Edição 277
Como uma cobrança com data antecipada, os prejuízos e aumento dos riscos provocados por fatores ASG (Ambientais, Sociais e de Governança) estão batendo a porta dos investidores mais cedo do que se imaginava. Mais que acender o sinal de alerta, a crise hídrica que assolou o país em 2014 e parte de 2015, o desastre da barragem da Samarco em Mariana (MG) e os escândalos de governança deflagrados pela Operação Lava Jato, entre outros exemplos, já provocam prejuízos para o bolso dos investidores como fundos de pensão e assets.
Longe de atingirem apenas a imagem dessas empresas, tais eventos exercem impacto sobre seus valores de mercado. Isso não quer dizer que a mudança de atitude e de cultura é imediata no sentido de adotar novas práticas. Gestores e dirigentes preveem que as adesões aos princípios ASG tendem a ser graduais devido à recessão econômica.
“Em períodos como esse, a questão deixa de ser prioritária em reuniões porque a preocupação passa a ser sobreviver no curto prazo. No entanto, introduzimos a análise ASG para o médio e longo prazos, já que todas as crises envolvendo empresas mostram que a importância disso não é secundária”, afirma Paulo de Sá, gerente executivo de investimentos em renda variável da Funcesp.
A entidade traçou um plano de sustentabilidade desde 2011 como estratégia de minimização de riscos da carteira. Com patrimônio de R$ 23 bilhões, a Funcesp aplica os conceitos ASG na metade da fatia de 15% de seus recursos em renda variável. “Para fazer a abordagem quantitativa, vamos terceirizar algumas etapas da metodologia com consultorias especializadas”, afirma.
Para os institucionais que fazem investimento responsável, houve uma evolução na adoção dos critérios – que é mais do que uma ferramenta de gerenciamento de riscos, mas também de busca de oportunidades que oferecem retorno no longo prazo. De acordo com um levantamento da consultoria Sitawi, realizado no fim de 2014 com os 50 maiores fundos de pensão, 67% faziam referência ao investimento responsável na política de investimentos.
Por meio de um rating, a Sitawi detectou que 43% delas divulgam ações de natureza aspiracional. Além disso, 49% dos ativos dos fundos de pensão estão sujeitos a práticas intermediárias ou avançadas de um total US$ 133 bilhões, dos quais US$ 55 bilhões em renda variável. “Verificamos que falta capacitação e expertise de gestores na análise ASG e isso está sujeito a ciclos econômicos. No ciclo de baixa, há tendência de concentração dos recursos na renda fixa do governo – na qual não há espaço para essa análise. Em ciclos de alta, há mais investimento em renda variável, crédito privado e private equity”, afirma Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi.
Estudos – Outro estudo do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (Fundação Getúlio Vargas) com 24 fundos de pensão mostra que, em dezembro de 2013, havia R$ 396,1 bilhões de ativos sob gestão de fundações signatárias do PRI (Principles for Responsible Investments). “Desse total, R$ 33,5 bilhões das entidades estavam alocados em empresas do ISE, 11 vezes mais do que os R$ 3 bilhões em outros produtos temáticos”, comenta Aron Belinky, coordenador do programa de desempenho e transparência do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV.
Tatiana Assali, coordenadora para a América do Sul do PRI, avalia que a crise econômica ocorre em paralelo com as crises ambientais e de governança e isso deve manter vivo o interesse de investidores em adotar os princípios de investimento responsável. Dos mais de 1400 signatários do PRI no mundo, que movimentam US$ 59 trilhões, 58 estão no Brasil – dos quais 16 são fundos de pensão e seguradoras. Os signatários se comprometem a adotar os princípios, mas a entidade não diz como fazer isso.
“Cada um deve ter um método de análise ASG integrada, do pré-investimento à tomada de decisão e monitoramento. O investidor que monitora os votos de assembleia, diretoria e conselho, além da cadeia de fornecimento, sabe se a empresa tem boa governança e tem menor chance de ser pego de surpresa”, afirma Tatiana.
Maus exemplos – Um exemplo de empresa com problemas de governança é o da Volkswagen, que, segundo Tatiana, já mostrava indicadores negativos antes mesmo da descoberta da fraude em emissões de seus veículos. Outro exemplo é o da British Petroleum, que também teve downgrade por agências de rating ASG antes mesmo do vazamento no Golfo do México, por causa de outros problemas decorrentes de acidentes de menor proporção. “Isso elevava a bandeirinha de riscos ambientais daquele ativo. Não podemos prever tudo, principalmente fraudes, mas o monitoramento mostra que há mais riscos e abre a possibilidade de mitigá-los”, diz a representante do PRI.
Para Juliana Lopes, diretora CDP (Carbon Disclosure Program) para a América Latina, o ASG é um critério associado ao dever fiduciário de quem faz a gestão de carteiras de longo prazo. A entidade tem observado um crescimento no número de investidores signatários – que passou de 783 em 2014 para 822 neste ano, que movimentam US$ 95 trilhões em ativos.
