Edição 115
O modelo previdenciário da Paraná Previdência, a Paranaprev, está se tornando parâmetro para uma grande parte dos regimes próprios adotados pelos estados. Criado pelo então secretário extraordinário de previdência do Paraná, Renato Follador, o modelo foi aprovado pela assembléia legislativa do estado em dezembro de 1998, baseado numa divisão da previdência funcional em duas partes: de um lado ficavam os pensionistas, inativos e funcionários mais antigos, dentro de um fundo financeiro sem bases atuariais, e de outro o funcionalismo mais recente e os novos ingressantes, dentro de um fundo de capitalização com bases atuariais.
O corte etário para a separação foi de 50 anos para homens e de 45 anos para as mulheres. Os que estavam acima desse corte ficaram no fundo financeiro e os que estavam abaixo foram para o fundo de capitalização. Para o primeiro, com tendência à extinção à medida em que seus participantes fossem falecendo, os benefícios continuariam a ser assumidos basicamente pelo estado, enquanto o segundo contaria com os recursos das privatizações, royalties de Itaipu e imóveis cedidos pelo estado, além das contribuições regulares do estado e dos participantes, para garantir o pagamento das pensões futuras.
A vantagem de tal divisão consistia exatamente em separar as duas partes da previdência funcional, evitando colocar os novos recursos vindos das privatizações num sistema contaminado pela falta de bases atuariais. Atualmente, o fundo financeiro da Paranaprev conta com 112 mil pessoas, com uma redução de 500 a 600 participantes ao mês, por falecimentos. O de capitalização, com R$ 2,5 bilhões em caixa e 94 mil participantes atualmente, tende a crescer pelo ingresso dos novos funcionários.
Esse desenho básico tem sido assumido, com algumas pequenas variações, por um crescente número de estados. O Amazonas, por exemplo, adotou o modelo paranaense com uma diferença básica: nele, o corte etário foi ampliado para 53 anos para homens e 48 para mulheres. O novo modelo do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado do Amazonas (Ipeam), foi aprovado em dezembro do ano passado pela assembléia local, estando no momento em fase de implantação. “É um modelo que separa os problemas do passado, que tendem a se extinguir por si, enquanto constrói um modelo novo para o futuro”, diz o presidente do Ipeam, Silvestre de Castro Filho.
Segundo ele, o fundo financeiro tem um passivo atuarial de cerca de R$ 7 bilhões, que está sendo assumido pelo estado para ser pago ao longo das próximas três décadas, mais ou menos. O fundo de capitalização, de bases atuariais, está recebendo certificados da dívida da União, royalties da Petrobrás, imóveis estaduais, venda dos 35% da Cosama (a companhia de água estadual) e aportes do estado e funcionários.
O modelo do Amapá tem um desenho um pouco diferente. Como o estado é um ex-território, todos os seus inativos e pensionistas foram absorvidos pela União, passando a receber do Regime Jurídico Único. Com isso, o Amapá não teve que se preocupar com esse que é o grande problema dos outros estados, inativos e pensionistas, partindo já com um fundo de capitalização único que englobará todos os seus servidores atuais.
Outros estados com modelos semelhantes são Pernambuco e Rio Grande do Sul. Neles, a principal diferença com o modelo paranaense é a falta de uma administração autônoma, adotada pela Paranaprev. Nos dois modelos acima, embora os institutos funcionem com a mesma divisão entre fundo financeiro e de capitalização, eles mantém-se como fundações públicas, vinculadas ao governo. “No caso do Paraná, achamos importante colocar o princípio da gestão privada, do funcionamento autônomo do instituto em relação ao governo”, destaca Follador. “Isso dá imunidade política aos gestores”.
