Edição 104
A Medida Provisória de nº 2.222, que institui a tributação sobre rendimento das reservas técnicas e provisões das entidades fechadas e abertas de previdência complementar, pode acelerar a tendência de migração dos planos fechados para os abertos, em razão da diferença de tratamento dada a esses dois regimes.
Fundamentalmente, a MP estabelece para as abertas uma separação entre participantes novos e antigos, sendo que só serão tributadas as contas dos novos participantes na parte referente à contribuição da patrocinadora. Tanto para a caracterização dos “novos” participantes quanto para a cobrança dos tributos, a MP estipula a data de 1º de janeiro do ano que vem para a previdência aberta. No caso das entidades fechadas de previdência, que não se beneficiam de qualquer separação entre participantes atuais ou futuros, a data para o início da cobrança tributária é 1º de outubro próximo, ou seja, três meses antes.
Em razão dessa diferença de prazos, especialistas consideram que pode tornar-se vantajoso para um fundo fechado fazer a migração para um aberto até 31 de dezembro, aproveitando esses três meses para enquadrar os seus participantes atuais na categoria de antigos dentro de um plano aberto e beneficiando-se da isenção tributária a que ele dá direito, uma vez que nas abertas apenas as contas dos novos participantes pagarão impostos. Mesmo que a migração dependa de uma autorização da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), que pode demorar a sair, na prática as fundações poderiam entrar com o pedido até o final do ano e depois brigar judicialmente pela validade da data.
Dessa forma, de entidade fechada sujeita a tributação sobre a totalidade dos ga-
nhos das aplicações elas passariam a planos abertos com isenção tributária sobre a massa atual de participantes, só estando sujeitas a tributação sobre a contribuição da empresa nas contas dos participantes que ingressassem no plano a partir de janeiro de 2001.
Além da possibilidade de receber a migração dos fundos de pensão, a previdência aberta também está de olho numa possível corrida de empresas que ainda não possuem nenhum plano e que se apressariam a fazê-lo até o final deste ano, para enquadrarem seus funcionários na categoria de “participantes antigos” e beneficiarem-se da isenção tributária na sua parcela contributiva. “Somos totalmente contrários à nova MP, mas não podemos deixar de reconhecer que ela abre possibilidades muito interessantes para nós, da previdência aberta”, analisa o diretor da Bradesco Previdência, Jair de Almeida Lacerda. “Essa janela de três meses, aberta pela MP, pode representar uma oportunidade única para migração dos fundos de pensão e empresas que ainda não possuem planos, de fugirem da tributação futura”.
Para o especialista em previdência e professor da Fundação Getúlio Vargas, Flávio Rabello, a medida provisória é mais prejudicial para a previdência fechada que para as abertas. Ele entende que a diferença no prazo de vigência deve reforçar o processo de migração dos planos fechados para os abertos, processo que vem ganhando força no mercado nos últimos anos em razão do aumento dos custos dos planos fechados e da rigidez das suas regras e que, agora com as diferenças criadas pela MP 2.222, tende a se intensificar. “A nova medida do governo, aliada às pesadas multas e os custos impostos pela emenda nº 20, vão desestimular a abertura de novos planos fechados e intensificar a migração para os planos abertos”, diz.
Segundo o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), Carlos Duarte Caldas, a Abrapp ainda não fez um estudo sobre os eventuais privilégios que a MP 2.222 concede à previdência aberta em relação à fechada. “No momento, nosso objetivo é impedir que ela seja aprovada, e não discutir suas diferenciações”, diz. Estudos preliminares mostram que o impacto da MP sobre os planos fechados de contribuição definida reduzem de 20% a 25% os benefícios futuros aos participantes.
Para Caldas, a medida é um retrocesso e vai provocar forte desestímulo à formação da poupança de longo prazo. Ele adianta que a entidade vai atuar junto ao Congresso para que a imunidade tributária aos fundos de pensão seja mantido. A entidade divulgou um comunicado no seu site na internet criticando a incoerência do governo, “que tinha se comprometido formalmente a implantar o diferimento tributário”, mas aprovou medida no sentido contrário. “A medida prejudica todo o trabalho que vinha sendo desenvolvido para que os fundos ficassem isentos de tributação. Temos a sociedade a nosso favor e vamos lutar para reconquistar esse direito”, diz o comunicado.
A nova MP, embora possa trazer algum efeito positivo para as abertas nos últimos meses deste ano, pode prejudicar o seu desempenho no médio e longo prazo, que vinha apresentando taxas excepcionalmente altas de crescimento. A média de crescimento dos planos abertos tem sido de 40% ao ano, sendo que os planos do tipo PGBL são os que se desenvolvem mais rapidamente. Dos R$ 20 bilhões que possui o sistema de previdência aberta, os PGBL já representam cerca de R$ 3 bilhões, e a expectativa dos dirigentes das empresas abertas, antes da MP, era que esse tipo de plano fechasse 2001 com patrimônio de R$ 4 bilhões.
