Edição 244
Não foi tão dolorido quanto se esperava. As novas regras para a meta atuarial dos fundos de pensão, definidas nas duas últimas reuniões do Conselho Nacional de Previdência Complementar de 2012, foram mais suaves do que se previa anteriormente. Além disso, o corte de 0,25 ponto percentual ao ano começa a valer apenas para 2013, e não para o ano passado, como os dirigentes do Ministério da Previdência vinham defendendo. Além disso, outra decisão do conselho comemorada pelos dirigentes de fundos de pensão foi a possibilidade de manter a taxa de 6% ao ano para os planos de benefícios que comprovem capacidade de solvência de acordo à avaliação do passivo em relação ao estoque de ativos.
Apesar das previsões de impacto menor sobre o conjunto de fundos de pensão, a redução regressiva desde os atuais 6% ao ano mais a inflação até chegar em 4,5% em 2018 marca o início de uma nova fase para o sistema de previdência complementar, com patamares de juros ajustados ao novo momento da economia brasileira e do mercado financeiro. “O movimento de redução da meta atuarial acompanha uma mudança estrutural da economia do país. Já vínhamos nos preparando para o corte da meta nos últimos anos”, diz Maurício Wanderley, diretor de investimentos da Valia. O fundo de pensão da Vale reduziu a taxa atuarial de seu plano de benefício definido (BD) de 6% ao ano para 5,5% em agosto de 2012.
O plano BD da Valia tem patrimônio de mais de R$ 10 bilhões e figura entre os dez maiores do sistema de fundos de pensão. O reajuste da meta foi realizado com a utilização de superávit que vinha se acumulando nos últimos anos. “Já havíamos aumentado o benefício dos assistidos com o superávit e recentemente aproveitamos para reajustar nossa meta atuarial. Mesmo assim, ainda sobrou uma parte do superávit”, diz Wanderley.
O benefício dos aposentados e pensionistas da Valia foi reajustado em 75% acima da inflação desde 2008. O acúmulo de superávit foi alcançado graças aos resultados das carteiras de investimento do fundo de pensão, alavancados pelo desempenho do estoque de títulos públicos federais, que representa pouco mais da metade do patrimônio do plano BD. São títulos de longo prazo com taxa média marcada na curva acima de 6,5% ao ano acima da inflação.
“A projeção de nosso plano de benefício definido é bastante solvente. Temos mais preocupações com os dois planos de contribuição variável que são mais novos”, afirma o diretor de investimentos da Valia. Os planos do tipo CV da Valia também trabalham com taxa atuarial de 5,5% ao ano e terão que se adaptar ao novo teto da meta a partir de 2015 – quando o teto será de 5,25% ao ano. O problema é que se trata de planos de benefícios menos maduros que o plano BD, por isso apresentam uma projeção de acumulação de reservas e pagamento de benefícios de maior prazo. “Estamos procurando novas alternativas de investimentos nos segmentos de estruturados, imóveis e até ativos no exterior”, diz Wanderley.
Outra questão importante é o destino do superávit atual da Valia. A direção da fundação e da patrocinadora está elaborando proposta de distribuição do superávit, mas agora precisa reavaliar as novas regras da Resolução 26 do conselho (ver box). As novas orientações impõem exigências mais conservadoras para a distribuição do superávit. “Vamos recalcular o superávit e ver como podemos realizar a distribuição, sempre seguindo a legislação”, diz o diretor de investimentos da Valia.
Assim como a Valia, outras grandes fundações já tinham reduzido a taxa atuarial anteriormente, como é o caso da Previ. O Plano 1 do fundo de pensão do Banco do Brasil, que é o maior do sistema atualmente, com mais de R$ 150 bilhões de patrimônio, já conta com taxa de 5% ao ano mais INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Outra grande fundação, a Funcef também havia reajustado a meta atuarial de seus planos do tipo BD, denominados Reg e Replan, para 5,5% ao ano mais INPC. O mesmo ocorreu com a Petros que reduziu a meta de seus planos BD de 6% para 5,5% no final de 2012.
