Edição 157
Aos cem anos de idade, a AGF Seguros resolveu mudar. Decidiu melhorar o back-office e implantar um projeto-piloto de controladoria fiduciária no valor aproximado de R$ 50 milhões, que, embora represente apenas 5% da sua carteira de R$ 1 bilhão em ativos, pode ser o primeiro passo no sentido de adotar esse modelo para toda a carteira. Essa primeira tranche foi entregue à administração da Mellon, que poderá receber o restante do patrimônio dentro de poucos meses se a experiência com o piloto for bem sucedida.
Segundo a diretora-financeira da seguradora, Laurence Maurice, com essa reformulação, os bancos que hoje prestam o serviço completo para a seguradora – ABN, BankBoston, HSBC, Itaú e Santander – passariam a ser apenas os gestores, deixando a controladoria fiduciária para a Mellon. O assunto é delicado, porque, além da concorrência, envolve redefinição de contratos e redução das taxas para os bancos, já que estes passariam a prestar apenas um único serviço. Para a AGF, ao contrário, pode haver uma elevação nos custos, levando-se em conta que a controladoria fiduciária é mais do que uma administração tradicional de re-cursos – como antes os próprios gestores faziam. Ela imputa responsabilidade civil, criminal e pecuniária à instituição que realiza este trabalho.
Por ora, apenas a carteira que estava sob administração do banco ABN foi para a Mellon. Laurence, temendo melindres no setor, sai em defesa da instituição: “o ABN foi o primeiro exatamente porque funcionava bem e tinha um fundo redondo”. De acordo com a executiva, a seguradora decidiu dar esse passo porque a controladoria fiduciária é praticamente um requerimento internacional – e a AGF, que é a subsidiária brasileira do Grupo Allianz, tem ações listadas em Nova York. “Temos que garantir um maior grau de controles internos e de riscos”, diz.
Além disso, Laurence avalia ser importante ter segregação de funções. “Em alguns casos, o emissor de um ativo era o nosso gestor e tínhamos que ter um time interno só para acompanhar e monitorar as operações. É mais eficiente ter um único fiduciário”.
A diretora conta que o processo de escolha da Mellon foi extenso. “Queríamos uma empresa de porte e com experiência internacional, como nós. Por isso, a análise foi qualitativa e não financeira. Ou seja, o custo não pesou na decisão”. Assim, a Mellon passou por entrevistas, por uma due-diligence (processo de análise das informações obtidas antes de se fechar um negócio) e ainda teve alguns de seus clientes, como a Siemens e a Volkswagen, visitados pela AGF. O contrato com a Mellon, revelado com exclusividade para a Investidor Institucional, foi fechado em janeiro – após longas negociações – e, segundo Laurence, a sua implantação tem se mostrado “um sucesso”.
Apesar disso, a diretora é bastante reticente em revelar os próximos passos da AGF. Diz, apenas, que as decisões serão tomadas “caso a caso” e que serão bastante discutidas com os gestores. Não é para menos. Com exceção do banco ABN, os demais bancos ainda não foram informados oficialmente dessa reformulação na carteira da seguradora, e assuntos como esse sempre são melhores que apareçam de surpresa. Assim não dá tempo de reviravoltas, nem de tentativa de renegociação de taxas para cima, como forma de os bancos evitarem perdas maiores.
A francesa AGF Seguros opera em todo o território nacional, com cerca de 70 filiais e mais de 1,2 mil empre-gados. Seus produtos e serviços são vendidos por aproximadamente sete mil corretores ativos e sua clientela chega a 500 mil segurados.
Do outro lado – Já a Mellon é só sorrisos. A empresa vinha namorando o mercado segurador há muitos anos e só agora conseguiu bater o martelo com uma das empresas do setor. E uma das maiores, principalmente em seguros patrimoniais, de transporte e de saúde empresarial. “As seguradoras tem uma reserva técnica muito grande, mas não têm muita expertise no mercado financeiro. Sem contar que elas estão sob uma série de regras – desde a Susep [Superintendência de Seguros Privados] até a Receita Federal e nós oferecemos o back-office para a sua conformidade à legislação. A empresa ganha em capacidade de reação diante de qualquer compra e venda de ativos, já que oferecemos tecnologia e proteção legal”, diz o diretor comercial da Mellon, Roberto Pitta.
A Mellon não revela a taxa negociada com a AGF, mas sabe-se que o mercado cobra entre 0,07% e 0,15% ao ano sobre o patrimônio para o serviço de administração; entre 0,03% e 0,05% para custódia; e entre 0,30% e 0,40% para gestão. Com isso, a Mellon deve faturar por ano, pelo menos, R$ 1 milhão com este contrato. E a expectativa de Pitta é de que, até maio, toda a carteira da AGF esteja sob controladoria fiduciária da Mellon. A empresa oferecerá à seguradora um controle pós-liquidação dos seus ativos, com base diária. Assim, um aplicativo com base no sistema YMF é instalado na seguradora e em todos os gestores, de forma a centralizar informações atualizadas de todo o porfólio – fundo por fundo.
Na Mellon, onde ficam 180 profissionais que cuidam apenas de controladoria, o trabalho começa desde o “boletamento” (registro da operação) por parte do gestor e segue por diversas etapas: o registro dessa operação eletrônica vai para a área de conformidade, que avalia se ela está dentro dos limites e regras estipulados pela empresa e pelo setor que a regula. Depois, a operação passa pela área jurídica, pela área de compliance (sistema de controles internos) e, finalmente, para a área de liquidação, onde se relaciona diretamente com o custodiante. A mesma informação segue para a área de “cotização” e para a área de processamento, que disponibiliza o dado no sistema para o cliente. Tudo isso em um piscar de olhos.
“O nosso plus [adicional] é poder corrigir qualquer erro a tempo”, diz Pitta. Segundo ele, a Mellon está visitando outras seguradoras para fechar o mesmo serviço. A administradora já atende a 14 fundos de pensão, cinco grandes corporações, e tem um patrimônio de R$ 22 bilhões – destes, R$ 13 bilhões na área de controladoria; R$ 7,4 bilhões na área de gestão; R$ 280 milhões em Wealth (que atende pessoas físicas com recursos acima de R$ 2 milhões); e o restante na área de governança corporativa, onde a Mellon faz um tipo de “meio de campo” entre o investidor e a empresa da qual é detentor de ação, negociando assento no Conselho, tag along (extensão do prêmio de controle), e outros direitos do acionista.