O cerco se fecha | Com a recente decisão do STF contra a imunidad...

Edição 108

Às vésperas de mais um ano eleitoral, os fundos de pensão têm motivos de sobra para se preocupar. Existe uma pressão extra por parte dos parlamentares para que seja aprovado o fim da imunidade tributária dos fundos de pensão. Afinal, se firmada a jurisprudência contra os fundos, a partir de janeiro deve entrar nos cofres da União pelo menos metade dos US$ 12 bilhões em impostos acumulados que o Governo entende como devidos nos últimos cinco anos pelas entidades de previdência complementar.
Ao decidir que a Ceres, fundo dos funcionários da Embrapa, não se enquadrava no artigo 150 da Constituição (que dá imunidade para entidades de natureza de assistência social) e deveria, portanto, pagar IPTU ao Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) acenou com uma polpuda fonte de recursos para alimentar a caça aos votos nas próximas eleições. Mais da metade (54%) desses R$ 6 bilhões (já provisionados) deve seguir para Estados e municípios. O restante, 46%, fica com o Governo federal.
“Para a Receita Federal, nesse primeiro momento, esta receita nem é tão importante porque os próprios parlamentares admitiram no dia em que foi dada a sentença contra a Ceres que esta verba se destinaria a emendas de interesse deles. Ou seja, no ano que vem o Governo vai abrir as ‘burras’ para as emendas”, acredita o advogado Leonel de Castro.
O titular da Secretaria de Previdência Complementar, José Roberto Savóia, reconhece que esses recursos entram num momento importante para os congressistas, que estão apresentando suas emendas e, portanto, devem amparar os projetos tocados nas suas bases. “Se não decidirem logo, eles estariam restringindo os recursos que eles mesmos pleiteiam para tocar os projetos que consideram importantes para seus Estados e municípios”, analisa.
Motivos não faltam para que a decisão saia logo. Além dos interesses eleitorais, o dinheiro dos fundos poderá servir de barganha para que os congressistas aprovem a correção da tabela do IR, outra medida incontestavelmente eleitoreira, que o Governo de FHC vem resistindo alegando problemas de caixa.
Para os fundos, resta torcer. A decisão da Ceres quanto ao pagamento do IPTU trabalha a mesma tese da imunidade discutida no IR sobre os ganhos e, se a tese não vale para o IPTU, dificilmente se sustentará para outros tributos. Ou seja, o Supremo fixou precedente que deve ser usado para outros julgamentos, e nada mais resta às entidades do que esperar pelo Congresso, que está às voltas com a aprovação da MP 2.222, fartamente criticada pelas entidades e patrocinadores.
“Agora que o Supremo saiu de cima do muro, toda cartada está sobre o Congresso. Se ele decidir pela tributação não tem mais jeito. Nesse momento, cada participante deve acionar o deputado em que votou e correr atrás para que ele defenda seus interesses”, recomenda o atuário Newton Cezar Conde. “Foi uma péssima notícia, uma decisão na contramão”, endossa Ricardo Frischtak, atuário e coordenador de cursos da UFRJ. “O Supremo pode ter interpretado com base na leis e a nossa Constituição não é clara, aliás, é omissa quanto a esse assunto”, diz.

Morosidade – Por outro lado, mesmo com a forte pressão arrecadatória comum em finais de mandato, tradicionalmente as decisões do Supremo tendem a ser morosas e podem empurrar uma decisão final apenas para o ano que vem. Seria ponto para os fundos, pois se o dinheiro não estiver definido no orçamento deste ano, o interesse na aprovação pode diminuir na gestão seguinte. E, sem a pressão de ano eleitoral e expectativa de menos aperto no orçamento, os fundos poderiam alimentar novas esperanças.
Ninguém discute que a decisão do Supremo foi principalmente arrecadatória, mas há quem veja também uma forma de o Governo pressionar para que os fundos adotem o regime especial de tributação, que prevê o pagamento do IR atrasado em seis parcelas, a partir de janeiro, sem juros, correção monetária e multa. “É um ponto de vista de arrecadação, primeiro, e, segundo, tem o objetivo indiscutível de colocar os fundos na defensiva de forma a aceitarem as regras do governo. É uma queda de braço”, analisa José Luciano Dias, consultor da Góes & Associados.
Os mais otimistas ainda apostam numa reversão do quadro: “Vamos batalhar, afinal a 2.222 é apenas uma MP e temos tempo para convencer os congressistas. Creio que a maior parte vai continuar a briga. Mesmo porque alguns ministros sustentam que IPTU é uma coisa e IR é outra”, diz Conde. Para Frischtak, ainda é possível esperar por novidades em relação ao IR.
Segundo ele, o fato de o Supremo ter votado contra a imunidade não significa que automaticamente o IR é devido; afinal as ações são diferentes, questionam-se coisas distintas. “Tudo vai depender de como os próprios fundos estiverem se posicionando diante dessa decisão”, diz o professor, enfatizando que uma ação favorável entre as cerca de 500 que tramitam em instâncias por todo o País, além das 80 já no STF, mudaria de novo o cenário a favor das entidades. “Até o final do ano muita coisa pode acontecer. Se um desses processo for julgado ainda este ano pode piorar, mas também pode melhorar para os fundos”, salienta Frischtak.