Outras grandes fundações, que possuem os maiores planos de benefícios, como é o caso da da Real Grandeza, Fapes e Postalis, ainda mantêm taxa atuarial de 6% ao ano. Nestes casos, o impacto do corte da meta atuarial começa a contar a partir de 2013 – quando o teto passará a 5,75% ao ano. Por outro lado, há alguns planos de benefícios que se anteciparam aos cortes da meta, e não sofreram nenhum impacto. É o caso do plano BD da Sistel que passou a adotar taxa de juros atuarial de 3,8% ao ano a partir de agosto de 2012, uma das menores do sistema (ver matéria).
Mudanças graduais – O impacto das novas regras da meta atuarial não será tão intenso quanto se previa anteriormente. Isso porque a redução do teto da meta será realizada de forma regressiva, partindo dos atuais 6% ao ano, até chegar a 4,5% daqui há seis anos. Além disso, o CNPC decidiu não mexer na tábua atuarial, que continua a AT 83. “Foi muito importante não ter alterado a regra para a tábua atuarial. Além disso, foi bastante positivo começar a cortar a meta a partir de 2013”, avalia Antônio Fernando Gazzoni, presidente da Gama Consultores Associados. Durante as discussões das propostas para a nova meta atuarial, os representantes do ministério chegaram a cogitar a adoção da AT 2000.
Os profissionais de atuária começam a realizar as avaliações antes do término de cada ano. Por isso, a adoção de uma nova taxa atuarial já para o ano passado, obrigaria a refazer os cálculos e trabalhos em andamento. “Em vários casos começamos a avaliação atuarial a partir de setembro ou outubro com base nas informações do primeiro semestre. Se houvesse mudança já para 2012 teríamos que refazer boa parte da avaliação”, diz Gazzoni. O atuário diz que mais importante que a postergação do início do corte do teto da meta atuarial, foi a manutenção da tábua atuarial, pois ele vem defendendo que a adoção obrigatória da AT 2000 pode gerar desequilíbrios e déficits desnecessários para uma parcela significativa dos planos de benefícios.
Outra decisão tomada na última reunião do CNPC, realizada no final da segunda quinzena de dezembro, foi a abertura da possibilidade de manutenção da taxa de 6% ao ano para os planos que comprovarem capacidade de solvência. “O teto da meta vai caindo a partir de 2013, mas abrimos uma exceção para os fundos que conseguirem comprovar que podem manter a meta acima do teto”, diz Jaime Mariz, titular da Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC). O secretário explica que ainda serão definidas as regras para que a fundação possa comprovar que o plano está aderente a uma meta superior ao limite do teto – sempre limitado a 6% ao ano.
“Se comprovar que o plano está aderente a uma meta superior, não precisa acompanhar a redução do teto”, diz Mariz. O secretário da SPPC explica que a exceção foi aberta para não criar desequilíbrios desnecessários para os planos que estão solventes com o teto atual.
Os profissionais e dirigentes do sistema, em geral, aprovaram as novas regras. “Vínhamos defendendo que as entidades que pudessem comprovar solvência ao longo do tempo, com planos mais maduros, poderiam manter a taxa atuarial nos níveis atuais”, diz Gazzoni. O atuário defende o mesmo critério para as tábuas atuariais, ou seja, que deveriam ser definidas de acordo a testes de aderência realizados caso a caso, com os grupos de participantes de cada plano de benefícios de acordo à expectativa de vida e outros critérios.
Impacto – Apesar de não ser tão grande quanto se previa antes, a redução da meta atuarial deve provocar uma série de impactos sobre os fundos de pensão. Segundo dados da Previc relativos a dezembro de 2011, 43% dos planos de benefício definido ainda mantinham taxa de 6% ao ano. Já 53% dos planos mantinham taxas de 5,5% ou 5% ao ano (ver tabela na página ao lado). Apenas 4% dos planos BD tinham taxa de 4,5% e não sofrerão nenhum impacto no cálculo das reservas.
