A recente divulgação dos planos para o lançamento da Libra, a moeda digital do Facebook, já para 2020, além de deixar em alerta reguladores, bancos e congressistas americanos e europeus abre o debate sobre a rentabilidade dos fundos de criptomoedas e a possibilidade de investidores institucionais alocarem nesses ativos e participarem dos resultados. Nos Estados Unidos, alguns fundos de pensão já começam a investir nesses fundos, como é o caso dos fundos de pensão dos policiais de Fairfax, com patrimônio de US$ 1,5 bilhão, e o Sistema de Aposentadoria dos Empregados do Condado de Fairfax, de US$ 4,2 bilhões, ambos no Estado da Virgínia.
Segundo o diretor executivo do Sistema de Aposentadoria dos Empregados do Condado de Fairfax, Jeff Weiller, o investimento “foi deliberadamente definido para ser uma pequena porção de cada carteira da fundação”. O fundo dirigido por Weiller investiu US$ 10 milhões em criptomoedas enquanto o fundos dos policiais investiu US$ 11 milhões nesse ativo, segundo a publicação Pension & Investment.
No Brasil,nem direta nem indiretamente os fundos de pensão conseguem participar dessa classe de ativos. Como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) proíbe os fundos de investimento de comprarem moedas virtuais, por não serem qualificadas como ativos financeiros, os institucionais não podem comprá-las via fundos que investem nelas. Para a CVM, “há muitos riscos associados à natureza das moedas virtuais, como os de ordem de segurança cibernética, particulares de custódia ou relacionados à legalidade futura de sua aquisição ou negociação”.
Entretanto, ao realizar investimentos no exterior, classe de ativos aberta aos fundos de pensão, as fundações conseguem alcançar esses ativos indiretamente. Tanto os fundos de investimentos como os fundos de pensão podem comprar cotas de fundos estrangeiros com investimentos em criptomoedas.
“Enquanto a libra não for reconhecida como um ativo financeiro expressamente, os fundos de pensão não poderão ter uma exposição direta a esse tipo de ativo”, explica a presidente da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) e sócia da corretora Foxbit, Natália Garcia.
Regulamentação – Para Rogério Tatulli, diretor superintendente da EFPC Previ-Ericsson, a falta de regulamentação no segmento de criptomoedas afasta qualquer possibilidade de investimento direto nesse tipo de ativo. “Não podemos perder tempo com um mercado sem nenhuma regulamentação, inclusive no exterior. Penso que se não entendemos o risco, não investimos. Agora, caso haja um amparo legal, com riscos possíveis de digerir, após muita análise, quem sabe…”, argumenta. Para o diretor de compliance do Mercado Bitcoin, Reinaldo Rabelo, reguladores de diversos países já manifestaram preocupação com a Libra e deram a entender que a circulação do ativo digital somente será permitida quando autorizada por bancos centrais locais. “Por enquanto, não parece haver segurança necessária para investidores institucionais fazerem planos para operar com essa futura moeda. Nesse aspecto, vemos um cenário semelhante ao das criptoativos tradicionais”, compara.
Já a diretora da área de Previdência da Luz Soluções Financeiras, Sara Marques, acha que “as criptomoedas ainda não têm a devida regulação e não possuem lastro, o que geraria ainda maior risco para os fundos de pensão, inclusive por questões de governança. É uma modalidade muito nova no mercado”, complementa. Ela acentua que esse tipo de investimento, de alta volatilidade, teria pouca compatibilidade com o perfil da maioria dos fundos de pensão.
Segundo João Carlos Ferreira, diretor da Valueprev (antiga HP Prev), o mercado de cripto precisa amadurecer e ser regulamentado para que possa oferecer segurança. “Para enfrentar a queda dos juros temos alocação em bolsa acima da média do setor e estamos aumentando nossa posição em multimercado e exterior”, revela.
Efeitos imprevisíveis – Ainda não está claro como o Facebook e as outras empresas envolvidas no projeto de lançamento da Libra pretendem garantir a estabilização dos preços da nova moeda, num papel similar ao dos bancos centrais. Para Natália Garcia, da Foxbit, a intenção do Facebook é competir com os bancos e reduzir os custos aos consumidores. “As regras que temos hoje para transferências de valores ao redor do mundo são um monopólio das instituições financeiras. Imagina conseguir transferir uma quantia de dinheiro pelo whatsapp para uma pessoa que está no Japão, e que essa pessoa receberá a quantia em questão de segundos sem gastar nada. Isso assusta tanto as entidades quanto os Estados”, observa.
“Fernando Ulrich, analista-chefe da corretora de criptomoedas XDEX, entende que o Facebook antecipou o anúncio do experimento mais para testar a receptividade de entidades governamentais e observar a aceitação regulatória. “Nós vemos com bons olhos a entrada dessa moeda no mercado. É mais um selo de legitimidade como tecnologia disruptiva”, acentua.