No Brasil, são 68 investidores institucionais, entre fundos de pensão, gestores de recursos, bancos e seguradoras. Ela avalia que a discussão evoluiu e a preocupação dos investidores não está só relacionada à gestão ambiental que as empresas fazem, mas se elas têm um plano de contingência no caso de eventos inesperados, ou como mitigá-los. “A série histórica não apontava para uma crise hídrica como a que vivemos recentemente. O último registro era da década de 1960. O investidor quer saber se a empresa é capaz de minimizar os danos”, afirma.
O movimento pelo desinvestimento em combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), no que é chamado de descarbonização dos portfólios, pode receber mais apoio regulatório daqui para frente. Pelo menos essa é a proposta assinada por 195 países que aderiram ao Acordo de Paris, na última Conferência Mundial sobre o Clima (COP21), em dezembro. O documento foi considerado audacioso e histórico, pois foi o primeiro a fixar como meta um limite para o aquecimento da terra em 1,5 ou 2 graus até 2100, abaixo dos mais de 3 graus que os especialistas esperam caso não haja nenhuma mudança no uso de fontes de energia.
Desinvestimento – Carlos Frederico Aires Duque, diretor-superintendente da Infraprev, explica como a fundação adota os critérios ASG no modelo de governança da entidade – que também foram incorporados ao processo de análise de investimentos, riscos e monitoramento. A fundação, signatária da PRI, CDP e DCN (Declaração de Capital Natural), tem patrimônio de R$ 2,897 bilhões, segundo dados de setembro, dos quais 10,86% com análise ASG em ativos de renda fixa e fundos de investimentos em participações (Fips). “Acompanhamos os ativos e, se houver mudança de rating socioambiental e de governança, podemos tomar a decisão de desinvestir”, afirma. Isso já ocorreu com uma empresa do setor imobiliário, segundo Duque, por causa de problemas trabalhistas.
Além de minimizar os riscos, a parte ASG da carteira de renda variável ofereceu um retorno 49,07% superior ao do Ibovespa e é composta por 60% das empresas que respondem ao CDP e por 45% das empresas do ISE, segundo dados acumulados de 2007 a 2014. Os Fips também ofereceram rentabilidade acumulada de 20,95% superior aos que não foram escolhidos com critérios ASG.
Na opinião de Gustavo Pimentel, da Sitawi, a adoção dos princípios evoluiu no sentido de ser transversal – não só com a alocação de parte da carteira em investimentos em áreas positivas ou a saída de ativos com práticas negativas – mas de maneira integrada no processo decisório de gestão. “A análise ASG é uma ferramenta de gerenciamento de risco, mas também de busca de oportunidades. Pode ser que uma empresa com rating socioambiental alto pode estar subprecificada”, diz.
A integração, segundo Pimentel, visa entender melhor a característica de risco e retorno dos ativos – com uma lente de análise adicional. “Em teoria, um determinado ativo pode ser reduzido da carteira e não necessariamente excluído”, afirma.
Gestores de recursos – Tatiana Grecco, superintendente de Fundos na Itaú Asset Management, signatária da PRI, avalia que essa evolução na análise ASG faz parte do processo de investimento. Segundo ela, os analistas têm uma visão relativa das empresas de cada setor, dando um peso diferente para aquelas bem avaliadas do ponto de vista socioambiental e de governança. “Adotamos um método de fluxo de caixa e valuation clássico no qual conseguimos dar um peso de ESG na análise de forma tangível”, explica.
Ela explica que, na avaliação, não verifica só aspectos ambientais e de mudanças climáticas, mas também o relacionamento da empresa com trabalhadores, fornecedores, relação com as comunidades e clientes. A análise ASG é aplicada a um montante de R$ 247 bilhões de ativos sob gestão – alocados em renda variável e, desde 2013, em renda fixa privada. Além disso, a Itaú Asset incorpora os princípios à gestão dos fundos socioambientais, que somam mais R$ 532 milhões em ativos sob gestão. Segundo a superintendente, no crédito privado a análise é especialmente importante porque são ativos de baixa liquidez e as companhias em sua maioria são de capital fechado.
Na renda variável, porém, muitos mandatos estão atrelados a um benchmark, como o Ibovespa, o que não permite a saída de determinados ativos. “Não adotamos a lista negativa, mas estamos conscientes dos riscos, observando empresas pares para quantificar a melhor. Fazemos apostas relativas, ficando under ou over, em função da análise ESG”, afirma. Uma amostra do resultado desse trabalho está no Fundo Itaú de Excelência Social (FIES), que acumulou retorno de 283,37% de 2004 até outubro, e superou o seu benchmark, o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da bolsa, que teve desempenho de 116,63% no mesmo período.
A Santander Asset Management também adota uma metodologia própria para seu fundo com critérios de governança corporativa, o Ethical, que existe há 14 anos e tem mais de R$ 70 milhões sob gestão. “Comparamos o retorno com o ISE mas não é nosso benchmark. Nossa análise é baseada em informações públicas, relatórios de sustentabilidade, informações do Ministério Público do Trabalho, do Ibama e reportagens na mídia”, explica Luzia Hirata, analista de ASG da Santander Asset, signatária do PRI desde 2008.