Segundo estimativas da consultoria Gama, o aumento da reserva matemática decorrente da redução da meta de 6% para 4,5% ao ano, é de aproximadamente 21%. Ou seja, esse é o percentual adicional que o plano deve acumular a mais de reservas para fazer frente aos benefícios futuros. Para um plano com 5,5% ao ano, a redução para 4,5% produzirá um acréscimo de 14% nas reservas matemáticas (ver tabela na página ao lado).
Da quantidade de planos BD que ainda mantinham taxa de 6% ao ano no final de 2011, uma parcela acabou reajustando a meta durante 2012, porém ainda não há dados fechados para mostrar o número. “A maioria dos planos já tinham cortada a meta atuarial antes ou durante 2012”, diz João Roberto Rodarte, diretor geral da consultoria Rodarte Nogueira. O especialista acredita que não haverá grandes problemas para que o sistema se adapte aos novos patamares das metas para os próximos anos. “Nenhum de nossos clientes fechou 2012 com taxa de 6% ao ano”, diz. Ele lembra que a adaptação à nova meta atuarial será similar ao que aconteceu quando veio a obrigatoriedade para a adoção da AT 83 – na época muitos planos ainda utilizavam a AT 49. O órgão regulador deu três anos de prazo para adaptação à nova tábua e não foi verificado um forte impacto sobre o sistema.
Isso não quer dizer que não existam casos específicos de planos que vinham apresentando déficits e que terão maior dificuldade de adaptação. O especialista da Rodarte Nogueira calcula um impacto de 17% para os planos que terão que reduzir a meta de 6% ao ano para 4,5%. O maior problema, segundo o especialista, é que as auditorias independentes tendem a considerar o corte na meta atuarial como se fosse realizado de forma imediata. “Acredito que as auditorias passam a adotar a premissa de 4,5% ao ano já a partir do ano que vem”, diz. Ele explica que as auditorias em geral, não aceitam provisões regressivas, portanto, o reajuste de 1,5 ponto percentual já aparecerá nos balanços a partir do exercício de 2013.
Outro problema apontado pelo especialista é o impacto sobre os planos de contribuição variável (CV). “É preciso maior atenção sobre o impacto da redução da meta sobre os assistidos dos planos CV. Esses planos precisam de uma melhor avaliação”, diz Nogueira. Os planos CV se transformam em BD depois da concessão do benefício, por isso, também são afetados pela redução da meta.
O maior desafio, porém, caberá à área de investimentos das fundações, segundo o profissional. Com a redução das taxas oferecidas atualmente pelos títulos públicos federais, abaixo de 4% ao ano mais inflação, a principal dificuldade será o reinvestimento dos papéis que irão vencendo nos próximos anos. Havia uma proposta, denominada modelo de vértices, que foi apresentada pelos dirigentes do Ministério da Previdência de atrelar a meta atuarial dos planos às taxas dos títulos públicos do tipo NTN-B – indexada à inflação. “Era uma proposta que geraria uma série de outros problemas, pessoalmente tenho posição contrária”, diz Rodarte.
Dificuldades – Outro consultor de fundos de pensão, Dionísio Jorge da Silva, diretor técnico da Consultorys, mostra-se mais favorável à adoção do modelo de vértices, apesar de reconhecer as dificuldades de mudança. “O modelo de vértices é muito interessante, porém, a operacionalização mostra-se muito complexa. Gera uma volatilidade muito forte também sobre o passivo das fundações”, diz Silva. Ele defende a continuidade dos estudos sobre a proposta para sua aplicabilidade futura. “Mesmo com a redução do teto da meta para 4,5% ao ano, o problema dos planos vai continuar”, diz o consultor.