Segundo o diretor da Bradesco Previdência, Jair de Almeida Lacerda, a expectativa é de uma concentração da procura por planos abertos até o final de 2001, para aproveitar a não incidência do imposto, mas há o risco de um declínio posterior. “As empresas vão querer aproveitar a não incidência do imposto e vão antecipar o fechamento de novos planos”, diz. “Mas, há o risco de uma ressaca a partir do ano que vem”.
Regime especial – Com relação ao regime especial de tributação, oferecido pelo governo aos fundos que desistirem de todas as ações na Justiça contra a cobrança do imposto, o consultor da Towers Perrin, Felinto Sernache, entende que muitos fundos poderão optar por ele.
O consultor faz uma conta simples: um fundo com patrimônio de R$ 100 milhões que obtenha um rendimento de 10% ao ano, ou R$ 10 milhões, com a incidência do IR de 20% teria de pagar R$ 2 milhões. Se optar pelo regime especial do governo, pagaria 12% sobre a parcela de contribuição da patrocinadora, o que poderia reduzir o pagamento para R$ 600 mil no caso de uma contribuição da patrocinadora na casa de hipotéticos R$ 5 milhões. Além dessa vantagem, o regime especial isenta as fundações da cobrança de juros sobre os valores provisionados para pagamento do IR sobre o passado. O consultor da Towers diz que existem fundações que já fizeram o provisionamento com juros.
Segundo Sernache, embora a MP seja nociva aos planos fechados, ao fazer as contas muitas fundações poderão optar pelo pagamento do IR agora, com vantagens, a ficar arrastando uma briga na Justiça e esperando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o presidente da Abrapp, Carlos Caldas, cada fundação deve avaliar os efeitos que a MP irá causar sobre os seus planos e decidir o que fazer, decidindo entre acatar a decisão do governo ou esperar o julgamento do STF. Ele diz que, nesse caso, não cabe uma medida única da entidade contra a medida provisória.
Segundo o diretor financeiro da Metrus e diretor da Abrapp, Fábio Mazzeo, as fundações ainda estão avaliando o impacto da medida. Diversas reuniões regionais estão sendo feitas para que sejam discutidas a medida provisória para o seu melhor entendimento. Ele diz que a tendência é que os fundos de pensão atuem no sentido de lutar pela imunidade tributária para que não aconteçam mudanças das regras no meio do caminho e que seja inviabilizada a formação de poupança.
Inconstitucional – O advogado especialista em previdência, Leonel de Castro, entende que a medida provisória tem pelo menos três elementos inconstitucionais: fere a questão da isonomia, ao permitir que as entidades que desistam das ações na Justiça para não pagar o IR entrem num regime especial de pagamento; é retroativa na cobrança de impostos; e atropela a ação que está sendo julgada pelo STF.
O especialista avalia ainda que, como os planos de previdência tiveram seu planejamento atuarial ancorados no diferimento tributário, “se tiverem que pagar imposto sobre os ganhos de capital os fundos vão quebrar”.
No caso dos planos empresariais, o problema também atinge em cheio o participante. Embora a parcela de contribuição do participante esteja isenta da tributação, a incidência do imposto sobre a parcela da empresa patrocinadora afeta a rentabilidade dos planos.
“Ao não permitir o diferimento do imposto pelas empresas que abrigam planos fechados e abertos, o governo minará o crescimento dos planos de previdência complementar. O objetivo do governo parece ter sido exclusivamente de recolher os impostos passados”, diz Leonel de Castro.
Ajustes na meta atuarial
A cobrança do imposto de 20% sobre a rentabilidade dos fundos de pensão vai reduzir de forma significativa os seus ganhos e já existem fundações estudando a possibilidade de mudança da meta atuarial.
De acordo com o consultor Marcelo Rabbat, além do aumento dos custos impostos para a abertura de um fundo fechado, a cobrança do imposto vai deixar menos atrativos os títulos que compõem a carteira dos fundos de investimentos.
As Letras Hipotecárias (LH), por exemplo, que vinham pagando um rendimento de cerca de 10% ao ano mais IGP-M, vão render menos com a incidência do imposto, comprometendo as metas atuariais das fundações. “Esses papéis vinham sendo bastante demandados pelos fundos, em particular pelo plano de benefício definido”, diz. “Agora podem perder sua atratividade”.
No caso da inflação medida pelo IGP-M atingir, por exemplo, 20% ao ano, as LH renderiam cerca de 30%, somando o índice com os juros pagos de cerca de 10%. Com a cobrança do IR de 20% sobre o rendimento de 30%, o ganho cairia para 24%. Se a inflação atingir 20%, as fundações com metas atuariais em IGP-M mais 6% ao ano teriam suas metas comprometidas.
Além disso, ainda existem os custos de administração dos fundos. Para obter os 6% líquidos, as fundações projetam rendimento dos papéis entre 8% e 8,3%, pois precisam contar também o desconto da CPMF.
Segundo Rabbat, ou os fundos continuam buscando a imunidade tributária ou preparam reduções de suas metas atuariais.