Edição 237
A consideração de critérios sociais, ambientais e governança corporativa na análise de investimentos era, até outro dia, restrita a fundos de ações que tinham a sustentabilidade como tema. De uns tempos para cá, esse tipo de avaliação passou a ser incorporado também por fundos de crédito privado. Agora, os gestores de recursos se preparam para dar mais um passo: levar em consideração os aspectos socioambientais em todo e qualquer tipo de análise de ativos emitidos por empresas. É claro que, ao contrário do que acontece nos fundos temáticos, a avaliação de sustentabilidade não será encarada como um critério para a inclusão (ou exclusão) de um papel em uma carteira. Mas pelo menos quem comprar os ativos saberá onde está pisando.
No HSBC, por exemplo, está em curso um projeto em âmbito mundial cujo objetivo é que até o final de 2012 os critérios de avaliação ambiental, social e de governança sejam incorporados a todos os ativos adquiridos pela asset.
“A análise não será tão detalhada quanto nos fundos SRI [Investimentos Socialmente Responsáveis, pela sigla em inglês], mas caminhará no sentido do levantamento de riscos. Quando o gestor comprar algum ativo, vai saber exatamente quais são os riscos em cada uma dessas áreas, e estará ciente disso. Nos mandatos de sustentabilidade, só pode ser feita a compra de papéis que atendam a esses critérios. Nos demais, os papéis que não forem aprovados não poderão ser excluídos, mas cada empresa terá uma avaliação de riscos”, afirma Carlos Roberto Pessoa de Lima, diretor de pesquisa do HSBC.
Ele conta que a análise é baseada em uma metodologia desenvolvida globalmente pelo HSBC e adaptada para o Brasil. Desde 2007, a asset do banco no País conta com um analista de sustentabilidade, dedicado exclusivamente a avaliar as empresas sob as óticas social, ambiental e de governança corporativa.
A metodologia é aplicada hoje a dois fundos da gestora: o HSBC Fundo de Investimento de Ações SRI, lançado em 11 de setembro de 2009 e que tem hoje patrimônio da ordem de R$ 44,5 milhões; e o HSBC FI Renda Fixa Crédito Privado Longo Prazo Performance SRI 20, dedicado a investidores institucionais, que foi lançado em 13 de outubro do ano passado e tem R$ 150 milhões de patrimônio.
Santander – No Santander Asset Management, a ideia também é levar os critérios de sustentabilidade para toda a área de análise de ações. “Um passo que estamos tentando dar agora é introduzir, nas discussões sobre as empresas pelo nosso time de analistas, os princípios de meio ambiente, sociedade e governança corporativa. Isso fará parte de toda a análise das empresas, para que seja usado como levantamento de riscos e oportunidades”, afirma Hugo Penteado, economista-chefe do Santander Asset Management.
Ele lembra que foi lançado em 2001 o fundo Ethical, de renda variável, que encerrou março deste ano com patrimônio de R$ 283,3 milhões (em dezembro do ano passado, o fundo tinha 254,6 milhões em patrimônio). “O Ethical é fundo de ações que leva em consideração critérios de meio ambiente, sociedade e governança corporativa na seleção dos investimentos. O objetivo é que esse fundo se dissemine, mas para isso dependemos da decisão do cliente. Nosso trabalho é fazer palestras educacionais levantando essas questões”, indica Pentado. Ele diz que é preciso destacar a preocupação com a não continuidade dos ganhos dos investimentos tradicionais, que não observam esses critérios.
“A falta de observação dos critérios socioambientais vai acabar se transformando em perda financeira para o investidor em algum momento. E é muito bom que essa cultura seja criada já. Nós ainda estamos engatinhando no processo, mas a nossa vontade é encontrar o investidor consciente e fazer com que a linha de investimentos responsáveis se torne mainstream. Só que isso precisa ser do interesse das pessoas”, sublinha.
Carteira – Ele diz que muitos investidores se preocupam com o fato de algumas empresas consideradas rentáveis serem impedidas de compor a carteira do Ethical.
“Há uma série de companhias que estão vetadas da carteira do fundo por conta de questões que foram observadas na nossa metodologia. Então, a preocupação dos clientes é justamente com a falta dessas empresas que são reprovadas, porque essas companhias podem ser, no padrão de avaliação tradicional, extremamente lucrativas. Mas apesar de nós impormos essas restrições e muitas vezes isso ser questionado, essa característica não tem se voltado contra a rentabilidade do fundo. Pelo contrário. O Ethical, que tem uma carteira muito mais restrita do que o Ibovespa, tem desempenho superior ao do índice”, aponta o executivo.