Bitributação – Ao contrário do que pensa o ministro da Previdência Social, Roberto Brant, que aposta numa adesão maciça das entidades ao regime especial depois de o Supremo jogar por terra a tese da imunidade tributária dos fundos, a estratégia das fundações, agora, é redirecionar o foco para outra questão: o da bitributação. “Não podemos mais invocar a imunidade, mas a tese da bitributação existe e, ainda que haja migração em massa aos termos dessa MP, o conflito vai se perpetuar”, acredita o advogado Adacir Reis, da Reis Advocacia.
Tão logo o STF deu a sentença, reações pipocaram por todos os lados, tanto por parte das entidades quanto dos próprios participantes. Aposentados do Banco do Brasil, por exemplo, entraram na Justiça para evitar a bitributação, tese, aliás, que já vinha sendo levantada por outras associações de aposentados.
Já existe uma pendência jurídica se arrastando porque de 1989 a 1995 não foi possível deduzir do IR as contribuições retidas ao plano pelo participante, ao contrário do que ocorre hoje (dedução de 12% do rendimento). “Se na fase de acumulação da poupança o participante pagou o IR em relação à sua contribuição, ele não poderia, agora, na fase de recebimento, pagar de novo”, explica Reis, citando que já há decisões judiciais isentando participantes assistidos do pagamento do IR em relação a todo o seu benefício.

Na berlinda – Uma grande questão levantada em meio a tantas discussões jurídicas é o que deixou os fundos tão vulneráveis depois de relativa tranqüilidade em mais de 20 anos de história. Na opinião do atuário Newton Conde a principal explicação é o imediatismo do Governo em arrecadar. “Ele nunca foi tão fominha como agora”, diz.
Segundo Conde, as entidades têm, agora, dois caminhos: Quem está fazendo provisionamento e optar pela adesão à MP 2.222, terá caixa de sobra para pagar o IR e, como estará liberado das multas e juros, poderá até mesmo ver sobrar algum dinheiro. O impacto é positivo num primeiro momento. “O problema é o longo prazo, porque os fundos começariam a ser tributados anulando esse ganho imediato e aumentando a desvantagem”, analisa.
O secretário Savóia, todavia, é incisivo: “Entendemos que é um momento de as entidades avaliarem o regime especial de tributação e, com base nisso, entendemos que elas não devem protelar a decisão sob o risco de estarem criando um passivo difícil de ser solucionado rapidamente”, avalia.

Receita em busca do equilíbrio fiscal
Para Osvaldo do Nascimento, diretor da área de previdência aberta do Itaú, a MP 2.222 preserva a neutralidade fiscal nas aplicações em planos de previdência complementar, devolvendo à Receita Federal uma vantagem fiscal que a empresa obtém (atualmente da ordem de 12%) ao contribuir para o plano de previdência de seus funcionários. Essa vantagem acabava sendo transferida ao funcionário no recebimento da renda ou no eventual resgate.
“A MP mantém a neutralidade  fiscal, preservando o princípio do diferimento do imposto de renda”, diz. Segundo ele, esta é uma tese totalmente válida no segmento de previdência, apesar dos problemas de operacionalização da MP.
De acordo com ele, “a cobrança do imposto de 20% sobre o ganho desestimula, é claro, mas não é a tragédia que andam falando. Seu efeito pode ser inferior ao do CPMF para os planos com alto volume de reservas e com nível de contribuição decrescente. Em uma fundação ou em um plano de previdência que está começando, o efeito é maior porque na prática o imposto será de 20% sobre o seu ganho, que em geral é inferior aos 12% sobre as contribuições do período. Já se ela for madura, o impacto é baixo e, se a fundação só tem aposentados, o efeito é zero pela inexistência de contribuições”.