Ele explica que mesmo com a taxa de 4,5%, as carteiras das fundações serão obrigadas a correr maior risco, terão que migrar para alternativas de crédito privado e segmento de estruturados. “Vai ganhar importância o monitoramento de risco, não só de agências de rating, mas principalmente com base em modelos e sistemas próprios dos fundos”, diz Silva. Diferentemente de outros especialistas, o diretor da Consultorys prevê que um número significativo de planos do tipo BD terão dificuldades de se adaptar ao novo teto da meta atuarial.
“Acredito que pelo menos metade dos planos BD enfrentará algum tipo de dificuldadespara de adequar à nova meta”, prevê. Dionísio da Silva explica que muitas fundações aproveitaram as altas taxas pagas pelos títulos federais nos últimos anos para acumular superávit e realizaram o ajuste da taxa atuarial. Porém, uma parcela significativa das fundações vinha esperando a mudança na legislação, que veio somente agora. “Tem gestores que ficam muito presos à norma e que acabam desperdiçando oportunidades de realizar as mudanças quando têm condições mais favoráveis”, diz Silva, referindo-se à aprovação da redução da meta atuarial. Ele acredita que muitas fundações que ainda mantêm a taxa de 6% ao ano, poderiam ter realizado o corte antes da aprovação da nova regra pelo conselho.
Outros fundos de pensão que vêm apresentando déficit são aqueles que terão maior dificuldade. Segundo dados da Previc, existe um déficit total de R$ 8,6 bilhões – segundo dados de junho de 2012. Um exemplo é de plano deficitário é o da Geiprev, fundo de pensão da Valec (antiga estatal Geipot). Com patrimônio de R$ 125 milhões, seu plano BD apresenta um déficit de cerca de R$ 53 milhões. Para reduzir a meta dos atuais 6% ao ano mais IPCA, para 4,5% ao ano, haverá um impacto que fará elevar ainda mais o déficit. “Temos um desequilíbrio que vem desde a mudança de patrocinadora. Estamos pleiteando o reconhecimento de uma dívida com a União”, diz Darcet Fernandes Madela, presidente do Geiprev.
O dirigente se refere a um passivo não reconhecido relacionado ao grupo de assistidos – que são 397 entre aposentados e pensionistas – que a União não reconheceu quando houve a criação da Valec (antigo Geipot). Segundo estimativas do dirigente, a dívida gira em torno de R$ 170 milhões. O fundo de pensão vem batendo sua meta atuarial nos últimos anos graças à concentração dos ativos em imóveis. Porém, apresenta um problema de desenquadramento – pois a carteira imobiliária está acima dos 8% permitidos pela legislação.
“Fomos beneficiados pela forte valorização da carteira imobiliária nos últimos anos, mas estamos com dificuldades de vender os imóveis para reaplicá-los no mercado financeiro”, diz Madela. Assim como deve ocorrer com a Geiprev, outros fundos de pensão deficitários terão maior dificuldades para se adaptar à redução da meta. Nestes casos, não sobra outra saída senão o aumento das contribuições ou a redução do benefícios.
Mudanças nas regras de distribuição do superávit
O corte da meta atuarial será acompanhado de mudanças nas regras para a distribuição do superávit para patrocinadora e participantes de fundos de pensão. A última reunião do ano do CNPC definiu a redução da meta atuarial também para os planos que decidam realizar a distribuição do superávit. É que a Resolução 26, que regula o assunto, obrigava a redução da meta para 5% ao ano, antes da distribuição, além da adoção da AT 2000. Agora, a meta deve ficar em 1 ponto percentual abaixo do teto, que será reduzido gradualmente.
Por exemplo, em 2013 o teto da meta vai pra 5,75%, então, em caso de distribuição do excedente, o plano terá que ajustar a taxa para no máximo 4,75% ao ano. Outra mudança é que a tábua adotada terá que ser a AT 2000 suavizada em 10%, ou seja, com aumento da expectativa de vida dos participantes. “É uma regra mais conservadora para dificultar a distribuição do superávit. A intenção é evitar distribuições desnecessárias de recursos que podem vir a faltar no futuro”, explica Jaime Mariz, da SPPC.