Penteado informa que, desde a criação do Ethical, em 07 de novembro de 2001, até 31 de dezembro de 2011, o fundo deu retorno de 534,6%, contra 347,8% do Ibovespa no mesmo período. “Faz uma enorme diferença, que nós acreditamos que não é casual. Geralmente, as empresas que estão ligadas a essas esferas além da mera preocupação financeira, também são muito bem administradas e têm várias características que acabam reforçando o bom comportamento da ação”, defende ele.
O executivo recorda que a asset do Santander levou a metodologia de sustentabilidade para a área de crédito privado. “Todos os ativos de crédito privado que vão compor as carteiras dos fundos do Santander Asset Management são submetidos à avaliação do investimento responsável, dentro da mesma metodologia”, lembra ele.
Além da ampliação desse tipo de avaliação para toda a análise de ações, Penteado indica que outra iniciativa da asset é fazer um trabalho mais ativo como acionista das empresas investidas.
“Como compramos ações para colocar nos fundos, podemos participar das assembleias de acionistas das companhias e levar as questões de sustentabilidade para discussão. Essa é outra etapa da nossa atuação: fazer com que os analistas, já conhecendo as questões socioambientais de cada empresa, levem essas questões para as reuniões que são feitas com o mercado”, adianta.
FIPs – Na BB DTVM, o investimento responsável é o foco de dois fundos colocados no mercado no ano passado. Em parceria com o Banco Votorantim, a BB DTVM coordenou em 2011 o lançamento do Fundo de Investimento em Infraestrutura BB Votorantim Energia Sustentável I, II e III, um fundo de participações voltado para projetos na área de energia renovável – mais especificamente em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), biomassa e energia eólica. O fundo tem gestão e administração da Votorantim Asset Management (Vam) e contou com estruturação e distribuição da BB DTVM e do Banco Votorantim.
Carlos Massaru Takahashi, diretor-presidente da BB DTVM, conta que o fundo tem I, II e III no nome porque foi estruturado em três tranches: uma com vencimento em cinco anos, a segunda com prazo de 10 anos e a terceira com duração de 30 anos. “O interessante é que esse produto teve como foco de distribuição os investi dores institucionais e as pessoas físicas do private bank, e teve muita procura pela tranche de 30 anos. Esse não é um prazo comum para pessoas físicas”, comenta Takahashi.
Outro produto com características sustentáveis é o BB MM Global Acqua LP Private, um multimercado 80/20 que tem a água como foco. “Água é o grande tema do Banco do Brasil nas questões vinculadas a sustentabilidade. O banco tem várias iniciativas nessa área”, justifica o executivo. Vale lembrar que os multimercados 80/20 permitem a alocação de até 20% do patrimônio do fundo em ativos no exterior.
No caso do BB MM Global Acqua, a gestão da parte que cabe ao exterior ficará por conta da gestora suíça Pictet Asset Management, especializada em investimentos no setor de água não só na Suíça, mas no mundo todo. Os 80% restantes do fundo serão aplicados em títulos de renda fixa (crédito privado) e renda variável de empresas brasileiras que atuam no segmento. O fundo é destinado a clientes do private.
Performance – Signatária do PRI (Principles for Responsible Investment, ou Princípios para o Investimento Responsável) desde o fim de 2010, a BB DTVM está desenvolvendo um projeto de avaliação sobre até que ponto a adoção de boas práticas de responsabilidade social e ambiental e de governança corporativa pelas empresas traz uma comprovada valorização das ações.
“Selecionamos 27 itens de avaliação para uma amostra inicial de 18 empresas que equivalem a 15% da nossa cobertura. Elas serão observadas sob critérios que vão desde a segregação entre as atividades da diretoria e do conselho de administração, questão relacionada a governança, até os impactos das mudanças climáticas no desenvolvimento financeiro, fator ligado ao lado ambiental, passando pela ausência do trabalho forçado, um quesito social”, exemplifica Takahashi, acrescentando que os 27 itens são retirados do GRI (Global Reporting Initiative, um modelo global de relatório de sustentabilidade).
A ideia da BB DTVM é ranquear as 18 empresas de acordo com esses critérios e comparar as informações com a performance das ações das companhias e a evolução em seus resultados financeiros.
“É um trabalho gradual de avaliação. Queremos já contar com os primeiros resultados até o fim deste ano”, avisa o executivo. A intenção, reforça o executivo, é ver qual a relação entre a adoção de boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa das companhias e os aspectos econômico-financeiros das empresas. “Se todo o processo correr bem, também servirá como uma forma de dar um feedback para as companhias”, acrescenta Takahashi.