Segundo ela, um conselho deliberativo costuma se reunir quatro vezes ao ano para avaliar a metodologia e a carteira, mas neste ano atípico já ocorreram oito reuniões. O assunto que ocupa boa parte desses encontros são as empresas envolvidas na Lava Jato, as quais ainda estão em análise pela asset. “É complicado tomar a decisão de excluir porque não podemos ser mais rigorosos do que a própria investigação. Ouvimos o outro lado e acompanhamos”, diz Luzia. A asset também aplica a análise ASG nos ativos de renda fixa e de renda variável dos fundos sob gestão, com exclusão quando a empresa está na lista do Ministério Público do Trabalho.
“Na avaliação, aplicamos uma nota para a empresa e ela é comparada a outra do próprio setor. De acordo com a nota, há um prêmio ou desconto aplicado ao preço final do ativo e à oferta”, explica.
Manual de sustentabilidade – Márcia de Luca Micheli, analista de investimentos da fundação Real Grandeza, diz que, desde 2012, adota um manual interno de sustentabilidade e governança, que descreve os riscos ambientais de forma objetiva. As empresas em análise devem responder a um questionário para, então, receberem uma nota. Apenas quem obtiver acima de um (de uma escala de zero a três) pode receber investimento da fundação – que monitora o processo posteriormente. “Esse manual incorporou mais recentemente os conceitos da lei anticorrupção. Ele é aplicado internamente e pela gestão externa, que representa um pedaço de 1,5% da carteira. Adotamos os critérios na renda variável, nos Fips e na renda fixa”, diz Márcia. O fundo de pensão tem atualmente R$ 12 bilhões de patrimônio sob gestão.
Segundo ela, essa análise integrada de ASG também incorporou o filtro de risco de imagem, o que está fazendo a fundação reduzir gradualmente a exposição a uma empresa de mineração da carteira, até zerá-la. “A adoção do manual ajudou a evitar ativos que, depois, tiveram a imagem denegrida. Agora, nosso foco também é a imagem e, por isso, entram as empresas investigadas na Lava Jato”, afirma.
A lição de casa das empresas
Do lado das empresas, ainda é preciso que o meio ambiente, a governança e a transparência deixem de ser associadas apenas ao marketing, segundo Glaucia Terreo, diretora do GRI (Global Reporting Iniciative) no Brasil, organização internacional pioneira no aprimoramento dos relatos corporativos de sustentabilidade.
No Brasil, mais de 200 empresas que adotam a metodologia do GRI e elas passam por um processo de aprendizado na hora de inserir as perspectivas ASG nos procedimentos, políticas e ações nos relatos. “O papel dos investidores é cobrar das empresas para que coloquem em prática o que dizem nos relatórios. Eles são indutores desse processo e as empresas passam a perceber a relação entre os temas de sustentabilidade com a parte econômica e financeira”, diz.
Sonia Favaretto, presidente do Conselho Deliberativo do ISE e diretora de Imprensa e Sustentabilidade da BM&FBovespa, avalia que essa é uma engrenagem que anda junta. De um lado, as empresas precisam fazer ações e dar visibilidade a elas para o investidor manter-se interessado em saber mais. Favaretto diz que está em audiência pública a obrigação de abertura de respostas dos questionários para todas as empresas que serão listadas no ISE a partir de 2016. Hoje, 94% das 35 que participam do índice autorizam a divulgação.
Adesão ainda tímida nos mercados emergentes
Luciane Ribeiro, CEO da Santander Asset Management, diretora da Anbima, foi membro do Conselho da PRI e, em entrevista, avalia como a compreensão desses conceitos mudou ao longo do tempo.
A adoção de princípios ASG na política de investimentos de institucionais evoluiu?
Sim. Atualmente a discussão não é mais se os aspectos ASG são relevantes ou não, mas como cada gestor deverá incorporar essas informações, sempre respeitando o seu dever fiduciário. A demanda pela inclusão de critérios ASG tem crescido pelos institucionais, mas ainda de forma tímida nos mercados emergentes.
No Brasil, as empresas que seguem os princípios ASG precisam ser mais transparentes?
A transparência nas informações sempre será cobrada das companhias. Principalmente em relação aos aspectos críticos ou negativos. No Brasil, temos um grande número de companhias que reportam suas informações ASG por meio de relatórios anuais, de sustentabilidade ou integrados. Isso é bastante positivo, mas ainda é necessário melhorar a qualidade das informações reportadas, apresentar aquilo que é relevante para as atividades da companhia e mostrar resultados de desempenho por meio de indicadores padronizados.
A análise ASG será cada vez mais integrada e não apenas baseada em listas?
Todas essas abordagens devem existir e a escolha dependerá do investidor. Há ainda aqueles que optam pela exclusão de determinados setores que consideram críticos. Como exemplo, há um movimento forte entre alguns investidores para excluir de seus portfólios as empresas de carvão. Por outro lado, a análise integrada é mais complexa e exige um acompanhamento e engajamento contínuo por parte de investidores e gestores. Em alguns casos, o investidor pode ser mais ativo e até mesmo exigir mudanças na companhia quando entende ser necessário.