No caso de Pernambuco, embora o modelo aprovado em 2000 contenha os dois fundos, apenas o financeiro está funcionando, sendo que o de capitalização deve entrar em funcionamento até o final deste ano. Porém, os recursos destinados a ele estão sendo segregados em uma conta especial, dentro do próprio fundo financeiro. Entre esses recursos estão os R$ 300 milhões da venda da Copel (foi vendida em fevereiro de 2000, por R$ 1,7 bilhão) e cerca de R$ 1 milhão por mês, que é a diferença entre o que é arrecadado com contribuições do estado e participantes (13,5% cada um) e o que se gasta com o pagamento de inativos e pensionistas atualmente. Hoje, a conta do fundo de capitalização conta com quase R$ 350 milhões, adianta o secretário da Administração do Estado de Pernambuco, Joaquim Castro.
“Não estamos misturando os recursos, estão no mesmo fundo mas numa conta separada. Assim que criarmos o fundo de capitalização iremos transferir esses re-
cursos”, explica Castro. De acordo com ele, no fundo financiero estão inativos, pensionistas e funcionários acima de 50 anos (homens) e 45 anos (mulheres) com aposentadoria prevista para ocorrer até o final de 2005. Já no fundo de capitalização estarão os funcionários com menos de 50 anos (homens) e 45 anos (mulheres) e previsão de aposentadoria a partir de 2006. “Calculamos que serão necessários mais 40 anos para a extinção completa do fundo financeiro”, diz Castro.
No Rio Grande do Sul, onde o modelo ainda não foi aprovado pela assembléia, o desenho contempla as mesmas soluções do Paraná. Os recursos para o fundo de capitalização não devem contar com recursos de privatizações, até porque o estado governado pelo PT é contra elas, mas poderá receber aportes em imóveis e as contribuições de participantes (11%) e estado (22%).
Em São Paulo, um dos primeiros estados a planejar seu fundo de capitalização, ainda no início da gestão do falecido governador Mário Covas, o desenho tinha o mesmo formato do Paraná – com exceção do funcionamento, que também não era autônomo. Mas, o que realmente entravou o seu andamento, e entrava ainda hoje, é o tratamento a ser dado aos funcionários estáveis mas não efetivos do estado. Deixando de ser reconhecidos como funcionários públicos, sendo portanto transferidos ao regime do INSS, isso representaria uma sangria insuportável às finanças do estado pois teriam que ser pagos ao órgão, como encargos, 20% sobre os salários de 200 mil servidores. A aprovação do fundo de São Paulo encontra-se, portanto, em compasso de espera.
Além dos estados com desenhos já prontos e em regime de votação ou implantação, há outros, como Sergipe, Goiás, Tocantins e Mato Grosso que também estão estudando a adoção de modelos semelhantes. “A previdência de Goiás deve caminhar na direção de ter um fundo de capitalização”, conta o presidente da agência de administração e negócios públicos de Goiás, Jeovalter Correia Santos, que é também ex-presidente do Ipasgo, o fundo previdenciário do estado.
A mudança no estado de Sergipe já está a caminho. “Estamos enviando proposta às Assembléia propondo a criação de dois fundos, um financeiro a ser coberto com recursos do estado para pagar os pensionistas inativos e ativos que entraram até dois anos atrás e outro fundo de capitalização para os ativos de dois anos e os novos contratados”, explica o secretário de Administração do Sergipe, João Salgado de Carvalho Filho, que também acumula o cargo de presidente do fundo de pensão estadual (ver quadro).
As opções pelo fundo contábil
Embora vários estados estejam caminhando na direção de criar fundos de capitalização, que crescem à medida que os fundos financeiros vão se extinguindo com a morte de seus inativos e pensionistas, há outros que optaram pelo caminho inverso, colocando os recursos oriundos de privatização, renda de imóveis, contribuições etc num único fundo. É o caso, entre outros, dos estados da Bahia e do Rio de Janeiro, donos de dois dos mais conhecidos fundos de pensão estaduais.
