Edição 93
As carteiras dos fundos de pensão sob intervenção ou em processo de liquidação podem apresentar desagradáveis surpresas aos gestores escolhidos pela Secretaria de Previdência Complementar (SPC) para administrá-las. Dos R$ 296 milhões que serão repassados aos eleitos, apenas uma parcela é efetivamente líquida, uma vez que algumas carteiras possuem papéis de baixíssima liquidez e até micos em sua composição.
Entre os R$ 296 milhões que a SPC está terceirizando, formados por recursos de renda fixa (R$ 234 milhões) e de renda variável (R$ 62 milhões), há carteiras com papéis sem liquidez no curto prazo e alto risco de crédito. O secretário-adjunto da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), José Roberto Savóia, entende que todos os recursos de renda fixa e variável dessas fundações são passíveis de terceirização, mesmo aqueles que apresentam baixa liquidez. “Os gestores deverão realizar um processo de transição para recuperar a liquidez de alguns ativos. Enquanto isso, a saída será realizar uma gestão passiva desses papéis”, diz.
Das 19 fundações sob intervenção e em liquidação, pelo menos duas estão com parte de seus investimentos em renda fixa e em renda variável comprometidos por prazos de vencimento muito longo, risco de crédito ou ações de baixa liquidez, das quais algumas podem ser definidas como verdadeiros “micos”.
É o caso da Cibrius, patrocinada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e do Parse, fundo de pensão do Banco de Desenvolvimento do Paraná, os quais aceitaram abrir parcialmente a composição das suas carteiras de renda fixa e de renda variável. Os interventores de outras fundações consultadas por Investidor Institucional optaram por não abrir a composição das carteiras.
Uma das carteiras da Cibrius, fundo de pensão dos funcionários da Conab (com R$ 87,2 milhões no final de novembro), está bastante contaminada por papéis ilíquidos, com alto risco de crédito e de baixa rentabilidade. Dos R$ 45,7 milhões da carteira de renda fixa em novembro, cerca de R$ 20 milhões estão em debêntures de empresas com risco de crédito “duvidoso”.
Falência – Uma delas é a Esypar, da qual a Cibrius possui R$ 5 milhões em debêntures, e que entrou em falência poucos dias após o término da operação. A empresa emitiu debêntures para captar recursos para uma concessionária de revenda da Ford, a Cantareira, de São Paulo. Tanto a Esypar como a Cantareira entraram em falência e a Cibrius já provisionou recursos de R$ 7 milhões para cobrir os prejuízos com essas debêntures, conta o ex-presidente da Cibrius, Evaldo Fernandes de Oliveira.
Na carteira de renda variável da Cibrius também existem problemas. Do total da carteira (R$ 27 milhões em novembro de 2000), cerca de R$ 8 milhões estão em ações de baixa ou nenhuma liquidez. Nessa carteira, existem, por exemplo, cerca de R$ 1 milhão em papéis da Saelpa, empresa de eletricidade da Paraíba.
Segundo o ex-presidente da Cibrius, as ações da Saelpa foram compradas em 1998, ainda sob a gestão anterior, a R$ 600,00 o lote de mil, quando ainda pertenciam ao governo do Estado da Paraíba. No final de 2000, 87,6% do capital votante e 74,3% do capital total da Saelpa foi vendido à empresa Cataguazes Leopoldina a R$ 668,00 o lote de mil. A Cibrius, como acionista minoritária, não pôde participar do processo de venda. Os restantes 25,7% dos papéis que estão no mercado, a maior parte nas mãos de funcionários da Saelpa, não têm como ser precificados.
“A justificativa para a compra das ações da Saelpa pela Cibrius, à época da aquisição dos papéis, era de que a empresa estava na lista das estatais a serem privatizadas”, conta o ex-presidente da Fundação. No final do ano passado, a Cibrius já provisionou recursos de R$ 7 milhões, considerando essas ações como prejuízo.
O Parse, por sua vez, contava no final de dezembro de 2000 com patrimônio de R$ 16,8 milhões, dos quais apenas R$ 7,5 milhões são recursos disponíveis para serem geridos, conta Eliana Sampaio, atual liquidante do Parse. “Temos em nossa carteira cotas de fundos de investimentos imobiliários e debêntures que são bastante ilíquidos, com prazos de vencimento bastante longos”, diz Eliana Sampaio. No final de novembro, a SPC contabilizava R$ 11,9 milhões entre recursos de renda fixa (R$ 10,2 milhões) e de renda variável (R$ 1,7 milhão) para serem terceirizados do Parse.
Indisponibilidade – Entre os recursos não disponíveis para a gestão estão, por exemplo, cerca de 30% da carteira de renda fixa em debêntures com prazos de vencimentos variados, entre eles papéis que vencem em 2004, e ainda dois casos de fundos imobiliários na carteira de renda variável que foram comprados em cotas e cujos recursos só estarão disponíveis após a venda dessas cotas.
O Parse está em processo de liquidação e tem hoje 369 participantes. Segundo a liquidante Eliana Sampaio, todos os participantes já receberam as reservas matemáticas, mas ainda falta pagar aos beneficiários do plano o superávit atuarial.
Para o diretor da asset do ABN AMRO, Fernando Meibak, a alternativa para títulos com alto risco de crédito ou ações de baixa liquidez será vender no mercado com deságio.
Para Paulo Araújo, diretor de Mar-
keting e Vendas da administradora de recursos Invesco, uma das 44 assets participantes do processo de seleção pela SPC, a principal dificuldade em negociar esses papéis é resultado do baixo nível de atividade do mercado secundário de títulos privados. Segundo ele, o foco de interesse da Invesco está nos recursos de renda fixa e a estratégia adotada, caso seja um dos vencedores, será montar fundos com risco de crédito zero e que possuam apenas o risco de mercado.
Na opinião do diretor de Distribuição do BankBoston, Flávio Pires, a SPC espera que os novos gestores montem fundos exclusivos para que os recursos sejam geridos com um risco máximo a ser assumido. “Os fundos teriam um benchmark definido”, diz
Segundo o gestor de renda variável do ABC Brasil, Wagner Serrani, a gestão dos recursos deverá compensar eventuais perdas de rentabilidade ou problemas como fundos que não têm um fluxo de entrada de rentabilidade e apenas um fluxo de saída, por exemplo – que é o caso dos que estão em processo de liquidação.
Bom exemplo – Ao contrário da Cibrius e do Parse, a Fundação Banorte apresenta atualmente uma carteira de investimentos bastante líquida. “Na carteira de renda fixa só existem papéis públicos federais e na de renda variável só ações de alta liquidez. Mas ainda existem algumas cotas de fundos imobiliários que são verdadeiros micos”, diz o consultor Osvaldo Luiz Moraes, que foi interventor da Fundação Banorte de junho de 1996 a janeiro deste ano.