conservador, embora boa parte dos que fizeram essa escolha, principalmente os mais jovens, poderiam maximizar seus retornos caso aceitassem correr mais risco, já que terão tempo para compensar eventuais perdas.
“Tentamos induzir o participante a ficar no perfil mais adequado à sua idade”, aponta Nóbrega. Na hipótese de um segurado próximo da aposentadoria optar pelo perfil mais agressivo à disposição, ou um participante jovem escolher o mais conservador, eles têm a liberdade dentro da entidade previdenciária da Bayer para fazê-lo. “Quando ocorre esse tipo de situação aconselhamos o participante a não tomar tal decisão, mas sempre respeitamos a escolha individual de cada um”.
Teste – Já no Fundo Paraná, ao aderir ao fundo de pensão o participante responde três perguntas para definição de qual o seu melhor perfil de investimento – se ele já faz a gestão de investimentos, e, em caso positivo, se o foco é no curto, médio ou longo prazo; se ele prefere um investimento de risco pequeno e retorno de acordo, ou se topa um investimento em ativos de maior volatilidade e possivelmente maiores ganhos; e por fim, qual sua opinião sobre os investimentos no mercado de renda variável.
“Já fazemos um processo que se aproxima do conceito do ‘suitability’ há cerca de cinco anos, ainda que talvez não da forma como a Previc queira implementar”, afirma o presidente do Fundo Paraná, Renato Follador. Ele lembra que, embora todo ano o participante tenha a opção de alterar seu perfil, o percentual dos que o fazem é pequeno, próximo dos 8%. Na avaliação do dirigente, essa baixa movimentação dos segurados entre os perfis se deve aos programas de educação financeira e previdenciária promovidos continuamente pelo Fundo Paraná.
“O ‘suitability’ está muito associado à uma falta de educação financeira e previdenciária, e como oferecemos farto material para nossos participantes em nossa página na internet e nas redes sociais, entendo que não há necessidade de mudança no modelo do perfil de investimento do Fundo Paraná”, aponta Follador.
Segundo ele, a entidade de previdência paranaense pretende iniciar em 2019 um modelo de inscrição totalmente digital para segurados em potencial, induzindo o futuro participante a responder em seu próprio computador, tablet ou celular às três perguntas acima mencionadas, sendo automaticamente alocado no perfil de investimento mais adequado.
Híbrido – A Funpresp, por sua vez, irá adotar os perfis de investimento em 2019 com um modelo que bebe tanto do seguido pela Previbayer, com o conceito ciclo de vida, como também do adotado pelo Fundo Paraná, que aplica um teste para auxiliar o participante na sua decisão, mesmo que ela não esteja de acordo com sua faixa etária.
“Os perfis nos ajudarão a dar um direcionamento mais claro na gestão dos recursos. Para os planos de Benefício Definido (BD) existem as metas atuariais, e nos de Contribuição Definida, que não tem meta atuarial, teremos como objetivo a ser alcançado os percentuais em cada classe de ativo como resultado da escolha dos participantes”, assinala o presidente da Funpresp, Ricardo Pena. As discussões sobre a implementação dos perfis na Funpresp tiveram início no final de 2016, e incluíram a contratação de duas consultorias, a InBehavior Lab, especializada em economia comportamental, para mapear os vieses predominantes na tomada de decisões financeiras dos segurados, e a Luz Previdência, para elaboração dos manuais técnicos.
O trabalho da InBehavior indicou que, dentre três vieses – faça por mim, me ajude a fazer ou deixe que eu faço – a maior parte dos segurados da Funpresp mostrou preferência pelo último, indo de encontro ao modelo dos perfis. “Os resultados da pesquisa sobre o perfil comportamental dos nossos participantes também serão utilizados como base para a formulação do ‘suitability’”, pondera o presidente da Funpresp, que ressalta o alto letramento e cognição financeira da base de segurados da entidade desprendido do levantamento da consultoria comportamental, o que, segundo ele, dá conforto aos dirigentes da fundação para aplicar o questionário à uma base capacitada de respondentes.
Ciclo de vida – O modelo ciclo de vida, ainda pouco disseminado no mercado local, é apontado pela diretora de planejamento da Previ, Paula Goto, como uma possível melhoria a ser implementada nos perfis de investimento do fundo de pensão do Banco do Brasil.
O Previ Futuro, plano de Contribuição Variável (CV) que teve os perfis de investimento instituído em 2009, passou a ter em 2017 um modelo de ‘suitability’, com um questionário de análise de perfil do investidor (API) disponível no site e no aplicativo da entidade. “O principal impacto da exigência de ‘suitability’ por parte da Previc é que o API precisaria se tornar obrigatório, já que no momento ele é opcional”, comenta a dirigente.
Nas interações com seus segurados o maior fundo de pensão do mercado brasileiro deixa claro que o resultado do API não deve ser utilizado isoladamente para balizar uma decisão de migração entre os perfis de investimento. Paula destaca que também devem ser levados em conta outros aspectos, como o valor acumulado das reservas e o tempo que falta para a aposentadoria. “Queremos sempre fornecer aos participantes oportunidades de melhorar a aposentadoria e participar mais ativamente do processo de gestão do saldo de conta”, pondera a diretora de planejamento da Previ.
Sem amarras – A intenção do órgão regulador com a nova legislação, ressalta o diretor-superintendente substituto da Previc, Fábio Coelho, não é impor amarras que de alguma maneira restrinjam a atuação dos fundos com perfis de investimento. “Queremos dar um norte para que as fundações tenham uma base para desenvolver seus próprios modelos internamente, com liberdade para fazer suas opções de acordo com as especificidades de cada uma”.
O diretor da autarquia lembra que já existem práticas consolidadas de ‘suitability’ no mercado financeiro local, sendo que as entidades poderão usá-las da maneira que preferirem, seguindo-as de maneira integral ou fazendo as adaptações que julgarem necessárias, ou mesmo construindo seus modelos proprietários. “Optamos por não trazer uma regulação excessiva para algo que ainda está se desenvolvendo. Estamos colocando as pedras fundamentais do ponto de vista regulatório para permitir que o mercado cresça em bases sólidas”.Segundo Coelho, o objetivo final da Previc com o normativo é trazer maior proteção ao participante, para que ele tenha à sua disposição produtos financeiros que estejam em consonância com sua realidade e expectativas.
Um capítulo dentro do arcabouço regulatório voltado apenas aos perfis de investimento se insere dentro do planejamento da Previc de desenvolver uma legislação que olhe com mais atenção para os planos CD, já que, na avaliação do diretor, hoje as regras do setor ainda estão mais voltadas para os planos de Benefício Definido (BD).
Como os perfis de investimento seguem modelos distintos, a Previc não tem ainda um levantamento do número de fundos que seguem esse conceito, mas dentro dos planos de construção de um arcabouço mais voltado para os planos CD o órgão regulador tem modelado internamente possíveis maneiras de como fazer o monitoramento e supervisão de planos com essas características.