O Funprev, da Bahia, foi formado basicamente com o aporte de 30% da venda da Colba, que na época (em 1997) representou um ingresso de R$ 400 milhões. Juntamente com as contribuições dos participantes e do estado, esses aportes elevaram o patrimônio da Funprev para R$ 650 milhões hoje, que pagam 66 mil pensionistas e inativos (de um quadro de 215 mil pessoas).
“Não somos um fundo previdenciário, funcionamos em regime de fluxo de caixa, o que fazemos é administrar o dinheiro para pagar as pensões e inativos”, diz o presidente da Funprev, Agenor Pedreira. Segundo ele, a opção do fundo único, além de permitir um tratamente igualitário a todos, é estratégica: “nossa opção é de tocar o fundo dentro desse regime enquanto esperamos uma reforma mais radical na Previdência, uma vez que a reforma da PL9 é pouco significativa”.
“Sem nenhum demérito para esses fundos, mas eles são fundos meramente contábeis”, dispara Renato Follador, hoje consultor de previdência na Organização Ibero-americana de Seguridade Social (OISS). “Eles não separam as massas funcionais, e acabam usando dinheiro bom, das privatizações e das contribuições de funcionários novos para pagar um sistema ruim”.
Mudando – O estado de Sergipe, embora tenha originalmente optado pelo fundo único nos moldes do da Bahia, está mudando. Segundo o secretário de Administração do estado, João Salgado de Carvalho Filho, que também acumula o cargo de presidente do fundo de pensão estadual, já há uma proposta enviada à Assembléia do estado no sentido de se criar um fundo de capitalização para os funcionários ingressantes no sistema a partir de 2000.
Isso viria a corrigir um erro, cometido ao se criar o fundo, em abril de 1999. “Criamos o fundo sem nenhum cálculo atuarial, sem nada”, afirma Carvalho Filho. “Quando começamos a fazer os cálculos atuariais nos assustamos, vimos que nosso passivo atuarial era de R$ 4,7 bilhões”, explica.
Além disso, acumular todos os recursos dentro de um único fundo não estava resolvendo os problemas do estado. “Nosso pensamento era acumular num único fundo para que quando a reforma viesse nós já tivéssemos dinheiro em caixa. Mas, o que acontece é que estamos gastando antes de capitalizar, estamos gastando os recursos novos com o pagamento dos inativos e pensionistas”, conta Carvalho Filho.
Encontrar o caminho exige muito debate
Para o consultor Luiz Gushiken, especialista em previdência do setor público, um dos sérios problemas do setor é convencer governantes a tirar dinheiro de obras de retorno eleitoral imediato e usá-las para financiar a saúde da previdência estadual. Principalmente porque, ao criar um regime de dois fundos, o governante passa a ter que sacar do caixa para o pagamento dos inativos e pensionistas do fundo financeiro e ainda tem de contribuir com o fundo previdenciário dos funcionários novos. Ou seja, contribuição dobrada!
“O governante olha e vê que o novo regime o está obrigando a contribuir com o dobro do que contribuía antes, e como pensa em termos eleitorais não vê nenhuma vantagem nisso”, considera Gushiken. “A tendência é de ir empurrando com a barriga, deixar o problema para o próximo governante”.
Além disso, como o déficit é muito grande, saneá-lo exigiria o aumento das alíquotas de forma abrupta, o que é inexeqüível em anos eleitorais. “Ninguém se dispõe a fazer isso em um ano eleitoral”, diz. “Nem o presidente, nem os governadores e tampouco os prefeitos”.
Segundo Gushiken, a solução não está em mudar o regime de repartição para capitalização, mas em ter uma ampla discussão sobre o tipo de benefício que pode ser dado e a que custo isso pode ser feito. “Em previdência não tem mágica, se se pretende dar benefícios excelentes tem que se cobrar alíquotas altíssimas. Para ter alíquotas mais palatáveis, os benefícios precisam ser menores também”, diz. “É como financiar um carro, se quer financiar um Mercedez tem que pagar as prestações de um Mercedez, se quer financiar um fusquinha você paga as prestações de fusquinha”.